Por Edna Simão – Valor Econômico

Mesmo com o cenário político tumultuado, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ernesto Lozardo, acha que o “Brasil não está em momento de desgovernança” e que é preciso um acordo entre políticos para garantir a aprovação de reformas, como a da Previdência e a tributária, essenciais para assegurar crescimento a partir de 2019.

“Sem reformas, o Brasil dificilmente poderá acompanhar esse novo ciclo do crescimento mundial. Nós poderemos correr o risco de entrar em outra década perdida. O fator que nos colocaria no momento de escapar dessa armadilha da década perdida são as reformas”, disse.

O principal impacto da crise política na economia é a postergação do calendário de aprovação de reformas. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal enviou à Câmara nova denúncia feita pela Procuradoria Geral da República contra o presidente Michel Temer, o que vai retardar ainda mais a votação dessas medidas. A expectativa do governo era de que a reforma da Previdência fosse aprovada em outubro, mas agora terá que aguardar a tramitação da denúncia contra Temer.

A reforma tributária ainda está sendo discutida, mas já há proposta sendo debatida no Congresso Nacional. Questionado se seria possível aprovar essas reformas ainda este ano, Lozardo respondeu que “o timing disso é difícil” para ele, como técnico avaliar. “O político é que sabe o timing.”

Na avaliação de Lozardo, o importante neste momento é que o mercado já absorveu que a aprovação de reformas é uma das agendas nacionais, independente de quem estiver no poder. Segundo ele, a expansão do PIB em 2017 e 2018 será puxada pelo consumo. Mas para ter condições de crescimento em 2019 é preciso ampliar os investimentos.

“O que está puxando o crescimento neste e no próximo ano não é a melhor variável. O consumo deve ser acompanhado de investimento. Se não vier acompanhado de investimento, é um crescimento típico de voo de galinha. Vamos crescer pouco o ano que vem, mas em 2019 acaba. Não vejo mais fôlego para o crescimento de longo prazo. Ao fazer as reformas, surge o investimento e aí sim a sustentabilidade ao crescimento”, explicou Lozardo.

Ele estima que a economia brasileira deve registrar crescimento de 0,8% neste ano e em 2018 a expansão ficará entre 3% e 3,2%. Como o segundo trimestre surpreendeu positivamente, a equipe econômica também pretende revisar suas projeções.

Atualmente, a aposta é de um aumento do PIB de 0,5% neste ano e de 2% para 2018. Cálculos iniciais devem subir as taxas para 0,7% e 2,5%.

Lozardo disse que, neste ano, o consumo foi puxado pela forte queda da inflação, que assim como países europeus está abaixo da meta; juros em queda, tendendo a 7% neste e se mantendo nesse patamar no próximo ano, e menor endividamento das famílias. Ele ressaltou que a liberação de cerca de R$ 40 bilhões de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ajudou as famílias a quitarem dívidas e consumirem mais. “Então, você tem assim uma dinâmica econômica acontecendo. Se as reformas da previdência e tributária não vierem, esse crescimento para em 2019. O motor do crescimento é o investimento”, reforçou o presidente do Ipea.

Segundo ele, o país está se recuperando e isso pode ajudar na aprovação de reformas, como a da Previdência, porque os parlamentares não querem correr risco de perder o que já foi conquistado. “Os próprios números estão indicando que o país está recuperando e ninguém quer perder o que está ganhando. Há melhora no nível de emprego e na renda e, se corre risco de perder isso, se não houver acordo político para aprovação das medidas”, destacou Lozardo.

“Se temos aqui quadro político agitado, ele não é adverso. É agitado pela natureza da crise política brasileira em função das delações premiadas, ações julgadas inadequadas. Não vou entrar no mérito das delações. Elas estão acontecendo. Isso deixa a sociedade muito apreensiva. Do ponto de vista político, vejo a sociedade muito apática sobre essas coisas. Se não tivesse apática, estaria se manifestando. Está apática porque está tendo ganhos de renda”, complementou.

Lozardo reforçou que o governo do presidente Michel Temer continua com a meta de ser reconhecido pelas reformas aprovadas. “As reformas estão na agenda nacional independente de quem possa estar no comando da nação. Esse governo quer ser lembrado como um governo neoliberal reformista. Isso é bom a gente frisar. A questão das privatizações, reformas que estão feitas, é típico de um governo neoliberal reformista”, afirmou.

Dentre as medidas aprovadas, Lozardo destacou o teto de gasto público pelo governo Temer é “o marco divisório entre governo populista e não populismo”. “O teto é claramente isso. Terminou a fase dos governos populistas. Ele tem que respeitar a uma ordem fiscal. Para manter o teto, a reforma da previdência é sem dúvida de extrema importante”, afirmou.

As despesas com Previdência corresponderam a 54% dos gastos primários e, se nada for feito, vai comprometer 80% em 2026. Dessa forma, com o teto de gasto, não haveria espaço para realização de novos investimentos. O déficit do INSS, por exemplo, de 8% do PIB saltaria para 11,4% em 2026.

“Não tem objetivo de acabar com o déficit [com a reforma da Previdência]. A expectativa é de que continue crescendo e se estabilizaria entre 9% ou 9,5% do PIB e se estabiliza”, disse. “Temos que fazer a reforma da previdência que é a maneira de se evitar que você venha financiar o custo da previdência com emissão de dívida pública. Isso seria um tiro no pé. Estaria aumentando o custo de capital do país para pagar aposentado. Isso cria uma deformação, pois quem paga isso é o setor produtivo”.