Por Helder Rebouças – Valor Econômico

Títulos verdes (green bonds) são papéis de dívida para financiar projetos de desenvolvimento sustentável ou de adaptação às mudanças climáticas, em áreas como energias renováveis, controle de poluição, transporte limpo, agropecuária de baixo carbono, conservação florestal e gestão de recursos hídricos.

As emissões globais desses papéis totalizam cerca de US$ 900 bilhões, destinados, sobretudo, a projetos de transportes (61%) e energia (19%). No Brasil, as emissões de títulos verdes são de US$ 3,7 bilhões, com destaque para projetos de energia (42%), agricultura e florestas (24%) e água (13%). Da comparação entre os números, logo se vê o espaço de crescimento do mercado de títulos verdes no Brasil.

Por isso mesmo, em agosto de 2017, o Laboratório de Inovação Financeira, projeto conjunto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), instituiu grupo de trabalho para desenvolver mecanismos regulatórios que estimulem a emissão de títulos verdes.

Já temos um conjunto normativo que permite ampliar a institucionalização dos títulos verdes no Brasil No plano dos incentivos, lembramos os benefícios tributários das debêntures para projetos de infraestrutura e pesquisa considerados prioritários, conforme a Lei nº 12.431, de 2011. Essas prioridades são indicadas no Decreto nº 8.874, de 2016, e cobrem investimentos em logística e transporte, mobilidade urbana, energia, telecomunicações, saneamento básico e irrigação, sob modelos de concessão, permissão, arrendamento, autorização ou parceria público-privada, integrantes do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI).

A nosso ver, e como forma de estender o benefício tributário da lei aos títulos verdes, o citado Decreto nº 8.874 poderia explicitar, dentre os investimentos prioritários, aqueles de desenvolvimento sustentável e de adaptação a mudanças climáticas.

Esses incentivos também são discutidos no Legislativo. Veja-se, por exemplo, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 284, de 2014, que está pronto para votação na Comissão de Meio Ambiente e estende o benefício das debêntures de infraestrutura a projetos de desenvolvimento sustentável. Embora tenhamos apontado solução infralegal em favor dos títulos verdes, a discussão na arena política tende a democratizar os possíveis encaminhamentos.

Em 2017, foi editado o Decreto nº 9.244, para instituir a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto, que são empreendimentos com impacto socioambiental e resultado financeiro positivo de forma sustentável. Dentre os objetivos, tem-se a “promoção de um ambiente institucional e normativo favorável aos investimentos e aos negócios de impacto, por meio da proposição de atos normativos referentes ao assunto”. Eis aí mais um vetor de estímulo à adequada regulação dos green bonds.

Além da participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), recursos dos fundos constitucionais de desenvolvimento (FNE, FCO e FNO) poderiam alavancar operações com títulos verdes, tendo em vista que a Lei nº 7.827, de 1989, que rege esses fundos, inclui a preservação do meio ambiente como uma das diretrizes da aplicação dos seus recursos. Ao incrementar o volume de operações, essas instituições melhorariam a reputação dos green bonds.

A regulação do Conselho Monetário Nacional é também fundamental para o desenvolvimento do mercado de títulos verdes, a exemplo do que ocorreu em 2016, quando o órgão editou a Resolução nº 4.476 para flexibilizar a liquidação antecipada das debêntures de infraestrutura, em favor da atratividade do papel.

No curto prazo, há ainda a oportunidade legislativa de incluir os títulos verdes nos investimentos em saneamento básico, diante da provável revisão da Lei nº 11.445, de 2007, principal marco do setor. Considerando o cenário fiscal delicado, a medida contribuiria para diversificar as fontes privadas de aplicação nas políticas de saneamento, que demandariam cerca de US$ 130 bilhões, até 2030.

Pelo visto, já temos um conjunto normativo que permite ampliar a institucionalização dos títulos verdes no Brasil. O desenho de mecanismos regulatórios eficientes é que, de fato, promoverá o desenvolvimento dos respectivos mercados primário e secundário e, consequentemente, o aporte para investimentos limpos no país.

Helder Rebouças é doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Comissão de Direito, Transportes e Logística da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Distrito Federal Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações