Por Fabio Murakawa, Vandson Lima e Camila Maia – Valor Econômico

17/10/2018 – 05:00

O plenário do Senado rejeitou ontem, por 34 votos a 18, o projeto de lei que viabilizar a operação das distribuidoras da Eletrobras. O resultado da votação coloca a estatal em uma situação complicada, com chances cada vez maiores de liquidação das operações da Amazonas Distribuidora – o que deve ter um custo de R$ 14 bilhões à elétrica, segundo estimativas mais recentes do BNDES.

Com um racha no MDB, partido do presidente Michel Temer, o Senado rejeitou os textos dos pareceres do líder interino do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e seu antecessor, Romero Jucá (MDB-RR), sem alterar o texto já aprovado na Câmara. O exministro de Minas e Energia Eduardo Braga (MDB-AM) foi um dos artífices da derrubada da medida. Ele alegou que ao menos R$ 9 bilhões de dívidas regulatórias pendentes da Amazonas Energia acabariam sendo convertidos pela empresa compradora em revisão tarifária.

O resultado, contudo, deve ser a liquidação da Amazonas Distribuidora, cenário que deixará os consumidores de energia do Estado sem uma concessionária. A distribuidora, de longe a mais deficitária entre as administradas pela Eletrobras, não teve a concessão renovada pela estatal em julho de 2016.

Na ocasião, a elétrica decidiu não renovar nenhuma das concessões de distribuição, mas aceitou continuar prestando o serviço de operação das empresas até que fossem privatizadas. Após adiamentos, os acionistas da estatal decidiram, em julho, que a venda deveria ocorrer até dezembro. Sem a aprovação do PL, a liquidação é cada vez mais provável.

“O fato agora é que existe o risco iminente da liquidação da Amazonas Energia”, disse Bezerra Coelho. O raciocínio dele se baseia em pareceres técnicos que dizem que o projeto melhorava as condições da concessão da empresa, que tem um endividamento da ordem de R$ 20 bilhões. Sem o ajuste, as chances de sucesso em um leilão são mínimas. Ou a empresa será liquidada ou o governo vai obrigar a Eletrobras a adiar novamente o prazo final para a privatização.

O Ministério do Planejamento informou que, sem a venda da Amazonas Energia e da Ceal (Alagoas) até o fim do ano, “o caminho natural é a dissolução das companhias e a licitação da concessão de forma separada”. “O custo de liquidação desta distribuidora [Amazonas], além de impactar o balanço da holding, prejudica o processo de recuperação empresarial”, afirmou.

Além dos custos da liquidação, relacionados às baixas contábeis de dívidas da concessionária com fornecedores, bancos, e demissão de funcionários, a Eletrobras pode ter outro prejuízo, devido a créditos e passivos das distribuidoras já privatizadas – Ceron (Rondônia), Cepisa (Piauí), Boa Vista (Roraima) e Eletroacre – da ordem de R$ 4,4 bilhões que foram assumidos pela holding. O problema é que os créditos, que são da mesma ordem que os passivos, dependiam do projeto de lei para serem concretizados. Agora, a Eletrobras pode amargar mais um prejuízo.

Segundo Bezerra, a rejeição do PL não afeta as quatro distribuidoras já vendidas. Já Braga disse que a rejeição dará oportunidade ao presidente eleito refazer o processo de privatização. Para ele, existe agora um fator de insegurança jurídica quanto às concessionárias licitadas.

Para técnicos, contudo, a não assinatura dos contratos estaria sujeita à execução de garantias e penalidades, sem falar na imagem prejudicada perante o mercado.

Outro custo expressivo para a União com a não aprovação do projeto envolve um potencial calote bilionário na Petrobras.

Em abril, a Eletrobras e a Petrobras assinaram um acordo de repactuação de R$ 17 bilhões em dívidas da Amazonas Energia com a petroleira, pelo fornecimento de óleo e gás natural para geração de energia.

Em setembro, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, disse ao Valor que o acordo era vinculado à privatização da Amazonas Energia, que concentrava a dívida. Com o cenário de liquidação da concessionária, a Petrobras passará a ter créditos com uma espécie de “massa falida”.

O efeito sistêmico no setor elétrico também é grave, pois o projeto de lei trazia junto a solução para o déficit de geração das hidrelétricas (GSF, na sigla em inglês). Até a liquidação das operações do mercado de curto prazo de energia de agosto, concluída na semana passada, as liminares referentes ao GSF travavam R$ 8,8 bilhões em valores não pagos pelos agentes.

A inadimplência na operação chegou a 85%.

O cenário só tende a piorar, com a continuação da guerra de liminares. Segundo especialistas, o mercado de energia de curto prazo deve travar em breve, pois a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pelas operações, não terá recursos para pagar os credores nas liquidações. Nas operações dos últimos quatro meses, agentes sem liminar garantindo prioridade no recebimento dos créditos saíram de mãos vazias.