Por Alex Ribeiro – Valor Econômico

05/03/2018 – 05:00

Os bancos públicos estão longe do tamanho que tinham antes de crescerem na esteira da crise financeira internacional de 2008, mas especialistas debatem se o ajuste não foi excessivo e se vai faltar dinheiro para o financiamento de infraestrutura.

O BNDES está fazendo seu ajuste com a redução dos desembolsos de empréstimos, que em 2017 somaram R$ 71 bilhões, cifra que equivale a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). É um percentual baixo, em termos históricos. Os desembolsos de 2017 foram menores não apenas que os volumes contratados quando o banco colocou o pé no acelerador (chegaram ao pico de 4,3% do PIB em 2010). Ficaram menores do que os valores anteriores. Em 2006, somaram 2,1% do PIB.

“Por certo, o BNDES tinha que ficar menor do que era antes da crise”, diz o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). “Porém, se você for ver os dados de desembolso direto, em proporção do PIB, o BNDES fechou 2017 igual ao que era em 1997. É pouco para um país que quer se desenvolver.”

Discute-se, ainda, se o BNDES deveria fazer pagamentos antecipados ao Tesouro, reduzindo sua carteira a 6% do PIB. Um estudo conjunto de Afonso, Denise Andrade Rodrigues e Sílvia Maria Paiva mostra que o BNDES não é tão grande, quando comparado com instituições semelhantes no resto do mundo. Seus ativos totais equivaliam a 13,3% do PIB em 2015, abaixo da italiana Cassa Depositi e Prestiti (24,3% do PIB), do coreano Korea Development Bank (18,6%), do alemão KfW (16,6%) e do chinês China Development Bank (16,1%).

Um argumento a favor do encolhimento do BNDES é que ele cresceu com políticas anticíclicas, que devem ser removidas. O banco de fomento está diminuindo sua carteira de crédito, em boa medida, devido ao vencimento das operações do PSI, cujos desembolsos chegaram a um pico de 1,75% do PIB em alguns anos. A contrapartida à redução do BNDES é o pagamento antecipado dos empréstimos tomados junto ao Tesouro. Em 2016, foram R$ 100 bilhões; em 2017, mais R$ 50 bilhões; e, para 2018, está programada uma devolução de R$ 130 bilhões. Nessas operações, o governo está, em grande medida, retirando o estímulo anticíclico injetado na crise mundial de 2008 e perpetuado nos anos seguintes. O PSI movimentou R$ 357 bilhões, e os pagamentos antecipados ao BNDES devem chegar a R$ 280 bilhões.

Para 2018, a o orçamento prevê aumento dos desembolsos para R$ 90 bilhões, algo como 1,3% do PIB projetado para o ano. “Não acredito que vá faltar dinheiro, pois esse tamanho acomoda as necessidades de investimento de longo prazo nos próximos anos”, diz o diretor de crédito e planejamento do BNDES, Carlos Alexandre Jorge da Costa. O banco está desenhando sua nova estratégia, em que atuará de forma complementar ao mercado privado. O diagnóstico é que o BNDES, sozinho, não teria condições de prover as necessidades de investimento do país, que apenas em infraestrutura chegariam a 5% do PIB; e que, por outro lado, o mercado privado não está desenvolvido o suficiente para operar sozinho.

“Hoje, o mercado de capital já tem condições de financiar linhas de transmissão de energia elétrica regionais, com prazo de até cinco anos”, exemplifica Costa. “Mas, sem a geração de energia não tem transmissão. E a geração é um projeto de longo prazo.” Por isso, o foco será em operações com prazo de 10 anos a 15 anos. No seu plano estratégico, o banco está privilegiando os setores de infraestrutura, modernização da estrutura produtiva das empresas e capital humano.

A Caixa diminuiu, em 2017, em pelo menos R$ 10 bilhões a carteira de financiamentos a grande empresas, com a quitação de dívidas de empresas como Petrobras e JBS. Isso desmobilizou capital para executar o orçamento do FGTS. Mas, na visão da direção do banco, essa estratégia tem limites, porque poderá erodir os lucros e a base de capital. O banco busca um equilíbrio entre operações comerciais, que são mais rentáveis, e políticas públicas, com margens menores. Os estudos internos mostram que a carteira de crédito, de R$ 711 bilhões, não pode cair abaixo de R$ 670 bilhões.

