Por Murillo Camarotto e Ribamar Oliveira – Valor Econômico

O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu instaurar uma auditoria específica sobre a autorização concedida pelo Banco Central ao Banco da Amazônia (Basa), em janeiro 2015, para que a instituição financeira estatal efetuasse o registro de R$ 982,1 milhões no nível I de seu patrimônio de referência, na qualidade de capital principal. A investigação, aberta no dia 7 de julho deste ano, poderá resultar em denúncia contra o BC por crime contra o sistema financeiro, se o tribunal concluir que houve irregularidade.

As supostas irregularidades dessa operação do Basa foram identificadas pela primeira vez pelos auditores do TCU durante análise das contas do governo de 2015. Os ministros do TCU decidiram, no entanto, que ela seria incluída na investigação de todas as emissões diretas de títulos feitas pelo Tesouro e destinadas aos bancos estatais federais. Agora, o tribunal decidiu desmembrá-la em uma investigação específica. O processo tem o número 019.349/2017-3.

A acusação dos auditores do TCU é que o BC descumpriu as regras da resolução 4.192/2013, do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre a metodologia para apuração do Patrimônio de Referência (PR). A resolução estabelece que as instituições financeiras só podem integralizar o seu capital principal em espécie.

Os auditores afirmam que o aumento foi realizado a partir da emissão direta de títulos por parte do Tesouro. Com base nesses títulos, o Basa realizou operações compromissadas com duas instituições financeiras privadas, com prazo de apenas um dia de duração. Em seguida, o banco estatal encaminhou ao BC pedido de enquadramento de capital principal, anexando comprovação da captação de recursos com operações compromissadas. Os auditores dizem que os títulos não foram vendidos, pois o Basa os manteve em carteira.

A segunda irregularidade do BC apontada pelos auditores foi que a autoridade monetária não atendeu à proibição da resolução 4192/2013 de que a compra do instrumento – a ser elegível a patrimônio de referência – emitido pela instituição financeira seja financiada, direta ou indiretamente, pela própria instituição emissora.

Segundo os auditores, a inobservância ocorreu porque, em vez de receber recursos em espécie da União como pagamento pela aquisição do instrumento por ele emitido, o Basa aceitou receber um conjunto de compromissos financeiros assumidos/emitidos pelo Tesouro, consubstanciados em títulos públicos, o que caracterizaria o financiamento direto, pelo próprio banco à União, da aquisição do instrumento emitido.

No relatório das contas de 2015, os auditores dizem expressamente que “sabedor que a integralização do instrumento havia ocorrido em títulos – e não em espécie – o Basa pôs em prática sistemática que teve por objetivo fazer parecer que os títulos teriam sido monetizados – vendidos em mercado – e que, desse modo, teria ocorrido a chamada integralização em espécie, necessária à concessão de autorização pelo Bacen a que se refere o artigo 24 da resolução 4192/2013”.

Os auditores destacaram que “os títulos públicos que o Basa havia recebido da União não foram vendidos em mercado, permanecendo de propriedade de referida instituição. Na realidade, a obtenção pelo Basa dos mais de R$ 982 milhões decorreu, isso sim, da emissão de novos outros passivos junto às instituições financeiras, por intermédio da realização das chamadas operações compromissadas, cujo prazo de vencimento foi de apenas um dia. Ou seja, os R$ 982 milhões foram angariados não com a venda dos títulos públicos, mas com a emissão de novos passivos junto ao sistema financeiro”.

A auditoria está sendo realizada pela Secex Fazenda, órgão do TCU, que deverá ouvir o BC. O relatório final será encaminhado ao relator do caso, ministro Aroldo Cedraz. Com base no parecer dos auditores, o relator prepara o seu voto e o submete ao plenário de ministros. Ainda não há prazo para a conclusão da auditoria.

Consultado pelo Valor, o Banco Central preferiu não se manifestar sobre o processo. Por meio de sua assessoria de imprensa, o BC informou que “não comenta casos de instituições específicas”.