Por Daniel Rittner e Camila Maia – Valor Econômico

Vista área do rio São Francisco: ações de revitalização da bacia hidrográfica vão
ganhar reforço de caixa

Em uma iniciativa que busca minar a forte resistência de governadores e parlamentares do Nordeste, as ações de revitalização na bacia hidrográfica do rio São Francisco vão ganhar um reforço de R$ 9 bilhões com a transferência de controle da Eletrobras para o setor privado. Os recursos estão previstos no projeto de lei que autoriza a privatização da companhia. Com dez dias de atraso em relação ao anúncio feito pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, o texto da proposta seguiu ontem para uma análise final da Casa Civil.

Segundo auxiliares diretos do presidente Michel Temer, a recuperação do São Francisco ficará com R$ 350 milhões anuais do 1º ao 15º ano de contrato das hidrelétricas “descotizadas”; o montante será de R$ 250 milhões do 16º ao 30º ano. As novas concessões vão ter 30 anos de vigência.

O dinheiro sairá exclusivamente das usinas operadas atualmente pela Chesf no regime de cotas – preços fixos que remuneram apenas os custos de operação e manutenção dos ativos. O complexo de Paulo Afonso (na Bahia) e Xingó (entre Alagoas e Sergipe) estão entre esses ativos.

Ao trocar o regime de cotas por tarifas de mercado, o governo cobrará um bônus de outorga na assinatura dos novos contratos. A Eletrobras fará um aumento de capital, com participação exclusiva do setor privado, para captar os recursos necessários ao pagamento. Isso implicará perda do controle acionário da União.

Nos últimos dias, foi definida a origem do dinheiro para as ações no São Francisco. A equipe econômica apresentava resistências aos números propostos pela área política. Houve ainda uma tentativa de elevar os valores para R$ 500 milhões por ano. O dinheiro “carimbado” para revitalização não será pago à vista, mas em parcelas anuais pela Eletrobras.

Como se cria uma nova obrigação de pagamento ao longo de todo o contrato, o ganho adicional da Eletrobras com a “descotização” – e que será convertido em bônus de outorga das usinas – será menor, reduzindo a arrecadação imediata para o Tesouro. Por isso, havia ressalvas da Fazenda e do Planejamento a esse desenho, que só foram contornadas mediante a interferência do Palácio do Planalto.

Apesar disso, o montante é baixo em comparação com as receitas potenciais da Eletrobras com a venda da energia que será descotizada. Dos 7.877 megawatts (MW) médios que a estatal tem hoje no regime de cotas, 5.480 MW médios são da Chesf, por meio de sete usinas. Se esse montante for recontratado ao preço médio de R$ 150 por megawatt-hora (MWh), a Eletrobras poderá ter um faturamento bruto anual de R$ 7,2 bilhões com as hidrelétricas. Para efeito de comparação, a receita anual de geração (RAG) dessas mesmas usinas no ciclo 2016/2017 foi fixada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em R$ 1,2 bilhão.

Será dessa diferença entre o valor recebido atualmente pela Eletrobras no regime de cotas e a nova tarifa que a Chesf vai tirar os recursos para pagar a contribuição ao São Francisco. O montante total é significativo para o programa de revitalização do rio, mas não chega a representar uma grande fatia do lucro que a Eletrobras privatizada poderá obter.

Para o núcleo político do governo, essa “amarração” tende a minar boa parte da resistência de governadores do Nordeste à privatização da Eletrobras. Eles chegaram a enviar uma carta conjunta ao Planalto pedindo a preservação da Chesf como estatal.

O governo também espera diminuir as críticas de parlamentares não só da bancada nordestina, mas também de Minas Gerais, que tradicionalmente exercem influência sobre a administração de Furnas. Minas e o Estados do Nordeste são os beneficiários diretos das ações de revitalização.

No ano passado, Temer lançou o Novo Chico, programa de recuperação do rio São Francisco que previa investimentos de R$ 7 bilhões em dez anos. O programa tem dois pilares básicos: melhorar a qualidade dos recursos hídricos (principalmente reforçando o sistema de coleta e tratamento de esgoto) e aumentar a vazão do rio (recompondo matas ciliares que ajudam na absorção da água das chuvas pelo subsolo).

O reservatório de Sobradinho (BA), por exemplo, está com apenas 2% de sua capacidade de armazenamento e teve a vazão reduzida para um mínimo histórico de 550 metros cúbicos por segundo a fim de economizar água.

O Novo Chico tinha R$ 1,1 bilhão assegurados em 2017 pelo Orçamento Geral da União (OGU), sobretudo em obras de saneamento básico financiadas pelo Ministério das Cidades, mas faltavam recursos para os nove anos seguintes. Com o dinheiro proveniente da “descotização” de usinas da Chesf, busca-se dar uma fonte de recursos não contingenciáveis e fora do OGU para blindar o programa de cortes.

Fontes da área ambiental, no entanto, ponderam que nem mesmo esse orçamento será suficiente. Nas discussões para a elaboração do programa, os técnicos apontavam a necessidade de R$ 30 bilhões para a recuperação do São Francisco.

Mesmo assim, trata-se de uma relevante ajuda financeira ao programa e deve acuar os críticos da privatização. A revitalização do São Francisco terá um comitê executivo formado por quatro ministros (Casa Civil, Minas e Energia, Integração Nacional e Meio Ambiente) e governadores dos Estados que integram a bacia (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal). Esse comitê estabelecerá anualmente as diretrizes estratégicas do Novo Chico, com os projetos contemplados.

No total, as 14 hidrelétricas da Eletrobras no regime de cotas tem 7.877 MW médios de garantia física. Se toda essa energia for recontratada ao preço médio estimado de R$ 150/MWh, o faturamento anual poderá chegar a R$ 10,3 bilhões, contra R$ 2,2 bilhões hoje.