Supersafra, desaceleração da inflação, queda dos juros e a liberação do FGTS inativo foram apontados pelos economistas como fatores determinantes para recuperação acima de previsões iniciais.

Por Darlan Alvarenga, G1

01/03/2018 09h02

A economia voltou a crescer em 2017, após 2 anos seguidos de queda na atividade. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 1,0% no ano, de acordo com dados divulgados nesta quinta-feira (1) pelo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ainda que a alta seja modesta diante do tamanho do tombo da economia nos últimos dois anos, o PIB de 2017 ficou acima do que se esperava no começo do ano. Na primeira pesquisa “Focus” de 2017, a média das projeções de cerca de 100 analistas de mercado ouvidos pelo Banco Central apontava para um crescimento de 0,5%.

A recuperação da economia foi alcançada com ajuda da supersafra de grãos, da desaceleração da inflação em 2017 e da queda da taxa de juros. Outros fatores, como a liberação dos saques das contas inativas do FGTS e a alta no preço do petróleo e do minério de ferro também ajudaram.

Veja abaixo 10 fatores que explicam o crescimento da economia em 2017:

1 – Supersafra

Boa parte do crescimento da economia em 2017 veio do campo, já que o PIB da agropecuária cresceu 13% em 2017. Sozinho, o setor respondeu por cerca de 0,7% do crescimento da economia no ano passado, segundo cálculos da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro/Ibre, da FGV.

Favorecida pelo clima, a safra agrícola cresceu 29,5% na comparação com 2016, para o recorde de 240,6 milhões de toneladas, segundo a última estimativa divulgada pelo IBGE.

“O PIB acabou surpreendendo em grande parte por causa da safra agrícola, que veio muito boa, ajudou a conter a inflação mais do que o esperado, os juros caíram mais do que o esperado, e teve um efeito multiplicador na atividade”, afirma Luiz Fernando Castelli, economista da GO Associados

2 – Queda da inflação

A inflação oficial do Brasil fechou 2017 em 2,95%, menor patamar desde 1998 e pela primeira vez abaixo do piso da meta fixada pelo governo. A redução dos preços dos alimentos foi o principal fator que segurou a inflação.

Com a meteorologia a favor e safra recorde, os alimentos ficaram 1,87% mais baratos em média no ano, segundo o IBGE. O preço do feijão carioca, por exemplo, caiu 46%, o do açúcar, 22,32%, e o do arroz, 10,86%. Se os itens relacionados a alimentação no domicílio fossem retirados do cálculo do IPCA, a variação acumulada em 12 meses teria ficado em 4,4%.

“A desaceleração da inflação ajuda na recuperação da confiança, que no momento seguinte acaba sendo convertida em maior consumo”, explica Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating

3 – Queda dos juros

Com a inflação em desaceleração, o Banco Central foi reduzindo a taxa de juros básicos da economia para mínimas históricas. Em fevereiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou o 11º corte consecutivo na Selic, que caiu para 6,75% ao ano.

“Com a queda da inflação e dos juros, criou-se condições para o PIB ser melhor no 2º semestre e para uma recuperação mais disseminada”, afirma Silvia Matos, destacando também a contribuição da queda dos juros para a redução do endividamento de empresas e famílias.

4 – Saques das contas do FGTS

Para ajudar a reaquecer a economia, o governo federal anunciou, no ano passado, medidas como a liberação de saques das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e do PIS/Pasep para idosos.

Somente os saques das contas do FGTS injetaram cerca de R$ 44 bilhões na economia em 2017, beneficiando 25,9 milhões de trabalhadores. Embora muitos tenham usado o dinheiro para quitar dívidas, o comércio também conseguiu fisgar parte desse dinheiro extra, o que permitiu o consumo das famílias voltar a crescer a partir do 2º trimestre, após 9 trimestres de queda.

5 – Aumento do consumo das famílias

O consumo das famílias cresceu 1,0% em 2017, após 2 anos seguidos de queda. O comércio varejista, por exemplo, cresceu 2%, impulsionado pelas vendas de móveis e eletrodomésticos, que voltaram a subir. Os gastos das famílias têm o maior peso na composição do PIB.

A queda acentuada da inflação também proporcionou no ano passado ganhos reais nos salários dos trabalhadores com carteira assinada. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 8 em cada 10 acordos salariais tiveram aumento acima da inflação no ano passado, ante um percentual de 27% no ano anterior.

Segundo o IBGE, o rendimento médio real do brasileiro cresceu 1,6% no 4º trimestre na comparação anual. “A renda do trabalhador cresceu por conta da desinflação”, resume Matos.

