Por Sergio Lamucci – Valor Econômico

A adoção de um programa universal de renda básica para todos os brasileiros custaria o equivalente a 4,6% do PIB, reduzindo a taxa de pobreza em 11,6 pontos percentuais, de 19% para 7,4% da população, segundo estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI). A estimativa considera que cada pessoa receberia R$ 1.286 por ano, o equivalente a 25% da renda per capita de mercado, descontado o que se paga de impostos diretos.

Pelos cálculos do FMI, a desigualdade cairia, com o índice de Gini recuando 0,05 ponto. Medida de distribuição de renda, o indicador varia de 0 a 1. Quanto mais perto de 1, maior a desigualdade. Em 2016, o índice brasileiro ficou em 0,5222, acima do 0,5144 do ano anterior, segundo o Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Foi a primeira alta desde 2001, quando o Gini ficou em 0,5952.

Um programa universal de renda básica é a proposta defendida há anos pelo ex-senador e vereador Eduardo Suplicy (PT), tendo se tornado a sua marca registrada. O Bolsa Família é voltado para os mais pobres, atendendo hoje cerca de 13 milhões de famílias, com algumas condicionalidades, como a obrigação de os filhos frequentarem a escola e de as gestantes fazerem o pré- natal. Em 2016, custou aproximadamente 0,4% do PIB.

No estudo, o FMI não encampa nem rechaça a ideia da renda básica universal. A análise consta do relatório Monitor Fiscal, em que o Fundo avalia os custos

e os impactos distributivos da adoção da medida no Brasil e em outros sete países – África do Sul, EUA, Egito, França, México, Polônia e Reino Unido. Os dados são do centro de pesquisas e de estatísticas Luxembourg Income Study (LIS) e, no caso do Brasil, se referem a 2013. A linha de pobreza relativa é definida como 50% da renda disponível per capita.

O estudo também faz simulações restringindo a transferência de recursos para pessoas com 17 anos ou menos. Nesse quadro, o custo cairia para 1,3% do PIB no caso do Brasil. O impacto sobre a pobreza e a desigualdade seria menor. A taxa de pobreza recuaria 5,5 pontos percentuais, e não 11,6 pontos, e o índice de Gini cairia 0,03 ponto. Se os brasileiros com 65 anos ou mais forem incluídos, o custo sobe para 1,7% do PIB. A pobreza diminuiria 6 pontos percentuais, mas o Gini teria uma queda idêntica, de 0,03 ponto.

O FMI lembra que a renda básica universal é definida como uma transferência em dinheiro para todos os indivíduos de um país, de igual valor, observando que o assunto tem sido “amplamente debatido” há décadas pelos economistas. “Há agora interesse renovado [no assunto], associado às percepções dos efeitos da tecnologia e da inteligência artificial sobre o futuro do trabalho”, dizem o diretor do departamento de assuntos fiscais do FMI, Vitor Gaspar, e a vice-chefe de divisão do departamento, Mercedes García-Escribano, em texto no blog da entidade.

Segundo eles, a renda básica universal “tem o potencial de produzir um impacto significativo sobre a desigualdade e a pobreza, uma vez que cobre todos os indivíduos, do topo à base da distribuição de renda”. Ao mesmo tempo, o fato de “ser universal significa que é algo custoso”, afirmam os economistas. Nos países desenvolvidos que constam do estudo, o custo estimado para implementar a renda básica universal fica em média em 6,5% do PIB; no caso dos emergentes, em 3,8% do PIB. Alguns exemplos: o custo seria de 3,7% do PIB no México e de 2,3% do PIB na África do Sul, atingindo 6,4% do PIB nos EUA e 6,8% do PIB na França.

Nesse cenário, a discussão sobre o assunto não pode ficar desligada da discussão sobre o financiamento, dizem os autores. Ao falar dos fatores que devem ser considerados, Gaspar e Mercedes destacam a necessidade de que ela seja consistente com outras prioridades fiscais, para evitar que investimentos em infraestrutura, educação e saúde sejam afetados. O modo de financiamento também importa, segundo eles, ressaltando que o programa precisa ser “eficiente e equitativo”.

O Monitor Fiscal cita argumentos pró e contra a ideia, motivo de um “debate intenso”. Os seus defensores, nota o FMI, dizem que pode ser usada como ferramenta redistributiva, além de ajudar a enfrentar a crescente incerteza resultante do impacto da tecnologia sobre o trabalho, especialmente da automação. Além disso, pode auxiliar a reunir apoio para reformar estruturais impopulares, como eliminar subsídios para alimentação e energia ou para a ampliação da base de impostos sobre consumo.

Já os contrários à medida afirmam que se trata de algo muito custoso, diz o FMI, mencionando outros problemas apontados por quem não gosta da ideia, como a possibilidade de que haja grandes “vazamentos” para quem não é pobre, incluindo famílias ricas, além do desencorajamento da oferta de trabalho.

As simulações principais do FMI levam em conta 25% da renda mediana per capita de mercado líquida, descontado o pagamento de impostos diretos. A mediana é o número que fica no centro de uma distribuição de dados. Os exercícios consideram essa transferência de renda para todos os cidadãos como algo adicional aos programas já existentes, além de não levar em conta o seu financiamento ou eventuais mudanças de comportamento em resposta à adoção do programa, nota o Fundo. O impacto redistributivo pode ser “substancial”, especialmente onde a renda é mais desigualmente distribuída e a proporção da população abaixo da linha da pobreza é grande, afirma o FMI.

O relatório traz também um cálculo dos custos e impactos considerando uma renda anual equivalente a 10% da renda mediana per capita líquida. No caso brasileiro, isso teria um custo bruto equivalente a um pouco menos de 2% do PIB, gerando uma queda da taxa de pobreza na casa de 5 pontos percentuais e uma redução do Gini um pouco superior a 0,02 ponto.

Na visão do FMI, considerar se renda básica universal é ou não um bom substituto para o sistema de benefícios sociais já existente depende do desempenho dessa rede de proteção, assim como da capacidade administrativa do governo e das perspectivas para a melhora da focalização de políticas.