Por Fabio Graner e Edna Simão – Valor Econômico

O ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, garantiu ao Valor que a regra de ouro das contas públicas será cumprida neste ano. Mas reconheceu que é impossível atender a esse dispositivo em 2019, o que complica a elaboração da peça orçamentária que o governo tem que enviar, em agosto, ao Congresso Nacional. “O texto da Constituição é incompleto. O problema é que você não pode fazer o orçamento prevendo o descumprimento. Ela só prevê o caso de se houver problema durante a execução”, explicou.

A regra de ouro impede a emissão de dívida para pagamento de gastos correntes. Diante da impossibilidade de cumprimento do dispositivo em 2019, Dyogo afirmou que o governo quer criar uma regra “transitória, condicionada a restrições orçamentárias”, como corte de despesas obrigatórias, nos moldes do teto de gastos.

Segundo ele, a visão é que o governo tem que mandar a proposta de orçamento ao Congresso prevendo o atendimento da regra. “Precisamos preparar a legislação para que o próximo governo, ao assumir, não tenha um colapso derivado da regra de ouro”, disse.

Dyogo reforçou que a meta de déficit primário deste ano, de R$ 159 bilhões, será cumprida e reconheceu que o espaço para corte de despesa para compensar frustrações de algumas receitas é muito pequeno. O ministro disse ainda que o governo não tem condições de capitalizar a Eletrobras e que a tendência é que a receita prevista com a privatização da estatal seja mantida na programação orçamentária que será enviada até o fim do mês. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida na sexta-feira:

Valor: Qual sua avaliação sobre a política fiscal em 2017?

Dyogo Oliveira: 2017 foi um ano do ponto de vista fiscal que teve duas partes bem características. A primeira, até agosto, foi muito marcada por uma contínua frustração de receitas. Tivemos que fazer vários contingenciamentos. Na segunda, as coisas começaram a acontecer e isso resultou até o final do ano, o que tudo indica, em uma folga em relação à meta estabelecida.

Valor: Essa folga é de R$ 30 bilhões como vem sendo noticiado?

Dyogo: Ainda não tenho o número definitivo. Mas as informações preliminares mostram que realmente vamos terminar o ano com uma folga razoável.

Valor: Dá para dizer que ficará melhor que a meta antiga de déficit do governo central, que era de R$ 139 bilhões?

Dyogo: Isso eu não tenho segurança para dizer. Mas ficará melhor que a meta revisada.

Valor: Era mesmo preciso mudar a meta?

Dyogo: Foi um movimento necessário naquele momento. Temos que lembrar que não foi só a meta de 2017. Teve também a revisão da meta de 2018 e 2019 e que continuam se mostrando necessárias. Evidente que não era um movimento que nós desejávamos. Mas, naquele momento corríamos o risco de ter que fazer o “shutdown” do governo.

Valor: A receita entrou em trajetória definitiva de recuperação?

Dyogo: Os dados desde agosto vem demonstrando uma solidez da arrecadação. Ainda estamos distantes da arrecadação que tínhamos pré-crise.

Valor: Como assim?

Dyogo: Mesmo com essa recuperação, teremos uma receita que vai ser dois pontos percentuais do PIB menor do que a média dos últimos oito anos [de 2010 em diante]. Ainda é um nível de arrecadação bastante inferior ao histórico, mas teremos em 2018 uma projeção mais positiva.

Valor: A questão da elasticidade da receita ao PIB maior que 1 já está evidenciada nos dados da receita?

Dyogo: Acho que para 2017 ainda não. Para 2018, a gente ainda não fez as contas, mas é possível que sim.

Valor: É possível cumprir a meta de 2018? Quais as dificuldades?

Dyogo: É plenamente factível com esse processo de recuperação da receita administrada e, por outro lado, pela própria limitação do teto do gasto. As questões se põem sobre as medidas que foram lançadas e que não foram aprovadas. Algumas ainda podem ser aprovadas, com impacto neste ano. A quela medida dos fundos financeiros só terá impacto em 2019.

Valor: Não desistiram dela?

Dyogo: Não desistimos. Nós necessitaremos dessas receitas em 2019.

