Por André Guilherme Vieira, Marta Watanabe e Fernando Taquari – Valor Econômico

31/10/2018 – 05:00

Eleito governador de São Paulo, João Doria destituirá Karla Bertocco do comando da Companhia de Saneamento do Estado (Sabesp). O tucano não definiu um substituto, mas enfatizou que o próximo presidente será um técnico. Em sua gestão, a empresa continuará sob controle do governo paulista e terá como objetivo ampliar o limite máximo de sua capitalização internacional.

“O atual modelo da Sabesp é bom e nós vamos ampliar dentro do limite do possível e daquilo que a companhia permite a sua capitalização de recursos, como já foi feito até na Bolsa de Nova York, que a meu ver foi feito de forma acertada”, disse Doria ao Valor. O tucano ressaltou que a substituição no comando da Sabesp não é resultado de avaliação sobre o desempenho de Karla na gestão da companhia. “Esse é um cargo de alta confiança e de responsabilidade direta e de nomeação do governador”.

A fim de movimentar a economia paulista, o tucano disse que pretende promover desonerações fiscais para setores específicos em troca de redução de preços ao consumidor e geração de empregos. Os benefícios fiscais, reforçou o governador eleito, só serão concedidos sob esses dois compromissos. As empresas terão que estabelecer metas para aumentar os postos de trabalho e estarão sujeitas à fiscalização. “Isso não é guerra fiscal”, se adiantou a explicar Doria.

Ao tratar da questão política, Doria ressaltou que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) merece um voto de confiança do PSDB e do país. Em sua visão, os correligionários devem ter um olhar apartidário para questões de interesse nacional, apoiando eventuais posições adotadas pelo futuro mandatário.

“Entendo que todas as posições que forem corretamente adotadas ou apresentadas por Jair Bolsonaro, o PSDB deve apoiar e compreendê-las como positivas”, afirmou. Sobre as propostas que não forem consideradas boas, caberá ao PSDB atuar com o propósito de orientar o novo governo, avaliou o governador eleito.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida por Doria em seu comitê político, no bairro dos Jardins, em São Paulo.

Valor: Integrantes da equipe econômica do presidente eleito Jair Bolsonaro defendem uma reforma tributária que pode mudar o ICMS e afetar a arrecadação de São Paulo. O senhor é a favor da reforma?

Doria: Da reforma tributária sou a favor, mas vamos avaliar seus efeitos. A reforma, quando simplifica, é boa e saudável. Mas precisamos estudar o assunto quando se fala em ICMS e em que nível isso afetará o Estado. Sempre seremos generosos em relação ao Brasil, mas seremos zelosos em relação a São Paulo.

Valor: O Estado de São Paulo tem pleiteado autorização para novos empréstimos. O senhor pretende brigar por isso junto à União?

Doria: Sim, é justo que São Paulo tenha a autorização. O grau de investimento [concedido] pelas agências internacionais para o Estado é melhor do que para a Secretaria do Tesouro. Não há razão para impedir que São Paulo tenha acesso aos empréstimos, sobretudo quando os recursos serão destinados à saúde, saneamento e infraestrutura. São Paulo sempre honrou seus compromissos internacionais com o BID e com o Banco Mundial e continuará honrando.

Valor: E o teto de gastos para Estados que renegociaram a dívida com a União? São Paulo vai entrar no movimento dos governos que querem mudar o indexador para o teto?

Doria: Primeiro, preciso nomear um secretário de Fazenda e analisar isso mais detidamente.

Valor: Já há nomes?

Doria: Ainda não, vamos anunciar mais adiante.

Valor: O senhor defende maior flexibilização da União em relação à recuperação de Estados em crise?

Doria: Defendo, porque o novo gestor não pode ser penalizado pelo fato de o Estado ter tido um mau gestor. Isso não é justo. Então, é razoável que a União neste caso tenha uma visão face ao novo gestor, desde que haja compromissos estabelecidos com critérios fiscais e com rigor fiscal do novo governador. O Estado ou sua população não podem ser penalizados por quem já saiu e já foi penalizado pelo voto.

O Estado ou sua população não podem ser penalizados por conta de quem já saiu e já foi penalizado pelo voto

Valor: O senhor é favorável a uma maior liberação de recursos da União aos Estados?