6 – Aumento da massa de rendimentos

Apesar do número ainda elevado de desempregados, a população ocupada cresceu no ano passado. É verdade que a recuperação tem sido sustentada pelo aumento do trabalho precários. Mas o número de brasileiros com algum tipo de remuneração cresceu, e isso contribuiu para o aumento do consumo no país.

Segundo o IBGE, a massa salarial (soma da remuneração de toda a população ocupada) cresceu 3,6% no acumulado em 1 ano, com um acréscimo de mais R$ 6,6 bilhões no bolo de rendimentos somente no 4º trimestre.

“O que determina o consumo não é a renda exclusivamente, e sim o conjunto entre renda e emprego, que é a massa salarial. Então, mesmo que a renda não cresça, se a população ocupada sobe, aumenta o consumo”, afirma Agostini.

7 – Melhora da confiança

Com a melhora do consumo e dos principais indicadores econômicos, a confiança de empresários e consumidores voltou no ano passado para o patamar considerado de otimismo. A confiança da indústria terminou 2017 no melhor nível em quase 4 anos, segundo o termômetro da FGV.

Já confiança do consumidor também fechou em alta, acima da registrada em 2015 e 2016, embora o endividamento das famílias ainda leva à cautela em alguns tipos de gastos.

“Está começando a haver alguma recomposição das margens de lucro das empresas e a gente já começa a ver alguma recuperação do mercado de trabalho. Com os juros em queda, inflação baixa e recuperação do crédito, melhora a confiança e isso ajuda as famílias a voltarem a consumir”, avalia Castelli.

8 – Retomada dos investimentos

Os investimentos encolheram 1,8% em 2017, mas a expansão no 2º semestre aponta uma tendência de recuperação após 4 anos seguidos de retração.

Entre os setores que conseguiram sair à frente na retomada dos investimentos estão o automotivo e a indústria com foco na exportação. Já o setor de infraestrutura continua pressionado pelo corte de gastos públicos.

“A alta dos investimentos no 4º trimestre foi até maior que a do consumo das famílias, que perdeu um pouco de fôlego. Isso mostra que, apesar de algumas incertezas na economia, as empresas começam a desengavetar alguns projetos, e estão voltando a investir com base na melhora da confiança e da queda dos juros”, afirma Castelli.

9 – Alta nos preços do petróleo e minério de ferro

Embora tenham peso relativamente pequeno no PIB, as exportações também foram destaque no ano. A balança comercial brasileira encerrou 2017 com superávit de US$ 67 bilhões, o melhor resultado em 29 anos.

O saldo recorde foi puxado principalmente pelo aumento de 28,7% nas exportações de commodities em 2017, como minério de ferro, petróleo e produtos agrícolas, que representaram quase metade das exportações.

O crescimento, entretanto, se deu mais por conta do preço (alta de 10,1%) do que pelo volume de vendas (7,6%). Segundo dados do Ibre/FGV, o valor do minério de ferro saltou 44% no ano, e petróleo e derivados, 32%, o que acabou favorecendo o desempenho de empresas como Vale e Petrobras.

10 – Ambiente internacional favorável

O PIB brasileiro também contou com uma ajudinha externa. Se 2017 começou com temores sobre os impactos da chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o ano terminou com o mundo em ritmo maior de crescimento, juros ainda baixos e elevado apetite por ativos de risco em países emergentes como o Brasil.

Em 2017, o ingresso de dólares na economia brasileira voltou a superar as retiradas e o fluxo de capital de investidores estrangeiros continua favorável. Somente na Bolsa, as compras de ações por investidores estrangeiros superaram as vendas em R$ 14,6 bilhões em 2017.

Castelli destaca, que nem mesmo as incertezas sobre políticas fiscais, afetaram a entrada de dólares no país. “Não sabemos até quando, mas o cenário externo continua favorável e essa elevada liquidez ainda está ajudando a valorizar os preços dos nossos ativos”.

O que ainda preocupa

Apesar das surpresas positivas em 2017, há diversos fatores que ainda preocupam na economia brasileira e que podem afetar o crescimento de 2018. Segundo os economistas, há incertezas relacionadas às eleições presidenciais, o desemprego ainda está elevado e há dificuldades de realizar o ajuste das contas públicas.

“O desemprego continua muito alto e nem todo mundo consegue emprego. Quando consegue, pode ser de má qualidade. A renda cresce, mas muito menos ro que já cresceu no passado. Isso pode explicar um pouco esse ainda elevado mau humor em relação à situação do país”, afirma Matos.

Para Castelli, o crescimento lento será a tônica da recuperação, que deverá se consolidar em 2018. “Eu acredito que ao longo do ano a população vai sentir alguma melhora, mas ainda é pouco perto do que se perdeu nestes últimos anos”

“A sensação é de que a economia melhorou, mas que em algum momento já foi melhor.”