Valor: De quanto vai ser o contingenciamento de gastos deste ano?

Dyogo: Não temos ideia. Até o final do mês teremos definido.

Valor: Fala-se muito de um número próximo de R$ 20 bilhões.

Dyogo: Acho precipitado. O que se pode falar é que essas medidas [não aprovadas] representam R$ 20 bilhões.

Valor: É alto o valor de R$ 20 bi?

Dyogo: Não me parece alto nem baixo. É o valor dessas medidas que estavam em discussão. Estou alertando que não devemos nos fixar no número de R$ 20 bilhões. Há uma série de alterações que podem contar positivamente ou não. A própria despesa de Previdência pode ter redução pelo valor do salário mínimo, que é de R$ 3,4 bilhões no orçamento. Nós temos o leilão de petróleo que não está na conta. O INPC talvez vá impactar quem ganha acima do mínimo, mas isso ainda não foi mapeado. Eu sei que a imprensa quer adivinhar o número, mas hoje é um chutômetro louco. O PIB foi revisado para cima, mas tem a revisão dos outros parâmetros. “É preciso deixar muito claro que a União não tem condições de capitalizar em valores vultosos as suas empresas”

Valor: Em quanto a revisão do PIB impacta a receita?

Dyogo: Ainda não sei. Uma revisão do PIB depende um pouco da composição dele. Se a revisão for toda por exportação, o impacto na arrecadação é zero. Se for todo importação, o impacto é grande. Tem que ver a composição dessa variação do PIB para avaliar o impacto sobre a receita.

Valor: Mas o sr. falou de números que favorecem um corte orçamentário menor que R$ 20 bi. Existe um viés?

Dyogo: Também tem negativos. Reajuste dos servidores já está na conta e vai aumentar despesas com pessoal. Acho muito precipitado ficar fixando R$ 20 bilhões como sendo o número.

Valor: Para este ano, tem um limite a partir do qual não dá para cortar mais o orçamento?

Dyogo: Do ponto de vista da despesa discricionária, o orçamento já veio muito próximo do valor contingenciado de 2017. A maioria dos órgãos vai ter como orçamento o limite de 2017. As despesas discricionárias estão num nível de compressão além do qual se torna bastante difícil manter o funcionamento normal das políticas e dos órgãos. O espaço para contingenciar é muito pequeno.

Valor: O que pode complicar no orçamento deste ano é a Eletrobras. Já há sérias dúvidas sobre se o governo vai conseguir fazer a privatização, o que retiraria do orçamento R$ 12 bilhões.

Dyogo: Estamos dando andamento normal aos trabalhos que envolvem a Eletrobras. Então com as informações que nós temos, eu digo que isso pode ser mantido como uma das receitas previstas. Mas temos até o final do mês para corroborar essa avaliação. Hoje temos uma MP que está em vigor. Os estudos estão em andamento. O projeto de lei (PL) está pronto. Não há nada que me leve a crer [que ela não será privatizada].

Valor: Só com PL pode manter a receita na previsão?

Dyogo: Sim. Acho até importante explicar melhor o que é esse projeto da Eletrobras. O governo não vai vender sua participação. Vai fazer chamada de capital para injetar dinheiro na empresa, para fortalecê-la. A empresa está descapitalizada, sem capacidade de investir. O objetivo é capitalizar, modernizar sua gestão e torná-la eficiente. Hoje, ela não tem condições de competir nem aqui no país.

Valor: Se esse modelo não puder ser implementado, tem espaço para colocar capital da União?

Dyogo: A capacidade da União capitalizar suas empresas em geral hoje é muito limitada.

Valor: Dizem que a Eletrobras quebrará se não for capitalizada…

Dyogo: Não acho que a Eletrobras quebraria. Não é o que os números que a gente tem mostram. No último ano, houve uma recuperação da rentabilidade da empresa. Agora é preciso deixar muito claro que a União não tem condições de capitalizar em valores vultosos as suas empresas.

Valor: E a cessão onerosa da Petrobras. Como está a negociação?

Dyogo: Está avançando. Nós deveremos criar muito em breve ou formalizar um grupo de discussão a respeito disso. Essa questão não será considerada no orçamento.

