Por Murillo Camarotto, Fabio Graner e Raphael Di Cunto – Valor Econômico

Sob protestos, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou o governo a abrir, via MP, crédito extraordinário de R$ 750 milhões ao Rio Grande do Norte. O Estado alega estar em grave crise financeira, com três meses de atraso na folha de pagamento, colapso na saúde e várias categorias de servidores em greve. A liberação foi criticada por especialistas, que veem um precedente perigoso caso os recursos sejam usados para pagamento de pessoal, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Outra polêmica é que aprovação do crédito para o Estado, que é base política do senador Agripino Maia (DEM), chegou a ser apontada como parte da negociação com os governos regionais para aprovação da reforma da Previdência. No entanto, interlocutores do governo local se defendem dizendo que o senador não é aliado do atual governador, Robinson Faria (PSD) e que seu filho, Fábio Faria, já vota pela reforma.

Os ministros do TCU reclamaram da atitude do governo, que na visão deles fez uma consulta prévia ao tribunal para “legitimar” o uso desses recursos para pagamento da folha. Ao encaminhar o pedido, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira foi sucinto: “Consulta acerca da possibilidade de abertura de crédito extraordinário para transferência de recursos a entes federativos, em caso de grave crise financeira”.

Relator do caso, o ministro Vital do Rêgo se disse constrangido com o pedido, considerado genérico pelo plenário. Propôs aos colegas resposta também genérica: a Constituição admite o crédito extraordinário, mas o tribunal não se responsabiliza pelo destino dos recursos.

“O que o governo quer, na verdade, é que a gente diga não”, ironizou o ministro José Múcio, sinalizando que o Planejamento preferiu “se escorar” no TCU, seja para fazer ou rejeitar a operação. De fato, a preocupação do governo foi ter respaldo por acreditar que o Estado usará o dinheiro para pagar pessoal.

O tribunal já havia analisado casos semelhantes, em liberação de recursos para o Rio e para evitar colapso no serviço de carros-pipa bancado pelo Ministério da Integração Nacional. Dessa vez, a necessidade do recurso não foi explicitada, embora o objetivo seja conhecido.

O deputado Faria diz que a crise do Estado é a pior do país. O governo local entrou com pedido de recuperação fiscal e já estaria tomando medidas exigidas pelo Tesouro, como o reajuste de 11% para 14% na alíquota previdenciária. O grande problema, ressalta, é o déficit previdenciário. Para cada servidor da ativa há um aposentado. Segundo o secretário de Planejamento e Finanças do Estado, Gustavo Nogueira, houve crescimento “explosivo”, de 75% entre 2015 e 2017.

Os ministros do TCU ajudaram a completar a lista de mazelas do Estado, mas argumentam que vários outros vivem situação semelhante ou pior, e que a brecha pode inaugurar uma fila de governadores pedintes. Por esse motivo, o relator e mais três ministros do TCU decidiram consignar em seus votos a proibição de que os recursos sejam usados em gastos com pessoal. A observação, porém, não consta do acórdão da decisão proferida no plenário.

Se os recursos forem usados para pagar folha, diz Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman, abre-se a porta para a irresponsabilidade fiscal. A reforma previdenciária é importante, avalia, mas esse tipo de concessão pode levar a uma expansão irresponsável de gastos em ano eleitoral.

Nogueira admitiu que, apesar do pedido ao Tesouro para aderir ao regime de recuperação, o Estado está próximo (mas não cumpre) apenas de uma das três exigências para habilitação: o nível de 70% de gasto com pessoal e juros. Segundo ele, o requerimento tem por objetivo deixar o Estado na fila do socorro, antecipando processos burocráticos, já que a “situação fiscal se agrava”.

No caso do Estado, que é bem avaliado na nova metodologia de risco do Tesouro, o “problema” é que a dívida é baixa, impedindo o socorro. Nogueira reclama que os Estados que não fizeram o ajuste são mais beneficiados do que os que fizeram esforço e reduziram dívida.