Por Sérgio Tauhata e Vinícius Pinheiro – Valor Econômico

As novas empresas de tecnologia financeira – conhecidas como “fintechs” – dedicadas ao crédito passarão a ser oficialmente reconhecidas pelo Banco Central (BC). A expectativa é que a chancela do regulador ajude a estimular o setor e a concorrência no mercado de crédito, altamente concentrado no país. Essas empresas vêm ocupando nichos que os bancos tradicionais não alcançam ou não têm interesse em atuar, o que também é visto com bons olhos pelas autoridades do setor.

O BC colocou a proposta de regulação das fintechs de crédito em consulta pública no fim do mês passado. A norma prevê a autorização para funcionamento de dois tipos de empresas: as sociedades de crédito direto (SCD), que usam capital próprio para emprestar, e as sociedades de empréstimo entre pessoas (SEP), que usam uma plataforma digital para conectar tomadores de crédito e investidores – operação também conhecida como “peer to peer” ou P2P.

Empresas que adotam ambos os modelos já atuam no país, mas para operar de acordo com as normas do sistema financeiro precisaram fazer acordos para atuarem como correspondentes bancários de outras instituições. Com a nova regulação, as fintechs poderão operar de forma independente.

“A regulação traz mais competitividade para o mercado de crédito”, diz Marcelo Ciampolini, presidente da Lendico. Criada em julho de 2015, a empresa atua como correspondente do Banco BMG, que também é sócio da companhia, e já atendeu 20 mil pessoas, com um volume total de R$ 130 milhões em crédito.

Ainda não há números sobre o volume movimentado por essas empresas no país, mas os dados do mercado internacional sinalizam que há um grande potencial de crescimento. Apenas o mercado de crédito P2P deve alcançar um volume de US$ 290 bilhões em 2020 no mundo, sem considerar a China, de acordo com estimativas do Morgan Stanley.

O gigante asiático é um caso à parte. Sem uma regulação, as plataformas se proliferaram acompanhadas de uma série de problemas que vão desde má administração a esquemas de pirâmide, com captação ilegal de fundos entre investidores.

Segundo o China Banking Regulatory Commission (CBRC), em junho de 2016 o país asiático tinha 4.127 plataformas P2P das quais 1.778 eram “problemáticas”.

No Brasil, a proposta do BC proíbe que as fintechs captem recursos de terceiros, como os bancos tradicionais ao emitir, por exemplo, certificados de depósito bancário (CDB). As empresas precisarão de um capital mínimo de R$ 1 milhão para operar. Nas companhias autorizadas a operar como sociedades de crédito direto (SCD), o funding virá de recursos próprios dos acionistas.

Uma das novidades da regra é a possibilidade de as companhias terem fundos de investimento como sócios, segundo Fábio de Almeida Braga, sócio da área de finanças corporativas do Demarest Advogados. “É uma tendência observada claramente no mercado internacional, onde os fundos são participantes dessas estruturas e fornecem funding para as operações”, afirma.

Outro ponto elogiado na norma foi a previsão de que as fintechs autorizadas a operar terão acesso ao sistema de informações de crédito (SCR) do BC, que hoje é de acesso restrito aos bancos. Em contrapartida, as empresas também serão obrigadas a enviar os dados de suas operações ao sistema.

“As instituições vão conseguir mais informações sobre o tomador de crédito e o sistema financeiro terá um maior acesso às pessoas que estão tomando crédito”, diz o advogado Rodrigo Menezes, sócio fundador do escritório Derraik Menezes e integrante do conselho consultivo da ABFintech, associação que representa o segmento.

O simples reconhecimento das fintechs de crédito dentro do sistema financeiro já deve ajudar a atrair recursos para o segmento, segundo Jorge Vargas Neto, fundador e presidente da Biva, plataforma de financiamento P2P – ou SEP, na denominação criada pelo BC. “A regulação estimula os investimentos em tecnologia”, diz, ao destacar casos como o da moeda virtual bitcoin e do aplicativo de mobilidade Uber.

O fim da necessidade de atuar como correspondente de instituição financeira levará a redução de custos das fintechs que pode chegar a 40%, segundo Vargas Neto. “Essa economia deve se refletir nas taxas de juros ao tomador e também aos investidores”, diz.

Pela regra proposta no projeto em consulta pública, qualquer pessoa poderá investir concedendo crédito por meio de uma SEP, até o limite de R$ 50 mil. No caso de investidores qualificados, não existe essa restrição por valor. Em operação desde maio de 2015, a Biva realizou até o momento R$ 47 milhões em empréstimos a microempresas com recursos dos investidores que se cadastram na plataforma.