Por Fernanda Pires e Estevão Taiar – Valor Econômico

28/11/2018 – 05:00

A retomada da infraestrutura passa necessariamente pela revisão do teto de gastos públicos, regra que impede a ampliação dos investimentos além da variação da inflação de um ano para o outro, disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. “O Estado perdeu a capacidade de investimento. Enquanto tiver a PEC do teto de gastos, você terá um problema sério”, disse ontem no fórum de infraestrutura “E agora, Brasil?”, promovido pelo Valor e pelo jornal “O Globo” na M&T Expo, feira de máquinas e equipamentos que ocorreu em São Paulo.

O limitador dos investimentos é especialmente ruim diante das necessidades superlativas do Brasil para fechar o fosso que separa o país do século XXI. Segundo Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, o Estado precisa investir 4% do PIB por 20 anos para modernizar a infraestrutura básica. Segundo ele, não está incluída nesse cálculo a infraestrutura de fronteira, “que custaria muito mais, de 8% a 9% do PIB por 15 a 20 anos”. Neste ano o Brasil deve encerrar com um percentual bem menor do PIB investido: 1,7%. A previsão para 2019 é de 1,6%.

“O novo governo tem ambições muito maiores. Se ele conseguir chegar ao fim do mandato em 4% do PIB, já será um esforço colossal e tem de fazer tudo certo”, disse Frischtak.

O estoque de infraestrutura do Brasil caiu nos últimos 30 anos, segundo dados apresentados pelo consultor. Nos anos 80, era de quase 60% do PIB, considerado ideal. Em 2017, foi de 36%. Os maiores hiatos são nas áreas de saneamento e transportes. “Era outra época, em que o Estado comandava, planejava e investia. Essa época passou, teve leve retomada no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e foi um desastre. A execução pelos entes públicos infelizmente é falha por uma série de circunstâncias, e acho que vamos ter de mudar esse modelo. O problema não é só investir mais, mas investir melhor”, disse Frischtak.

A melhora da infraestrutura depende de um receituário de medidas amplamente conhecidas, disse. Envolve planejamento de longo prazo do Estado, e não de governo; aumento do investimento privado; segurança jurídica; reforma e autonomia das agências reguladoras; melhora da regulação existente; financiamento; privatização das estatais; melhor utilização do BNDES, cujos presidentes não têm mandato, e do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) – no qual há mandato, mas falta pessoal. Mas não só.

Uma das principais críticas da iniciativa privada é o papel atualmente desempenhado pelos órgãos de controle. “O Tribunal de Contas está se tornando um grande gestor, está gerindo junto com a gente”, afirmou Murillo Barbosa, presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP). A associação representa os TUPs, terminais instalados em área própria, que ficam fora dos portos públicos. Não são, portanto, concessionários de ativos da União. Segundo Barbosa, contudo, as regras definidas pelo TCU para que a agência reguladora de transportes aquaviários (Antaq) aplique aos terminais arrendatários de áreas públicas respingam nos TUPs.

No caso da construção pesada, diz Martins, o órgão de controle “tem de resolver preço, prazo e qualidade. Hoje, está sem responsabilidade da entrega porque o trabalho está focado no meio, e não no fim”.

Martins defendeu ainda a mudança do modelo de contratação de construtoras pesadas, sob pena de acontecer novamente um processo de cartelização desvendado pela Lava-Jato. “O modelo foi feito para poucas. Se for mantido, só mudarão os atores e talvez voltemos a ter o mesmo problema, que é a concentração do mercado”, disse. Martins questionou a razão de o governo licitar lotes de rodovias extensos, com mais de mil quilômetros, que poucas empresas conseguem atender, em vez de fatiá-los.

Um cenário criticado pela Cbic seria o governo abrir de forma indiscriminada o setor para estrangeiros. “Não dá para vir alguém de fora financiar, trazer o capital e seu fornecedor a tiracolo. Não dá para sermos novamente colonizados, tem de vir aqui em igualdade de condições.”

Martins se reunirá amanhã com o vice-presidente eleito da República, general Hamilton Mourão, para expressar apreensão com os planos do novo governo para o setor. “Temos uma preocupação muito grande” com a falta de indicações mais claras sobre as ideias do governo eleito para o segmento, disse Martins, antes de saber da indicação de Tarcísio Freitas para o Ministério da Infraestrutura. Para ele, o governo não pode ficar preso à agenda do ajuste fiscal.

O diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, defendeu que Bolsonaro mantenha a atual política para o setor. Paes destacou principalmente a necessidade de dar continuidade a projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), mencionando os leilões da Ferrovia Norte-Sul e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste.

A grave crise fiscal, no entanto, não deixa alternativa que não seja justamente a manutenção do modelo de parcerias com a iniciativa privada, de acordo com o executivo. “Não existe outra solução. Os investimentos do setor ferroviário estão decaindo porque estamos na última perna dos contratos. Se não houver renovação das concessões atuais, extensões de prazo, esses investimentos não vão acontecer.”

Também o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Jorge Bastos, defendeu as prorrogações antecipadas das concessões ferroviárias para deslanchar investimentos em vez de esperar o fim do contrato para relicitar o ativo. “Não dá para ficar esperando oito anos”, disse, numa referência à data-limite de algumas concessões. Bastos mostrou preocupação com uma eventual extinção da empresa durante o mandato de Bolsonaro. “A EPL é muito mais do que a empresa do trem de alta velocidade, ela é fundamental para o desenvolvimento do país”, disse, citando o projeto mais famoso da companhia.