OPINIÃO

Por Virginia Sodré – Valor Econômico

23/11/2018 – 05:00

O Brasil é reconhecido como uma das maiores reservas de água doce do mundo, inclusive transformando recursos hídricos em motor energético por meio das usinas hidrelétricas. Contudo, apesar da grande disponibilidade de água, algumas regiões enfrentam escassez, principalmente pela distribuição demográfica da população brasileira. A maior parte da água potável do Brasil, 68,5%, está concentrada na região Norte, onde vive somente 6,9% da população, enquanto no Sudeste, 42,65% da população vive com apenas 6% da água doce, sendo esta também a região com maior concentração industrial, setor que depende também dos recursos hídricos para se desenvolver.

O país está longe de seguir um planejamento efetivo que resulte na gestão eficiente dos seus recursos hídricos e há um déficit enorme no saneamento, com 35 milhões de pessoas sem acesso a água potável e 100 milhões sem acesso a redes de esgoto. Além disso, tratamos menos de 50% do esgoto gerado, resultando na poluição dos corpos d’água e na consequente redução da disponibilidade hídrica. Há também o desperdício oriundo das perdas no sistema de distribuição: perdeu-se 38% da água potável em 2016, segundo dados divulgados recentemente pelo Instituto Trata Brasil. Isto representa uma perda de receita de aproximadamente R$ 10,5 bilhões, o equivalente a 92% do valor de R$ 11,5 bilhões investido por todo o setor de saneamento básico no mesmo período. A água perdida é a maior registrada desde 2012 pelo instituto, e seria suficiente para encher quase sete mil piscinas olímpicas diariamente.

Mesmo diante destes dados tão preocupantes, o IBGE aponta que um quarto dos municípios brasileiros não possui e nem está desenvolvendo uma política pública ou plano estruturado para gestão dos sistemas de saneamento básico. No geral, a infraestrutura de saneamento básico brasileira tem contado apenas com a utilização das fontes naturais de água potável, que, infelizmente, não serão capazes de comportar a crescente demanda das regiões mais adensadas e desenvolvidas do Brasil.

A boa notícia é que o BNDES anunciou recentemente que ampliará de 80% para 95% o limite de financiamento disponibilizado a projetos de saneamento, medida que busca dobrar o volume de investimentos privados na área. Basta saber, entretanto, se também haverá uma redução no prazo de liberação destes recursos, que hoje gira em torno de 2 anos, espera que muitas vezes inviabiliza a sua tomada.

Voltando ao déficit de saneamento no Brasil, a solução passa pela adoção de medidas integradas que permitam o planejamento da gestão da água das cidades a nível macro, com a gestão e preservação das bacias hidrográficas; meso, por meio da implantação da infraestrutura adequada que reduza a poluição e o desperdício; e micro, que engloba, por exemplo, mudanças culturais que resultem em menor consumo de água e edificações projetadas para promover maior eficiência hídrica.

Irrigação agrícola e a pecuária consomem 70% da água usada e praticamente não pagam por isso Fala-se muito na gestão da água no nível urbano, porém este é um setor que consome, segundo dados da ANA divulgados no Fórum Mundial da Água no Brasil, menos que 23% dos recursos hídricos. Dois outros setores altamente intensivos no uso de recursos hídricos, a irrigação agrícola e a pecuária, respondem por quase 70% de todo o consumo de água do país praticamente não pagam por isso. Estes setores poderiam ser atendidos por água de reúso que, por meio de tecnologias avançadas e subsídios financeiros, têm se mostrado uma alternativa viável técnica e economicamente em diversos países.

Isso transformaria um então passivo ambiental em um interessante produto que atenderia a irrigação e a indústria, setor que também apresenta grande demanda por recursos hídricos, os quais nem sempre precisam ser água potável.

A dessalinização da água do mar pode ser uma alternativa interessante para a diversificação da matriz e para a segurança hídrica no Brasil, principalmente em algumas regiões litorâneas onde já há um grande adensamento e uma baixa disponibilidade de água. Com mais de 8 mil km de costas banhadas pelo Oceano Atlântico, o Brasil tem tudo para se beneficiar da tecnologia de osmose reversa, que faz com que as usinas de dessalinização retirem a salinidade e impurezas da água do mar e salobra e a transformem em apta para o consumo.

Esta solução já está sendo utilizada em larga escala em países como a Austrália e a Espanha com bastante sucesso e, devido a fatores como o custo da energia e inovações tecnológicas, está se tornando cada vez mais competitiva financeiramente, viabilizando sua adoção por exemplo por indústrias e complexos portuários que enxergam na dessalinização uma oportunidade de autonomia hídrica e desenvolvimento sustentável.

Um movimento que promete grandes benefícios ao setor é a MP 844/18, que trará uma maior regulação e centralização da gestão dos recursos hídricos no Brasil, ampliando a atuação da ANA (Agência Nacional de Águas). O resultado esperado é a adoção de uma regulação a nível federal, com diretrizes a serem seguidas pelas agências reguladoras municipais ou estaduais, trazendo mais segurança para os investimentos no setor de saneamento e benefícios como um todo para a gestão da água no Brasil.

A implantação de soluções que supram a falta de infraestrutura no setor de saneamento é urgente. Precisamos reduzir as perdas de água e investir no tratamento e no eventual reúso planejado dos esgotos sanitários, além de adotar de alternativas como a dessalinização. Tais medidas, desde que bem planejadas e integradas, podem trazer, além da segurança hídrica para as cidades, inúmeros benefícios a outros setores como o agrícola e o industrial, que concorrem com o consumo urbano da água e não podem se dar ao luxo de enfrentar a falta deste recurso principalmente em tempos de promessa de retomada da curva do crescimento do PIB.

Virginia Sodré é diretora de Desenvolvimento de Negócios da Acciona Agua no Brasil.