Por Camila Maia, Rodrigo Polito e Raphael Di Cunto – Valor Econômico

O governo já trabalha com a possibilidade de que as contribuições que a Eletrobras precisará fazer para a revitalização do rio São Francisco, no contexto de sua privatização, vão chegar a um total de R$ 15 bilhões com a tramitação do projeto de lei (PL) que trata da operação no Congresso, apurou o Valor com fontes próximas da situação.

Pelo texto proposto no PL, a Eletrobras fará aportes de R$ 350 milhões por ano na revitalização do rio durante os primeiros 15 anos das suas novas concessões, baixando para R$ 250 milhões por ano nos últimos 15 anos, chegando a um total de R$ 9 bilhões para o programa.

O Valor apurou, porém, que o governo não vai vetar alterações no projeto de lei que elevem o total a até R$ 500 milhões anuais, levando o total da contribuição a R$ 15 bilhões ao longo dos 30 anos. Esse já era o montante mínimo de contribuição defendido por algumas alas do Ministério de Minas e Energia (MME), mas que acabou sendo reduzido por pressões da equipe econômica do governo.

O aumento dos valores deve ser necessário para garantir a aprovação do PL principalmente no Nordeste, onde fica a sede da Chesf e que concentra a principal resistência à privatização da companhia elétrica. “Se é isso o que é necessário para aprovarem a lei, vamos aceitar”, disse uma fonte do governo ao Valor.

“Essa é uma solução para que a bancada do Nordeste aprove o projeto de lei”, disse uma fonte, completando que, ao se levar em conta a situação do rio, a ideia não é “de todo ruim”.

Relator do PL, o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) já chegou a chamar, em entrevista anterior ao Valor, os R$ 9 bilhões de “migalhas”. Questionado sobre a disposição do governo de elevar o valor, ele disse que ainda não avaliou a questão. “Não comecei a conversar ainda, mas é muito bom saber que o governo está disposto a discutir”, afirmou.

Para o deputado, o mais importante para discutir primeiro é o modelo de gestão desse dinheiro. “Estou muito mais preocupado com a forma de governança, para ser algo moderno e eficiente. Se deixar nas mãos do governo, podem ser R$ 50 bilhões que não vai dar certo”, disse. Aleluia disse que ainda não decidiu qual o modelo a ser adotado na revitalização do rio, mas lembrou da Tennessee Valley Authority (TVA), que desde 1933 atua no desenvolvimento do vale do Tennessee, nos Estados Unidos, utilizando dinheiro da geração de energia do rio.

A ideia dele é criar uma agência reguladora para fiscalizar o uso dos recursos no programa de revitalização do São Francisco. A ideia é vista com receio no setor.

“Hoje já existe a Codevasf [Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba] e a ANA [Agência Nacional de Águas], organismos que, teoricamente, teriam a responsabilidade de se ocupar das questões relativas ao rio São Francisco”, lembrou Claudio Sales, presidente do instituto Acende Brasil. Segundo ele, não necessariamente a melhor solução passa pela criação de uma nova agência, mas a discussão entre as partes precisa ser “serena”.

Ainda no contexto da privatização, outra agência está nos planos de uma ala do Ministério de Minas e Energia, a criação de uma Agência Brasileira de Desenvolvimento Energético (ABDE), para gerir, por exemplo, os recursos do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) e do Programa Nacional da Racionalização do uso dos Derivados de Petróleo e do Gás Natural (Conpet).

Essas agências, se saírem do papel, terão orçamentos próprios e funcionários, e se somariam aos demais órgãos já existentes no setor elétrico, como Aneel, CCEE, EPE e ONS. No caso da ABDE, a posição de especialistas do setor é mais

contundente. “Acho exagerada essa ideia de criar outra agência, disse um especialista, sob a condição de anonimato.

“A criação de outra agência seria um exemplo eloquente de uma entropia bucrocrática desnecessária, e com riscos aumentados de uso político sobre recursos que são privados, gerados a partir da conta de energia”, disse Sales. Para ele, a criação dessa agência traria riscos muito grandes ao país.