Presidente Michel Temer anunciou ‘modernização’ da lei que regulamenta tratamento de esgoto. Especialistas comentam proposta.

Por Marília Marques, G1 DF

27/03/2018 10h00

O governo federal encaminhou à Casa Civil o texto que prevê uma mudança no marco regulatório do setor de tratamento de água e esgoto do país. A previsão é de que a “minuta de proposição legislativa” seja enviada ao Congresso Nacional já na próxima semana. A informação foi confirmada ao G1 nesta segunda-feira (26) pelo Ministério das Cidades.

A atualização sobre o status do processo ocorre uma semana após o anúncio, feito pelo presidente Michel Temer, de um projeto para “modernizar” a legislação do setor. A afirmação foi feita durante a a cerimônia de abertura do Fórum Mundial da Água, em Brasília, na segunda (19) (veja abaixo).

Na época, Michel Temer não detalhou quais pontos do marco regulatório estão sujeitos à mudança. No mesmo dia, o G1 procurou o Palácio do Planalto para comentar o assunto, mas a Presidência da República disse que não iria se posicionar. O Ministério do Planejamento também negou o pedido de informações.

O que dizem os especialistas

Segundo especialistas ouvidos pelo G1, os pontos de possível mudança incluem uma tentativa do governo em tornar obrigatório o chamamento público para a prestação de serviços de tratamento da água e esgoto nos mais de 5,5 mil municípios do país.

Atualmente, as prefeituras podem firmar contratos diretamente com as concessionárias estaduais. A abertura de uma concorrência só é necessária caso haja interesse em contratar uma empresa privada.

O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) Roberval Tavares explica que, se a mudança for efetivada, “haverá mais empresas interessadas na gestão do saneamento de municípios grandes” – considerados “mais rentáveis”. Nas cidades pequenas, a falta de interesse econômico poderia gerar o fenômeno contrário.

“Hoje, no país, os municípios rentáveis sustentam os não rentáveis. Se mudar, vai acabar sobrando para os estados.”

Lógica financeira

Segundo o especialista, a mudança na lei gerará uma “inversão na lógica do subsídio cruzado”. O termo se refere ao modelo tarifário adotado em, pelo menos, 25 estados brasileiros.

A prática adotada pelos prestadores de serviço parte do pressuposto que a maioria da população mais pobre gasta menos água. O valor do metro cúbico (m³) consumido, portanto, aumenta na medida em que o consumo mensal é maior.

“Municípios com menos de 5 mil habitantes não se sustentam sozinhos porque a tarifa que o cidadão paga não consegue arcar com o tratamento de água e esgoto”, explica Tavares. “E menos ainda entregar saúde e qualidade vida à população”.

Lei atual

A Lei do Saneamento Básico, publicada em 2007, prevê a universalização dos serviços de abastecimento de água e de tratamento da rede de esgoto no país. Um dos principais pilares é a elaboração de um plano municipal para cada cidade.

Além disso, a lei estabeleceu regras básicas para o setor ao definir as competências do governo federal, dos estados e dos municípios para os serviços, bem como a regulamentação e a participação de empresas privadas. Por conta disso, a expectativa era que a área crescesse exponencialmente com a lei.

No entanto, passados oito anos, dados do SNIS apontavam que em 2015 apenas 50,3% dos brasileiros tinham acesso à coleta de esgoto. Isso significa que mais de 100 milhões de pessoas utilizavam medidas alternativas para lidar com os dejetos – seja através de uma fossa, seja jogando o esgoto diretamente em rios.

Na época da sanção da lei nº 11.445, 42% da população era atendida por redes de esgoto. Até 2015, o índice aumentou 8,3 pontos percentuais – um ritmo inferior a 1 ponto percentual por ano.

Quanto ao abastecimento de água, apesar de a abrangência ser bem superior à de esgoto, a evolução foi ainda mais lenta: passou de 80,9% em 2007 para 83,3% em 2015, um aumento de apenas 2,4 pontos percentuais. Já o índice de esgoto tratado passou de 32,5% para 42,7%.

Falta vontade?

Para comentar o porquê dos índices de saneamento serem tão baixos no país, o G1 procurou a Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe). O presidente, Roberto Tavares, destacou que um dos motivos para baixa efetividade do setor é a “insegurança jurídica”. Segundo ele, “não há regras claras na área”.

Outra justificativa para mais de 50% dos municípios estarem sem água tratada ou esgoto a céu aberto seria “ausência de vontade política”.

“Saneamento nunca foi prioridade na pauta nacional. Construir uma estrada e um estádio é fácil, são obras bonitas de inaugurar, mas saneamento não. A falta dele é percebida quando os custos da saúde aumentam”, conclui.

Saneamento no DF

Em setembro do ano passado, um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) revelou que o Distrito Federal é a única unidade da Federação a tratar todo o esgoto coletado. Apesar disso, o DF ainda deixa 17% da população fora desse sistema, segundo o relatório.

De acordo com o levantamento, 145,5 toneladas de carga orgânica são geradas, todos os dias, no DF. Dessas, 120,9 são coletadas e tratadas com a infraestrutura de gestão do esgoto. Outras 12 toneladas são coletadas em fossas individuais, e as 12,5 toneladas que sobram não passam por nenhum tipo de recepção.

DF trata todo o esgoto coletado, mas deixa 17% da população à margem do sistema

Considerando esse índice de carga orgânica não coletada, um cálculo simples revela que o Distrito Federal atira mais de 4,5 mil toneladas de esgoto a céu aberto – ou em fossas não declaradas – por ano.

Na época da divulgação do estudo, o superintendente de Operação e Tratamento de Esgotos da Caesb, Carlos Eduardo Borges Pereira, afirmou que o problema maior está nos dados do governo, e não nas ruas.

“A maioria [dessas toneladas] é de fossas que as pessoas não declaram nas pesquisas. A maior parte do esgoto que a gente vê na rua é quando a fossa enche e vaza.”