Doria: Sim, mas desde que não signifique ruptura fiscal e desde que o Estado tenha condições para isso e responsabilidade fiscal. Se não tiver estrutura fiscal adequada, primeiro tem que arrumar a casa para depois solicitar recursos. Essa é a função do bom gestor. Para isso foi eleito.

Valor: Para quais pastas os recursos devem ser priorizados?

Doria: Prioridade será sempre saúde, educação, segurança pública e habitação popular.

Valor: O senhor defende uma mudança na previdência dos militares, que têm peso considerável nas folhas dos Estados?

Doria: A reforma da Previdência já foi feita em São Paulo. Foi amplamente debatida e estudada na Assembleia Legislativa, em audiências públicas, com todos os setores do funcionalismo de São Paulo. No momento ela está bem como está.

Valor: Não defenderia, então, a inclusão dos militares na reforma?

Doria: No momento ela atende às necessidades do Estado.

Valor: Na política tributária, o senhor tem ideia de alguma mudança para as empresas?

Doria: Não vamos criar nenhum novo imposto e nenhuma nova taxa. Vamos analisar as desonerações fiscais em alguns setores específicos que possam representar uma melhor competitividade para produtos e serviços e, consequentemente, que assegurem o aumento no volume de vendas e empregos. Setores que se comprometerem com o governo de forma concreta e formal em serem mais competitivos ao oferecerem produtos mais baratos, principalmente alimentícios, de higiene, limpeza e médicos, somando mais empregos, encontrarão um governador com disposição em reduzir o custo tributário.

Valor: Seria, então, uma concessão de incentivo tributário com meta para criação de emprego?

Doria: Criação de emprego por setor e desde que tenha dois compromissos básicos: redução do custo final para o consumidor pagar menos pelo produto e a geração de empregos, inclusive, numericamente, com base mínima e sujeita à fiscalização do próprio governo. Havendo isso, faremos a desoneração. Isso não é guerra fiscal, que fique claro.

Valor: Apenas para esses setores mencionados?

Doria: Prioritariamente para esses setores. Mas sem nenhuma restrição de ouvirmos outros.

Valor: Vai haver renegociação de contratos no início do mandato?

Doria: Contratos de aluguel, sim. Como fizemos na prefeitura, onde reduzimos em 30% todos os contratos de aluguel sob a condição: quem não aceitar, deixa de ter a prefeitura como inquilino.

Valor: Como o senhor avalia o comando da Sabesp? A atual presidente Karla Bertocco será mantida no cargo?

Doria: Não será mantida. Vamos ter lá uma pessoa técnica, capacitada e articulada com o nosso governo. Ela não vai ficar, vou deixar bem claro isso. Não quero fazer análise sobre o desempenho dela ser bom ou mau, mas lá terá alguém da nossa confiança. Ponto.

Valor: Qual a alternativa mais interessante para injeção de capital na companhia? Haverá privatização ou será mantido o atual modelo de capitalização?

Doria: O atual modelo é bom e nós vamos ampliar dentro do possível e daquilo que a companhia permite, capitalizando dentro dos limites que ela tem, continuando a ser estatal. Queremos ampliar a capitalização de recursos, como já foi feito até na Bolsa de Nova York, que a meu ver foi feito de forma acertada. Vamos expandir, evidentemente, com critério e dentro dos limites em que a companhia continue sob o comando do Estado de São Paulo. Ampliaremos no limite máximo a capitalização internacional. Os recursos serão utilizados não só na ampliação de seus programas de saneamento, de distribuição de água, como também de coleta e processamento de lixo. Essa é uma outra área em que a Sabesp pode atuar, desempenhar bem e realizar trabalho competente e que será também gerador de ‘funding’ para a própria Sabesp.

Valor: A meta de dividendos de 25% até a universalização da cobertura de saneamento deve ser mantida?

Doria: Por enquanto mantida, mas oportunamente será avaliada. Numa visão ainda inicial a Sabesp tem gestão razoavelmente boa, não é uma empresa temerária do ponto de vista de gestão. Nossa visão é positiva em relação à Sabesp. Em relação à atual presidente, não há nenhum juízo de valor sobre ela, é apenas que esse é um cargo de alta confiança e de responsabilidade direta de nomeação do governador, é só isso.

