Por Sergio Adeodato – Valor Econômico

23/03/2018 – 05:00

A disputa por recursos hídricos, um bem vital para a humanidade, se intensifica em todo o mundo. Hoje 1,7 bilhão de pessoas vivem em regiões onde a demanda por água ultrapassa a oferta, número que até 2050 deverá subir para mais de 2,3 bilhões, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em paralelo, os volumes retirados da natureza representam o triplo de 50 anos atrás, com estimativa de aumentar 55% nas próximas três décadas, devido a diversos fatores, como crescimento urbano e aumento de renda. No entanto, de acordo com as Nações Unidas, se o mundo não evoluir na gestão da água, os conflitos aumentarão e será difícil alcançar os objetivos econômicos, sociais e ambientais.

Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da Água, é taxativo: “Devemos unir esforços e os governos precisam colocar o tema no cerne das decisões em conjunto com todos os setores da sociedade para viabilizar o investimento de US$ 650 bilhões por ano, até 2030, indispensável à segurança hídrica global”.

Para o professor da engenharia civil e ambiental da USP e secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, o caminho coletivo não deve ser um fardo e sim uma solução para mudanças no modo de gerir o recurso, evitando crises de abastecimento. “É preciso agir acima dos interesses setoriais para garantir prosperidade de longo prazo”, afirmou na cerimônia de abertura do 8º Fórum Mundial da Água, realizado de segunda até hoje, em Brasília.

A questão do financiamento é urgente, confirma o diretor de prática global de água do Banco Mundial, Guang Zhe Chen, admitindo que hoje os valores são seis vezes inferiores ao necessário. “É preciso tornar a aplicação dos recursos mais eficiente.” Para ele, “a água não pode mais ser vista com um bem livre e abundante como tempos atrás”, sob o risco de grandes impactos econômicos com reflexos sociais e ambientais. Estudo da instituição prevê declínio da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global de 6% até 2050, à medida que a concorrência pelo recurso natural se intensifica.

Como conciliar a gestão da água como um bem público e um direito universal com a tendência de atribuir preço ao recurso natural para que seja mais valorizado e conservado, sem desperdícios? A questão inspirou o diálogo entre diferentes setores no evento mundial, realizado pela primeira vez no Hemisfério Sul, reunindo tanto chefes de Estado, instituições públicas e empresas como universidades, organizações não governamentais, ativistas sociais e ambientalistas.

“Conferir valor econômico à água é essencial para a garantia desse direito na prática, pois assim empresas e sociedade se sentem estimuladas a usá-la melhor, reduzindo impactos negativos e credenciando o acesso para todos”, defende Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

A instituição liderou o lançamento de um compromisso junto à sociedade, assinado por dezenas de corporações, para a garantia de segurança hídrica. O documento destaca o papel das empresas como indutoras de soluções e reforça o objetivo de difundi-las para enfrentar a crise de escassez, com transparência. Entre as metas assumidas para 2025, estão desde esforços para identificar as oportunidades relacionadas à gestão da água nos negócios até o mapeamento de riscos e o engajamento de fornecedores e clientes, além de contribuir com o intercâmbio de projetos.

Reutilização de efluentes industriais e domésticos, redução de perdas e de consumo, reflorestamento e proteção dos mananciais são iniciativas que entram na agenda empresarial. “A água precisa ser pensada de forma integrada”, afirma Grossi, ao lembrar que está em jogo o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida.

Não à toa o slogan da edição do Fórum Global foi “compartilhar água”. No mundo, 262 bacias hidrográficas se localizam em dois ou mais países, o que exige políticas conjuntas para uso sustentável. “Na América Latina e Caribe precisamos dobrar os investimentos nesse esforço porque detemos um terço do estoque global de água, mas há 4 bilhões de pessoas em situação de escassez”, afirma José Aguerre, diretor de infraestrutura do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O saneamento básico, que no Brasil atende a menos da metade da população para o caso da coleta e tratamento de esgoto, está no topo das prioridades. No mundo, mais de 80% das águas residuais são descarregadas de volta para os rios, córregos e oceanos sem qualquer tratamento, conforme dados da ONU.

Compartilhar significa também conciliar os diferentes usos: a agricultura, que consome 70% do recurso; geração de energia, abastecimento público, produção industrial, transporte, pesca e turismo, por exemplo – sem falar da importância da água para a manutenção da biodiversidade, além do valor cultural e espiritual para muitos povos. “Somos parte da solução contra a escassez, porque precisamos da água para a sobrevivência dos negócios, e é fundamental o intercâmbio de conhecimento para gerenciar riscos”, afirma Marcos Guerra, presidente do conselho nacional de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Segundo analistas, a adaptação às mudanças climáticas, já adotada por algumas empresas para evitar prejuízos futuros, tem potencial de puxar a agenda da segurança hídrica. Para Carlo Pereira, secretário executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, “a gestão da água é incorporada não só devido às ameaças para os negócios, mas também porque o desenvolvimento sustentável pode ser diferencial de competitividade para as empresas brasileiras”. Mas, em sua análise, há muito por fazer: “A distância é grande entre o que vivemos e a consciência que temos para o tema”.