Por Francisco Góes – Valor Econômico

País de contrastes, o Brasil tem em 2018 a oportunidade de adotar medidas para melhorar, no futuro, os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, uma das áreas mais atrasadas da infraestrutura brasileira. Embora esteja entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil ocupa apenas a 112ª posição entre 200 países em um ranking do saneamento, com base em dados de 2011.

Para reduzir o abismo entre a riqueza gerada na economia e a qualidade na prestação de serviços de saneamento básico, o país vai precisar investir mais e contar nesse esforço com a participação de companhias públicas e privadas. “O saneamento precisa de um choque de realidade pois é ineficiente em todas as esferas”, diz Guilherme Albuquerque, chefe do departamento responsável por saneamento na área de desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em 2016, o banco tomou a iniciativa de convidar os Estados para fazer diagnósticos da situação do saneamento básico, e propor modelos de negócios que envolvam participação privada. O setor privado é considerado pelo banco como parte da solução no saneamento. Essa visão é reforçada pelo cenário de restrição fiscal pelo qual passa o país, que limita a capacidade de investimento de União, Estados e municípios. Não se trata de privatização pois caberá a cada Estado definir o modelo que considera mais apropriado.

Estados estudam parcerias e lei do setor será revista

O BNDES considera que esse programa pode trazer avanços para o saneamento em Estados e municípios onde a prestação do serviço deixa a desejar. O caso do Rio, onde o banco também foi contratado para fazer a modelagem da Cedae, a companhia estadual de água e esgoto, é diferente, pois se insere na busca de solução para a crise fiscal do Estado.

Inicialmente, 18 Estados manifestaram interesse no programa do BNDES, mas no fim só sete contrataram o banco para fazer modelagens de negócios para o saneamento. São eles: Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Pará, Pernambuco e Sergipe.

Roraima também poderá aderir. Pelo acordo, o banco seleciona consultores que fazem os estudos. Uma vez prontos, os trabalhos são apresentados aos Estados que definem o que fazer. Pode haver decisão por parceria público-privada ou por subconcessão de serviços, por exemplo. É possível que dentre os sete Estados que fecharam acordos com o BNDES alguns publiquem editais prevendo algum tipo de parceria com o setor privado no segundo trimestre de 2018.

Não se pode descartar, porém, que os Estados adiem decisões sobre o tema, tendo em vista as eleições deste ano. Discutir concessão de serviço público em ano eleitoral tem custo político que nem sempre os candidatos estão dispostos a enfrentar.

Roberto Tavares, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), vê a eleição como uma oportunidade para o setor. “Permitirá discutir quando o saneamento será uma prioridade no país, inclusive pela sua ligação com a saúde pública.” Existe uma correlação direta entre saneamento e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Do total da população brasileira, 83,3% recebem água tratada e 50,3% têm acesso a coleta de esgoto, segundo dados de 2015. Mas a questão é que o atendimento às pessoas muitas vezes é precário e desigual, dependendo da região do país.

Tavares diz que existe um movimento para se mexer com o marco regulatório do setor. Em 1971, foi feito um grande arranjo institucional para organizar o segmento por meio do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), criado com o objetivo de eliminar o déficit na prestação de serviços de abastecimento de água e esgoto no país. Em 2007, foi editada a Lei do Saneamento (11.445), agora sob revisão na Casa Civil da Presidência da República. Existe a expectativa de que a revisão crie condições para aumentar os investimentos que têm ficado abaixo do previsto.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2013, permitiu ampliar os investimentos no setor, mas abaixo do planejado para conseguir universalizar os serviços em 2033. Para atingir essa meta, era preciso investir, em média, R$ 18,9 bilhões por ano, mas os números sempre ficaram abaixo desse valor. O Ministério das Cidades diz que os investimentos no Plansab foram previstos para ir crescendo de forma gradual, e seriam menores nos primeiros anos. Do investimento total realizado, 46% se concentraram em quatro companhias estaduais (Sabesp, Copasa, Sanepar e Embasa). Os investimentos representaram, em média, 0,2% do PIB por ano.

Tavares, da Aesbe, admite que o saneamento no Brasil tem um arranjo complexo, no qual a União tem o dinheiro, os Estados operam e os municípios são os donos do negócio. Pela Constituição de 1988, a titularidade dos serviços de saneamento pertence aos municípios, que podem prestá-los diretamente ou concedê-los a empresas do setor público e privado.

Dos serviços de água e esgoto, 70% são prestados por companhias estaduais, 25% pelos próprios municípios e 5% por companhias privadas. “Para atender a universalização, vamos precisar de empresas estaduais, municipais e privadas”, diz Laura Mattos, chefe do departamento da área de saneamento e transporte do BNDES.

Na revisão do marco do saneamento, previsto para este ano, existe um embate entre as empresas privadas, que querem ganhar mais espaço, e as companhias estaduais, que não desejam perder seus mercados. Uma minuta de medida provisória que circula no setor causou polêmica.

O artigo 10-A da proposta prevê que o município que queira fazer uma renovação de contrato de programa com a companhia estadual de saneamento precisa fazer um chamamento público e, se aparecer um interessado, será preciso licitar o serviço. Hoje, a licitação é dispensada nos convênios entre Estados e municípios no setor, enquanto as companhias privadas têm de enfrentar licitações.

“Uma de nossas bandeiras é a isonomia competitiva”, diz Alexandre Enops, vice-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). O artigo 10-A é criticado pela Aesbe por entender que os privados se interessariam só pelos sistemas mais rentáveis. Frente à polêmica, o governo recuou e o tema deve voltar à pauta logo no começo deste ano.

Francisco Góes é repórter. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Cristiano Romero