Valor: Já há algum nome?

Doria: Oportunamente vamos informar, mas será necessariamente técnico, não será ninguém de formação política.

Valor: A avaliação dos 25% de dividendos deve ser feita logo no começo do mandato?

Doria: Vamos nomear o novo presidente da Sabesp, vamos dar a chance dele fazer essa avaliação e responder ao governador. Se vamos nomear um bom gestor, é razoável que ele possa tomar conhecimento e avaliar e informar ao governador sobre o que ele entende mais adequado. Eu sou muito descentralizador. Toda a gestão do Estado, nas empresas estatais, nas autarquias e nas secretarias será extremamente descentralizada. Mas serei um implacável cobrador, com metas, resultados, programas. Os que cumprirem serão exaltados; os que não cumprirem serão alertados e os que reincidirem em não cumprir serão trocados.

Valor: Qual balanço o senhor faz do desempenho do PSDB nessa eleição e o que, na sua opinião, justificou esse desempenho tão inexpressivo do ex-governador Geraldo Alckmin, candidato derrotado a presidente da República?

Doria: Não quero fazer nenhuma avaliação específica do governador Geraldo Alckmin, por quem tenho respeito e admiração pessoal, mas sim do PSDB. Não há necessidade de buscar culpados e nem crucificar ninguém. O partido perdeu a conexão com a realidade do país, ficou no alto do edifício, longe do chão de fábrica. O PSDB precisa entender o que a população brasileira quer e deseja, sobretudo os mais humildes e os mais pobres, tomando como base o crescimento econômico e a geração de renda e emprego. O partido perdeu a conexão com a realidade do país, ficou no alto do edifício, longe do chão de fábrica

Valor: O senhor já deixou bem claro que o PSDB tem que descer do muro e escolher um lado. O partido deve adotar posição de independência ou apoiar o governo Bolsonaro?

Doria: Entendo que o PSDB deve adotar posição de defesa do Brasil e dos brasileiros. O primeiro olhar deve ser aos brasileiros e ao país. O segundo olhar para a questão partidária. Não devemos colocar o partido à frente dos interesses do país ou de seu povo.

Valor: Isso seria na prática uma posição mais independente?

Doria: As posições que forem corretamente adotadas ou apresentadas por Jair Bolsonaro eu entendo que o PSDB deve apoiar e compreendê-las como positivas. Obviamente, deve-se criticar e orientar aquelas que possam não ser as melhores. Mais do que criticar, orientar. Porque a crítica dá sensação de afastamento. Não acho que esse seja o momento de buscar

afastamento. É um momento de união, de pacificação do Brasil e de acreditar que nós podemos melhorar. O governo de Bolsonaro, a meu ver, merece um voto de confiança do PSDB. Do PSDB de São Paulo, terá.

Valor: O senhor acha que esse voto de confiança ao governo Bolsonaro pode se traduzir eventualmente em aliança política, inclusive, em torno de uma coalizão para 2022?

Doria: Este não é tema para debate agora. Nem sequer para conjecturas. O tema agora é defender o Brasil, unificar o país e dar voto de confiança para Jair Bolsonaro. Esse é meu sentimento.

Valor: O prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), já defendeu a substituição de Geraldo Alckmin da presidência do PSDB. O senhor concorda?

Doria: As palavras do prefeito, colocadas antes da eleição, talvez, não tenham sido as mais bem pontuadas ou pontuadas no momento certo. Hoje, diante do resultado das eleições, temos que compreender que o PSDB deve obedeceras às urnas. Sem fulanizar ou tecer crítica ao governador Alckmin ou a quem quer que seja, mas a executiva nacional, a meu ver, deve refletir o sentimento das urnas a partir do início do próximo ano.

Valor: Qual é esse sentimento?

Doria: Quem tem voto participa mais, quem tem voto tem comando. Essa é uma lição básica da democracia. Ou seja, quem não tem voto, participa. Quem tem voto, comanda.

Valor: Como ficará a situação dos tucanos que foram acusados de infidelidade partidária?