Valor: Não é um mal sinal ter em 2018 um primário pior que 2017?

Dyogo: O resultado de 2017 é muito caracterizado por eventos extraordinários; 2018 está só começando a gente não sabe como vai terminar. Então não vejo uma sinalização negativa. O fato de em 2017 o resultado ficar melhor do que o esperado reflete uma situação de esforço e diligência na política fiscal que merece reconhecimento. Para 2018, nós não temos tantos fatores como tivemos em 2017. As projeções inicialmente são de um resultado pior, mas 2018 será mais livre de eventos extraordinários.

Valor: Apesar das declarações recentes de que o BNDES vai devolver recursos ao Tesouro, qual o plano B para cumprir a regra de ouro?

Dyogo: Este ano, não temos risco de descumprir a regra de ouro, é a primeira coisa que precisa ficar claro. Temos acertada a questão do BNDES e, mesmo que não entrasse, há outras alternativas. O resultado melhor do ano passado reduz a necessidade um pouco neste ano. Para este ano, não há risco. O problema é que para 2019 não há possibilidade de cumprir a regra de ouro. E isso está acontecendo porque temos um déficit na Previdência que é monstruoso e que está sendo financiado pela emissão de dívida. Então, precisamos preparar a legislação para que o próximo governo, ao assumir, não tenha um colapso derivado da regra de ouro. Isso será feito colocando uma série de condicionantes para o descumprimento da regra. Não será uma coisa livre. Vai ter uma série de contingências para atender.

Valor: Quais seriam?

Dyogo: Isso foi tratado ontem [quinta-feira] muito lateralmente numa reunião de duas horas. Isso está sendo preparado pelas equipes técnicas dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. A ideia original era tratar do assunto depois da reforma da Previdência. Não temos ainda uma data fixada para fechar essa discussão. Esse governo não está pedindo nenhum “waiver” [perdão] para si, não está pedindo para descumprir a regra em hipótese alguma.

Valor: Mas quais seriam as sanções a serem aplicadas, ministro?

Dyogo: Os principais controles são nas despesas obrigatórias: benefícios, incentivos fiscais, subsídios, salários. Uma regra constitucional poderia autorizar isso. As despesas discricionárias já estão completamente pressionadas. “O fato de em 2017 o resultado ficar melhor que o esperado reflete uma situação de esforço e diligência fiscal”

Valor: A regra já tem previsão de “waiver”. Por que mudá-la?

Dyogo: O que a regra diz é que, se durante o ano você descumprir, pode pedir um crédito orçamentário especial para o Congresso. O problema é que se não pode fazer o orçamento prevendo isso. A Constituição, nesse ponto, foi incompleta. Ela só prevê o caso de ter problema durante a execução. A discussão ainda não está madura e precisa ser aprofundada. Esse tema precisa ser tratado para que a gente possa fazer o envio do orçamento em agosto dentro da regra de ouro ou dentro do que vier a ser essa regra transitória, condicionada a uma série de restrições. O governo hoje não tem uma proposta sobre isso. O que temos clareza é que isso precisa ser resolvido.

Valor: Não será mais uma amarra para o próximo governo?

Dyogo: Na verdade estamos retirando uma amarra. Nós estamos dando condições para o próximo governo lidar, tratar dessa questão de uma maneira funcional, viável. Não mexer nessa regra hoje significa entregar para o próximo governo um orçamento inexequível.

Valor: Está certa a devolução de recursos do BNDES para o FAT?

Dyogo: A gente vai ver o número, mas em princípio o FAT vai precisar de uma devolução em torno de R$ 20 bilhões neste ano.

Valor: O senhor diz que para este ano o cumprimento da regra de ouro é tranquilo, mas pelos dados do Tesouro existe uma necessidade de R$ 184 bilhões.

Dyogo: A gente vai revisar esses números. Acredito que a necessidade seja menor que isso.

Valor: O governo revisou para 3% a projeção do PIB de 2018 e vende otimismo. O número já virou piso?

