Por Maíra Magro e Luísa Martins – Valor Econômico

03/05/2018 – 05:00

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringirá o foro privilegiado de parlamentares – aos crimes cometidos durante o mandato e em razão dele – será retomado esta tarde com o voto do ministro Gilmar Mendes, para quem a decisão atingirá não apenas deputados e senadores. Enquanto outros ministros votavam ontem, Gilmar, o único que ainda não se posicionou, criticou o resultado que se delineava na Corte. O placar já soma dez votos pela restrição da prerrogativa aos crimes praticados durante o mandato.

Gilmar afirmou que o julgamento acabará valendo também para outras autoridades que contam hoje com prerrogativa de foro, como ministros do próprio STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal de Contas da União (TCU), procuradores e os comandantes das Forças Armadas. Embora o caso em discussão se limite a parlamentares, a ampliação poderia ser feita depois pelo próprio STF ou pelo Congresso, na avaliação de alguns ministros.

“Se nós vamos adotar essa interpretação, seja a mais rigorosa, seja a mais branda, é óbvio que, ainda que isso se aplique aos parlamentares, vamos estar estendendo a todas as instituições”, afirmou Gilmar. E acrescentou: “Imagine um oficial de Justiça de Cabrobó [município no sertão de Pernambuco] vir aqui intimar o comandante do Exército… Com um mandado de condução coercitiva. Se amanhã alguém achar que ele queimou uma fogueira indevidamente, cometeu um crime ambiental, um promotor ou um juiz poderão investigá-lo, e isso dará um poder enorme a essa gente. É bom que se atente para a responsabilidade desse tipo de decisão. Já antecipo que não vai dar certo, que vai dar muito errado, mas se está caminhando para isso”.

O ministro Ricardo Lewandowski, que proferia seu voto, concordou: “Os juízes não serão mais julgados pelo Tribunal de Justiça, mas pelo colega da sala ao lado. Se concluirmos dessa forma, todo o sistema do foro especial haverá de cair.” Para Lewandowski, se quem foi eleito pelo voto não tiver foro especial mas os que entrarem na vida pública por concurso mantiverem a prerrogativa, a Corte instituirá “um privilégio dentro do privilégio.”

Atualmente, parlamentares são julgados pelo STF por crimes praticados em qualquer período de tempo. Esses delitos podem ser de qualquer natureza, estando ou não relacionados ao exercício da função. Se um parlamentar agrediu alguém antes de ser eleito, por exemplo, o processo é remetido ao STF quando ele assume o cargo. Quando deputados e senadores perdem o cargo, os processos ainda não concluídos são remetidos à Justiça de primeiro grau.

Ontem, ao retomar a análise de uma questão de ordem em um processo envolvendo um ex-deputado federal, o STF contabilizou dez votos para restringir o alcance do foro especial de parlamentares aos crimes cometidos durante o mandato. Para sete ministros, o foro especial de deputados e senadores se aplica não só aos crimes cometidos durante o mandato, mas também necessariamente em razão dele. Quando o mandato acabar, o processo é remetido à primeira instância, se ainda estiver em fase inicial. Foi essa a solução proposta pelo relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso, que foi acompanhado por Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Uma segunda corrente, liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, defende que o foro especial deve valer para todo tipo de crime cometido durante o mandato – ou seja, não só para aqueles relacionados à função. Seria uma solução mais branda que a proposta por Barroso. Ontem, Moraes foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e Lewandowski.

Tanto Toffoli quanto Lewandowski criticaram a solução que o julgamento definirá. Eles defenderam que a prerrogativa de foro não seria um privilégio, e sim uma forma de garantir imparcialidade no julgamento. “Não é um capricho do constituinte”, afirmou Lewandowski. De acordo com ele, a intenção da prerrogativa de foro é tirar os litígios de um ambiente em que “as paixões políticas são mais exaltadas”, levando-os a cortes hierarquicamente superiores que teriam maior capacidade de se manter neutras em relação a pressões de ambos os lados, tando do acusado quanto de seus oponentes. “Muitas vezes o próprio promotor local é concorrente do prefeito”, exemplificou o ministro.

Apesar dessas ressalvas, como já havia maioria de votos para restringir o foro, tanto Toffoli como Lewandowski optaram por seguir a proposta de Alexandre de Moraes, considerada menos rigorosa por manter no STF também o julgamento de crimes comuns cometidos durante o mandato.

A discussão que restringirá o foro privilegiado começou em maio e foi interrompida duas vezes por pedidos de vista. O julgamento foi retomado ontem com o voto de Toffoli, que havia pedido vista em novembro.

Os ministros também discutem a partir de que fase processual uma ação não pode mais ser remetida à primeira instância quando o parlamentar deixar o mandato.