Doria: Eles estão expulsos, são filiados aos diretórios municipais. Você não se filia à executiva nacional. Você não mora na nuvem federal. Você reside no município e o seu diretório executivo, da sua cidade, é o que decide. A expulsão foi tomada com base no estatuto do partido. A decisão contrária da executiva nacional [que suspendeu a expulsão] foi de ordem política e não de ordem legal. A meu ver, prevalece a decisão da executiva municipal.

Valor: Não existe a possibilidade de um perdão?

Doria: A decisão é da executiva municipal. Não se trata de perdão. O partido tem um estatuto. Tem que cumprir. Ademais, as pessoas que não se sentem felizes, não estão bem dentro do PSDB, nem deveriam aguardar uma expulsão. Deveriam pedir sua desfiliação e buscar um campo mais adequado para exercerem o seu direito político. Devem buscar um espaço onde se sentem melhores, que seja mais à esquerda, extrema esquerda, entre socialistas, comunistas, marxistas, petistas ou os ‘istas’ que desejarem. As pessoas têm o direito de serem felizes politicamente.

Valor: O senhor tem a expectativa de que alguns correligionários façam este movimento?

Doria: Cabe a cada um tomar a sua decisão. Não é razoável que alguém que estabeleceu uma contradição clara em relação ao interesse da maioria imagine que, pela proteção de uma ou duas pessoas, deva continuar no partido. Hoje, no PSDB, não tem espaço para o Esquerda Pra Valer (EPV). Sejam felizes na esquerda. Podem ir para o PSB, PDT, Psol ou para o PT. Não desrespeito eles. Mas que encontrem seu caminho em ambiente mais adequado.

Valor: O senhor ficou incomodado com a demora de algumas lideranças tucanas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador José Serra (SP) e o próprio Alckmin, em parabenizá-lo pela vitória na eleição?

Doria: Não. Isso faz parte. Todos me ligaram depois. De domingo para segunda, não é uma situação que demorou um mês ou uma semana. Foram 24 horas.

Valor: Nomearia Alckmin para uma secretaria?

Doria: Geraldo Alckmin tem qualificações, tendo sido governador do Estado de São Paulo três vezes, deputado federal, deputado estadual, presidente de partido, prefeito, vereador. Tem qualificação para ocupar qualquer secretaria em qualquer governo e em qualquer parte do Brasil, especialmente em São Paulo, onde ele conhece profundamente o Estado.

Valor: O senhor é favorável à adoção da proposta de escola sem partido na rede pública?

Doria: Sou a favor. Escola é para aprender. Política se faz fora da escola. As pessoas têm o direito de buscar suas opções. Não sou contra. Mas devem fazer isso sem doutrinação nas escolas. Não serão os professores nas escolas que deverão ensinar, em nenhum nível, ideologia política ou influenciar os alunos sobre esta ou aquela opção. Escola não pode ter isso como ponto determinante. De forma sensata, não vamos permitir que isso ocorra.

Valor: E como senhor vê a ideia defendida por um dos colaboradores de Bolsonaro na educação que sugere a possibilidade vetar livros que não abordarem o período militar da forma que ele considera correta?

Doria: Não concordo. Seria condenável se tivéssemos aulas de moral e cívica ou qualquer coisa parecida ou qualquer que fosse o nome adotado, estabelecendo um viés de um lado ou de outro em relação à ditadura militar. A existência de um livro, desde que ele tenha isenção e não seja obrigatório, não tem nenhum problema. Cada um escolhe sua literatura. Acho que houve neste caso um exagero. Lembro que meu pai [José Agripino da Costa Doria Neto, então deputado pelo PDC] foi cassado [pela ditadura militar, em 1964]. Falo com certa isenção e autoridade sobre isso.

Valor: O senhor é favor ou contra a reeleição?

Doria: Sou contra a reeleição em qualquer nível. Sou favor a de cinco anos de mandato e da unificação das eleições. O Brasil não pode ficar paralisado a cada dois anos e ter uma despesa enorme com o custo eleitoral.

Valor: Como será a sua interlocução com a Assembleia Legislativa?

Doria: Vamos definir agora. A atual legislatura vai até março. Temos duas lideranças bastante expressivas. O deputado Cauê Macris faz um belo desempenho como presidente da Casa e o líder, Marco Vinholi, tem sido muito competente.

Vamos ver a correlação de forças e analisar isso já na virada do ano.