Dyogo: Acho que 3% é um número razoável. É o mais comum nas projeções dos analistas. É o cenário base, que depende de uma série de conjunturas. A reforma da Previdência pode ter um impacto nessa projeção, positivo ou negativo. A rejeição pode ter um impacto forte em termos de crescimento deste ano. Chegamos a divulgar estimativa que reduziria em 1,3 ponto porcentual o PIB deste ano.

Valor: O Planejamento está muito mais catastrofista que a Fazenda, que calculou em cerca de 0,15 pp o impacto da não aprovação. Por quê?

Dyogo: Nossa avaliação parte do impacto disso sobre avaliação do risco-país, que afeta variáveis financeiras, como câmbio e juros, e, a partir daí, impacta a atividade econômica. No cenário de não aprovação da reforma, teremos câmbio mais alto, juro mais alto, inflação mais alta, renda disponível mais baixa e atividade mais baixa. Se o CDS subir para 300 pontos – só para lembrar, quando este governo começou estava em 500 pontos, portanto não é um cenário catastrofista – o PIB de 2018 seria 1,3 ponto porcentual menor e o de 2019, dois pontos menor.

Valor: O governo não aumenta o risco da não aprovação da reforma piorar a economia ao deixar o mercado falsamente otimista quanto à probabilidade de aprovação dela?

Dyogo: O governo tem que defender a reforma porque nós temos a convicção de que isto é da mais alta relevância para o país. É evidente que estamos trabalhando para aprovar e acreditamos que será aprovada. Não posso dizer uma coisa diferente daquilo que nós acreditamos.

Valor: O que pode acontecer até fevereiro que faça os deputados mudarem de opinião?

Dyogo: A gente tem que fazer o trabalho de discussão, convencimento, e tentar levar à votação. É muito claro hoje o quanto é importante aprovar. Se deixar, como alguns sugerem, para 2019, evidentemente isso vai virar discussão de campanha, candidatos vão se comprometer e vai tornar mais difícil a aprovação.

Valor: Não seria mais saudável discutir isso na campanha eleitoral? Não teria mais credibilidade?

Dyogo: Acho esse um tema muito complexo. A campanha discute todos os temas do país. Acho que uma discussão superficial, rápida e eivada de posicionamentos ideológicos não é exatamente o ambiente salutar para discutir um problema técnico, complexo e com as implicações que tem para o futuro do país. Tenho falado isso com muita veemência e é preciso repetir: a situação da Previdência do Brasil é insustentável. Ela já está estourando a regra de ouro, que é uma regra de saúde da gestão fiscal. Isto vai começar a impactar todas as outras variáveis de gestão e, principalmente, inviabilizar as outras políticas públicas. Precisamos tratar disso com a maior urgência.

Valor: O sr. mandou uma consulta ao TCU pedindo autorização para repassar recursos ao Rio Grande do Norte. Isso não andou. O que sobrou para socorrer o Rio Grande do Norte e os outros Estados?

Dyogo: Não está se preparando nenhuma ação relativa aos Estados. E o caso do RN deixou muito claro a dificuldade e as limitações que o Executivo tem.

Valor: O PL que trata da reestruturação das carreiras dos servidores públicos ainda vai sair?

Dyogo: Vai. Está sendo finalizado ainda porque é muito extenso. Nós temos umas 250 carreiras.

Valor: E o Programa de Desligamento Voluntário dos servidores?

Dyogo: Vamos soltar uma medida provisória em breve restabelecendo nos mesmos termos do programa anterior.

Valor: A sensação é que o governo está paralisado e engessado porque a prioridade é a reforma da Previdência Social…

Dyogo: A verdade é que as coisas têm avançado enormemente. O governo entregou uma quantidade enorme de coisas, fizemos muitas medidas de maior vulto, outras, de menor. Agora, sempre fica um estoque para a gente continuar, se não a gente fica sem serviço. Aqui no ministério, vamos focar na nova lei de finanças públicas, que já está na Câmara e é uma pauta prioritária. Ela estabelece as bases do funcionamento da contabilidade pública, trazendo mais precisão dos conceitos utilizados na contabilidade pública. É uma lei direcionada para disciplinar o processo orçamentário e torná-lo mais realista.