Édison Carlos – Opinião / Folha de São Paulo

07/12/2017  08h00

Há tempos que a Organização das Nações Unidas vem buscando formas de mobilizar os países por compromissos internacionais que promovam soluções para problemas que afligem o mundo há décadas.

Apenas para lembrar alguns dos fóruns mais importantes, lembro da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, e que talvez tenha sido o primeiro grande evento voltado à proteção ambiental.

Vinte anos depois, na ECO-92, o Brasil recebeu líderes de mais de 170 nações e milhares de ONGs todos buscando compromissos com a chamada “Agenda 21”, suas metas e recomendações pelo desenvolvimento sustentável.

Já em 2000, a ONU convidou governos, ONGs e sociedade civil a se debruçarem sobre novos debates que culminaram no estabelecimento dos ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com metas a serem atingidas até 2015.

Foram oito grandes objetivos e, entre eles, o ODM – 7: garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente, com metas ligadas à água e ao saneamento.

Nesse aspecto, a preocupação da ONU não é à toa. Segundo a Organização Mundial da Saúde, no mundo temos 2 bilhões de pessoas que não possuem instalações sanitárias básicas, e 892 milhões ainda defecam ao ar livre.

O ODM 7 tinha entre as metas até 2015 reverter a perda de recursos ambientais, reduzir à metade a percentagem da população sem acesso permanente a água potável e a saneamento básico e, por último, até 2020 ter alcançado uma melhora significativa na vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de bairros degradados.

Como se sabe, O Brasil avançou nas metas de água tratada, mas pouco nos serviços de esgotamento sanitário.

Em 2015, os ODMs foram substituídos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Passaram a ser 17 objetivos e 169 metas envolvendo desde a erradicação da pobreza, segurança alimentar, água e saneamento, entre outras.

Chamo a atenção para o compromisso dos países, entre eles o Brasil, com o ODS 6 – “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos” e tendo 2030 como meta para o acesso universal e equitativo para todos.

A preocupação é porque, segundo os indicadores oficiais do Ministério das Cidades, através do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), em 2015 o Brasil ainda possuía mais de 34 milhões de cidadãos sem acesso à água tratada, metade da população sem coleta de esgotos e somente 42% dos esgotos recebiam algum tipo de tratamento.

Acompanhamento anual do Instituto Trata Brasil feito nos dados das 100 maiores cidades brasileiras mostram que nos últimos 10 anos essas cidades e o país avançaram menos de 1 p.p (ponto percentual) ao ano nesses indicadores.

Se projetarmos esses avanços, que foram importantes, mas insuficientes, para os próximos anos levaríamos mais de 40 anos para universalizar o saneamento, ou seja, depois de 2050.

Outra preocupação é porque em breve o Brasil sediará o 8º Fórum Mundial da Água (março 2018), em Brasília. Será a primeira vez que o Fórum acontecerá no hemisfério sul e é de se prever que o mundo todo estará atento ao Brasil e às discussões dos países quanto ao mais importante dos recursos naturais.

Tão ou mais importante do que a responsabilidade do país com seus compromissos internacionais é que esse baixo avanço em água e esgotos prejudica a saúde da população, aumenta a degradação ambiental e faz o Brasil perder recursos financeiros.

Pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), o país precisaria de cerca de R$ 300 bilhões para universalizar água e esgotos em 20 anos. No entanto, a solução do problema traria ganhos sociais e econômicos na saúde, aumento da produtividade do trabalho, valorização dos imóveis, ganhos na educação e turismo de mais de R$ 537 bilhões.

Os cálculos mostram que, na média do período que vai de 2015 a 2035, a cada R$ 1.000,00 que se investisse na expansão do saneamento a sociedade brasileira ganharia R$ 1.700.

A relevância do Brasil no mundo passa pelo esforço em cumprir com os compromissos assumidos, então é fundamental que as esferas de poder levem o saneamento a sério.

Precisamos que o governo federal sinalize recursos de longo prazo, que governadores ajudem na busca por melhorias de gestão das empresas estaduais, que prefeitos deixem de ser passivos e busquem soluções, sozinhos ou em conjunto com outros municípios, que se ampliem as parcerias entre empresas públicas e privadas, que se promova a Educação Ambiental com foco no uso racional da água e valorização do saneamento.

Precisamos tratar com seriedade um problema que envergonha esta nação, que está entre as 10 maiores economias do planeta, mas que ainda apresenta índices de saneamento do século 19.

Saneamento tem que ser visto como questão de Estado e não continuar dependendo da boa vontade de autoridade A ou B. Se não for assim, é certo que outros vexames internacionais virão.

ÉDISON CARLOS é presidente-executivo da Instituto Trata Brasil, Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que discute saneamento básico no país

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