Por Beatriz Olivon – Valor Econômico

Ocupados com processos criminais e administrativos, os tribunais superiores pouco julgaram matéria tributária na segunda metade de 2017 e as expectativas não são diferentes para este ano. A União começa 2018 com, pelo menos, R$ 803 bilhões em discussões tributárias que aguardam decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), como indica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O valor estimado é bem superior aos R$ 500 bilhões das teses apresentadas na LDO de 2017. O número de temas também aumentou desde então, passando de sete para 15. Os valores indicam a pior hipótese para a União – perder a discussão e ter que devolver os valores pagos por todos os contribuintes nos cinco anos anteriores à ação judicial. Portanto, na prática, o montante poderá ser menor, a depender do volume de contribuintes que pedirem judicialmente a devolução dos montantes recolhidos e da modulação de efeitos (limitação temporal) das decisões.

A lista de ações aparece na LDO pela possibilidade de impactar o cumprimento da meta de resultado primário estabelecido na lei e também a projeção de resultado nominal e de dívida. A indicação segue parâmetros definidos na Portaria Advocacia-Geral da União nº 40, de 2015.

A portaria prevê que sejam informadas as ações ou grupos de processos semelhantes com impacto financeiro estimado em, no mínimo, R$ 1 bilhão. Os processos listados na LDO têm probabilidade de perda considerada possível. Processos com risco considerado como provável são provisionados pela Secretaria do Tesouro Nacional.

A grande estrela do anexo de riscos fiscais tem sido a mesma nos últimos anos: a discussão sobre inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Considerada a tese tributária do século, foi julgada pelo Plenário do Supremo em março com repercussão geral, mas ainda assim é mantida na LDO pela União. A expectativa da PGFN é conseguir reduzir o impacto da decisão de R$ 250 bilhões a zero ou cerca de R$ 20 bilhões com uma possível modulação de efeitos do julgamento.

A tese demorou quase 20 anos para ser julgada pelo STF em repercussão geral e, em embargos de declaração, a PGFN pede que a decisão só tenha validade a partir deste ano, com tempo para ser feita lei alterando a forma de cobrança o que faria com que, na prática, a União perdesse a tese mas não tivesse impacto financeiro ou reduzisse o valor devido.

As cinco ações de maior valor estão no STF (veja abaixo) e, com exceção do ICMS na base do PIS e da Cofins, ainda não começaram a ser julgadas. O segundo tema de maior impacto econômico é a validade das Medidas Provisórias 66, de 2002 e 135, de 2003, que criaram a sistemática de não cumulatividade das contribuições para o PIS e a Cofins de prestadoras de serviços, resultando na majoração da alíquota e na possibilidade de aproveitamento de crédito para a apuração do valor efetivamente devido.

De acordo com o tributarista Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon Advogados, a tese tem a possibilidade de ser

replicada a outros temas, já que a decisão vai tratar do aumento da alíquota e também da própria sistemática de aproveitamento de créditos. Por isso, pode ter impacto bilionário. A Receita estima prejuízo de R$ 56 bilhões para cinco anos (até 2014) para as prestadoras de serviços e de R$ 90,2 bilhões para as demais empresas.

Outro caso de maior valor também vai além da própria tese. Na discussão sobre a possibilidade de incidência de PIS e Cofins sobre as receitas financeiras de instituições financeiras, o STF vai indicar se o governo pode alterar alíquotas por meio de decreto, segundo o advogado. “Teria efeito replicador enorme”, afirma. Além disso, apenas a tese poderia custar R$ 135,69 bilhões considerando-se o intervalo entre 2012 a 2016.

A ação de maior valor para a União que tramita no STJ quase foi julgada no fim de 2017 e está na pauta de 22 de fevereiro. Os ministros devem voltar a julgar o conceito de insumo para a obtenção de crédito de PIS e Cofins. O impacto pode chegar a R$ 50 bilhões. O julgamento já foi iniciado pela 1ª Seção mas, por enquanto, há quatro votos contra a interpretação restritiva adotada pela Receita Federal e um a favor, de um total de dez ministros.

Os temas que aparecem agora na LDO já existiam mas podem ter se tornado mais relevantes pelo receio da PGFN de decisões desfavoráveis, segundo o tributarista Tiago Conde. O advogado cita o “efeito replicador” de algumas teses julgadas, como o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o precedente inclusive para outras teses semelhantes, as chamadas “teses filhote”, que a PGFN tem tentado combater, pedindo que seja aguardada a decisão sobre modulação de efeitos.

A PGFN também tem tentado sensibilizar os ministros do STJ sobre a importância de dar preferência a julgamentos de recursos repetitivos, segundo o procurador-geral adjunto de consultoria e estratégia da representação judicial e administrativa tributária da PGFN, Cláudio Xavier Seefelder Filho. Há o pedido para afetar mais recursos repetitivos, de forma que subam menos processos. Além disso, a procuradoria tem indicado temas que entende serem relevantes para o julgamento como repetitivo.

Há também sugestões para adoção de pautas temáticas e julgamento virtual de agravos internos e embargos de declaração – recursos sem discussão de mérito. “Não tem porque ‘sujar’ a pauta com esses processos”, afirma Seefelder Filho.

A procuradoria também pediu o julgamento de temas tributários no STF. De acordo com Seefelder, foram julgados temas importantes até o primeiro semestre de 2017, mas a crise política afastou os temas tributários da pauta no segundo semestre. “Esperamos que isso retorne (em 2018) e que o ministro Dias Toffoli também retome a pauta tributária quando assumir a presidência da Corte”, diz.

“Um tribunal superior pode segurar durante um tempo um processo para apreciar num momento mais oportuno, de mais calma”, afirma Felipe Dutra, professor de planejamento tributário do Ibmec No caso do ICMS, por exemplo, Dutra acredita que o STF pode esperar o Congresso alterar a lei sobre PIS e Cofins para julgar a modulação de efeitos. “Nossos tribunais superiores são tribunais políticos, além da legalidade eles entendem que precisam apreciar a estabilidade do país, é o que chamamos de ponderaderação de valores”, afirma.