O Banco do Brasil, depois da queda da carteira em 2017, planeja crescer mais ou menos em linha com os concorrentes, mantendo sua participação no mercado. O presidente do BB, Paulo Rogério Caffarelli, diz que não há intenção de reduzir o “market share” em financiamentos agrícolas, que estava em 60% em dezembro. “Seguiremos com o foco no agronegócio”, diz Caffarelli. “Uma boa parte dos produtores rurais são clientes nossos do ‘private banking’, trazem outros negócios.”

A discussão que precede o tamanho ideal dos bancos públicos é o papel que essas instituições devem desempenhar daqui para frente. Especialistas ouvidos pelo Valor não têm grandes discordâncias sobre a necessidade de um banco de fomento que atue em segmentos em que o mercado privado não entra (caso do financiamento de longo prazo), em que o retorno social é maior do que o econômico (caso do saneamento básico), para juntar diferentes agentes que sem coordenação não se criariam novos negócios (os chamados “clusters”) e para reduzir desigualdades regionais.

As dúvidas são maiores, porém, sobre a necessidade de bancos comerciais para tocar o crédito imobiliário e rural. O consultor Ademiro Vian, um especialista em crédito rural que foi da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), defende uma reforma bancária para reduzir o poder de mercado do BB. “Os bancos privados gostariam de entrar mais no crédito rural, mas não conseguem competir, porque os subsídios orçamentários só vão para as instituições financeiras federais”, afirma. No exterior, a prática corrente não é o subsídios ao crédito agrícola. O sistema mais comum é que isso seja feito por meio do preço. A presença do Estado no crédito agrícola, afirma Vian, justifica-se basicamente para os pequenos produtores, responsáveis pelo abastecimento interno do país.

O ex-vice-presidente de habitação da Caixa Teotônio Rezende defende que o crédito direcionado com recursos da caderneta de poupança atenda apenas a baixa renda. “São recursos subsidiados, e não tem sentido dar subsídios para a alta renda”, afirma ele, referindo-se à isenção de Imposto de Renda na caderneta de poupança, que tem recursos direcionados para o crédito imobiliário. “Se acabar o direcionamento, o mercado vai achar a solução. Só não achou até agora porque tem o direcionamento.”

Mas ele pondera que, na baixa renda, é necessário manter subsídios, provavelmente canalizados por meio da Caixa. “Os bancos privados não entram no crédito imobiliário à baixa renda”, afirma. “A margem é pequena, e os riscos, elevados.”

Rezende defende a abertura de capital da Caixa, para aperfeiçoar seus mecanismos de governança.

Uma alternativa seria que o crédito a pequenos produtores rurais e habitacional para baixa renda seja feito pelo sistema privado, com subsídios previstos no Orçamento da União. Nesse caso, não precisaria de bancos públicos, pelo menos no formato atual.

Um ex-presidente do Banco do Brasil, que falou sob a condição de anonimato, acha que o fortalecimento dos mecanismos de governança tem efeitos apenas temporários – por isso ele propõe a privatização. “O BB já teve o seu momento de reconstrução, equivalente ao que está acontecendo na Petrobras agora”, disse, referindo-se à criação de comitês de crédito e outras salvaguardas adotadas a partir de 1996, quando o banco foi socorrido com uma capitalização de R$ 8 bilhões do Tesouro. “Mas as bases daquela reconstrução não resistiram ao desmonte. O melhor seria privatizar o BB.”

Outros defendem transformar os bancos em “corporações”, empresas com capital diluído em bolsa. Nesse caso, o governo teria uma “golden share” para manter as políticas públicas nas instituições. “Acho que transformar em corporação com governança pode ser uma solução”, diz o ex-BC Armínio Fraga. “Não tenho esperança no modelo que deixa o governo como acionista controlador.”