Sabesp começa a abastecer carros em Franca (SP) com os gases do tratamento de esgoto

Investimento de R$ 7,4 milhões foi feito em parceria com instituto de pesquisa da Alemanha; material passa por filtragem para se transformar em um gás semelhante ao GNV

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) começou ontem a usar o biogás gerado no tratamento do esgoto para movimentar a frota de veículos da empresa em Franca (SP). Atualmente, não se tem conhecimento de outro projeto desta magnitude para produção de biometano para uso veicular, gerado a partir do tratamento de biogás resultante do tratamento de esgotos na América Latina.

O investimento total no projeto é de R$ 7,4 milhões e foi feito pela Sabesp em parceria com o Instituto Fraunhofer IGB, da Alemanha. O Instituto fez a doação de equipamentos de armazenamento, beneficiamento e compressão de biogás para a Sabesp, presta assistência técnica e acompanha a fase de pesquisas. À Sabesp coube a realização das obras para a instalação do equipamento, da linha de biogás, do sistema elétrico e a adaptação dos veículos para o biometano, além do pagamento de taxas, licenças e impostos.

No processo, o biogás gerado no tratamento do esgoto passa por um sistema de remoção das impurezas, umidade e aumento da concentração de metano. O resultado é um combustível, o biometano, que será usado no lugar na gasolina, do álcool e do GNV (gás natural veicular). A Estação de Tratamento de Esgotos – ETE trata em média 500 litros por segundo e produz em torno de 2.500 Nm³ de biogás por dia, suficiente para substituir 1.500 litros de gasolina comum diariamente.

O projeto

Durou pouco mais de dois anos a preparação para fazer com que o biometano chegue até os carros da Sabesp. O projeto começou em outubro de 2015, quando a companhia fez o convênio com o Instituto para desenvolver o projeto de inovação. Na primeira etapa, os técnicos das duas instituições se debruçaram sobre números e dados para a concepção do projeto.

Era preciso detalhar desde aspectos operacionais, como volume de biogás, concentração de gases, nível de impurezas, até econômicos, como o retorno esperado dos investimentos. Questões regulatórias também foram analisadas, com consultas à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A segunda etapa foi a preparação da estrutura operacional. Os equipamentos doados pelo instituto de pesquisa alemão chegaram a Franca em janeiro do ano passado. As obras civis e elétricas para que o sistema todo entre em operação estão prontas. Parte da frota de veículos – 19 carros – já foi adaptada para rodar com o biometano.

Com o sistema em operação, começa uma fase de análise do desempenho técnico e econômico do projeto. Ou seja, é hora de conferir se as projeções se materializam como o esperado e coletar dados para os ajustes finos do uso da tecnologia.

Os estudos iniciais apontam que a produção do biometano em Franca será capaz de abastecer 200 veículos leves. As estimativas iniciais apontam que o retorno do investimento levará cerca de 7 anos. Mas a economia que será feita com a substituição da gasolina por biometano não é o maior benefício do projeto. Segundo o CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis–Biogás), o biometano pode reduzir em até 90% as emissões de poluentes em comparação com a gasolina. Seu uso previne, ainda, o lançamento de metano e CO2 na atmosfera, responsáveis pelo aquecimento global.

Com a frota movida a biometano, será possível medir precisamente aspectos que hoje estão no campo das projeções, como a redução das emissões de gases de efeito estufa com o uso deste biocombustível e o desempenho do motor em relação aos demais tipos de combustíveis.

Desafio tecnológico

Não é a primeira vez que a Sabesp testa a utilização do biometano como combustível para a frota. A primeira experiência foi feita no final da década de 1980, mas o combustível não se mostrou viável devido às limitações tecnológicas do processo de beneficiamento do biogás, assim como da adaptação dos motores dos veículos.

O desafio é a retirada das impurezas do biogás gerado no tratamento do esgoto. Entre 60% e 75% do biogás é composto por metano e 5% a 25% de CO2. O biogás contém traços de umidade, H2S e siloxanos. O H2S (sulfeto de hidrogênio), responsável pelo odor de ovo podre, em altas concentrações pode causar corrosão devido à formação de ácidos durante a combustão. Os siloxanos, comuns em produtos de beleza e higiene pessoal, que após combustão formam óxidos de silício, ou areia, pode causar incrustações no motor de combustão. O processo de beneficiamento está equipado para remover estas substâncias.

O Instituto Fraunhofer é considerado uma das mais importantes fundações europeias de pesquisa aplicada, criado em 1949. Tem projetos em cooperação com o Brasil desde 2002 e com a Sabesp, iniciaram as tratativas em 2011.

Potencial de escala

Em julho, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) publicou a Deliberação nº 744/2017, que regulamenta as condições de distribuição de biometano na rede de gás canalizado do Estado. Isso abre uma janela de oportunidade para a inovação na Sabesp, pois significa que há potencial para produção em escala de biometano e, no futuro, abastecer mais do que os carros da própria companhia.

A deliberação da Arsesp estabelece as regras para que o biometano fornecido pelos produtores possa ser inserido na rede pública de gás canalizado. Os preços a serem praticados e o volume compulsório a ser adquirido pelas concessionárias de gás ainda serão definidos pelo Governo do Estado.

No final de junho, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) já havia aprovado a resolução ANP nº 685/2017, que estabelece regras para o controle de qualidade e para a especificação de biometano oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto destinado ao uso veicular e às instalações residenciais, industriais e comerciais. Já no começo do projeto de Franca, a Sabesp havia procurado a ANP para se inteirar dos procedimentos relacionados ao controle de qualidade do biometano. A agência, então, convidou a Sabesp para participar e contribuir com a formulação da resolução. Foi a única empresa de saneamento do Brasil a compor o grupo, participando da reunião de apresentação da minuta, da consulta e da audiência pública realizada pelo órgão.

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