Por Marina Falcão – Valor Econômico

09/03/2018 – 05:00

Um ano após o desembarque das águas da transposição do rio São Francisco no sertão da Paraíba, pequenas plantações começam a se destacar no meio da vegetação do Semiárido, castigada por sete anos de estiagem. Mas a chegada das águas veio acompanhada também da valorização fundiária provocada pelo crescente interesse de empresas pelas terras ribeirinhas.

Partindo do Recife, o Valor cruzou a divisa entre os Estados de Pernambuco e Paraíba com destino a Monteiro, Camalaú e Caraúbas, 3 dos 32 municípios que já estão recebendo água do “Velho Chico”. Nessas cidades, o rio Paraíba, que dependia exclusivamente das chuvas escassas da região, voltou à vida em março do ano passado, com a conclusão do Eixo Leste da transposição. Considerando os trajetos de ida e volta, foram 900 quilômetros de estrada.

Nascida e criada na área rural do município de Monteiro, Maria Laurinete Simplício, 65 anos, esperou a vida inteira pelas águas do São Francisco, um projeto que desde o imperador dom Pedro II era visto como única solução para a seca do Nordeste. “Minha mãe morreu com 80 anos falando dessa água”, conta.

Laurinete já tinha perdido a esperança, quando o São Francisco encheu o Paraíba. Agora, trabalha dia e noite numa pequena plantação de feijão e batata para consumo próprio e do marido, que sofre de mal de Parkinson. “Tenho o aposento meu e do meu marido, mas gosto de trabalhar desde criança. Eu sou assim”, diz, em referência à aposentadoria. “Agora isso aqui está uma maravilha para quem é jovem e tem coragem.”

Para o pequeno agricultor, que perdeu quase tudo na estiagem, a cooperação pode ser uma saída para voltar a produzir. Roberto Souza, 48 anos, reuniu sete irmãos e primos, juntou R$ 7 mil, arrumou cem canos emprestados e montou um sistema da irrigação por gotejamento em um sítio a um quilômetro do rio Paraíba, em Camalaú, cidade de 7 mil habitantes.

Hoje, a família está cultivando milho, palma e feijão. “A gente puxa a água do rio com os canos. Antes, a gente dependia só da chuva para plantar. E a chuva aqui nunca é muita”, afirma o agricultor.

Apenas as áreas nas proximidades do leito dos rios estão autorizadas a usar água para agricultura, uma vez que a prioridade da transposição é o abastecimento humano e animal. Cada agricultor só pode plantar meio hectare irrigado, regra que tem sido fiscalizada pela Agência Nacional de Águas (ANA), com uso de imagens de satélite, e pela Agência Executiva de Gestão de Água do Estado da Paraíba (Aesa), por meio de drones.

Antes da chegada das águas, as quatro pessoas da família de Ivanildo Silva, de 22 anos, estavam sobrevivendo apenas com a pensão de R$ 600 da mãe. De dois meses para cá, Silva se orgulha da pequena plantação de pimentão ao lado da casa em que mora e do “dinheirinho” que consegue ao vender o produto para feirantes da Campina Grande. “O que a gente não vende, a gente come ou dá para os bichos”, conta, mostrando um crânio de boi colocado na cerca da plantação “para proteger de mau olhado” dos vizinhos.

Para conseguir plantar, comprar seis bezerros e pagar dívidas bancárias, a família de Silva recentemente vendeu 1,5 hectare de terra na margem do rio Paraíba por R$ 19 mil. Dois anos atrás, a família tentou vender o mesmo terreno por R$ 5 mil e não conseguiu encontrar ninguém disposto a pagar.

O caso da família Silva ilustra o crescente interesse nas terras beneficiadas pelo São Francisco. Há quem aposte, inclusive, que é apenas questão de tempo até o agronegócio se espalhar pela região. É o caso do pesquisador e vice-prefeito do município de Camalaú, Ezequiel Sóstenes Bezerra (PV), que conta que a prefeitura da cidade foi procurada, há algumas semanas, por uma empresa de Santa Catarina disposta a pagar “qualquer valor” por áreas às margens do Paraíba.

“Sabemos a influência que poder econômico tem sobre o político, isso pode ser uma ameaça à sustentabilidade do projeto”, diz. “Hoje em dia, temos condições melhores para empresas, como internet, estradas e mão de obra barata. Só faltava a água”, diz o vice-prefeito. Por conta própria, Bezerra faz um trabalho de pesquisa com 30 jovens sobre preservação das matas ciliares.

Martinho Almeida, técnico da Secretaria de Agricultura de Monteiro, diz que alguns pequenos produtores estão sendo procurados por empresas do ramo têxtil de Santa Cruz do Capibaribe (PE), município a 130 quilômetros dali e que compõe o maior polo de fabricação de jeans do país. “Essas empresas precisam de áreas com bastante água perto para fazer a lavagem do jeans, um processo que pode ser bastante poluente para os rios”, afirma Almeida.

A poluição das águas do Paraíba com produtos químicos seria trágica para a população que voltou a pescar no rio após seis anos de seca. Por enquanto, os peixes encontrados nas proximidades do município de Caraúbas são pequenos, mas Lindomac Oliveira, 43 anos, tem planos mais ambiciosos. Acompanhando de um grupo de amigos, ele começou a retirar alguns peixes do Paraíba para jogar os animais vivos nos açudes. A ideia é construir pequenas criações de peixe para alimentar a família, cuja renda principal vem do programa Bolsa Família.