Por Estevão Taiar – Valor Econômico

A implantação da reforma trabalhista pode ajudar a combater a inflação no médio e longo prazos e, consequentemente, ter um impacto sobre a política monetária brasileira, em uma espécie de “efeito dominó”. A implantação da reforma deve levar à queda da taxa estrutural de desemprego (Nairu, na sigla em inglês). Como a Nairu é também a taxa de desemprego que não acelera a inflação, um recuo levaria a menores pressões inflacionárias, principalmente as causadas pelos salários. O cenário, caso se confirme, trará “ganhos permanentes para o país”, diz Igor Velecico, economista do Bradesco.

O cálculo da Nairu é “extremamente impreciso”, segundo ele, mas economistas estimam que, no Brasil, está na casa dos 10%. Fatores como maior flexibilização para contratar e demitir e negociar cortes salariais em momentos de crise, além da diminuição da insegurança jurídica, devem levar ao recuo da taxa, segundo Velecico.

“Ao criar formas de trabalho mais flexíveis, como a jornada intermitente, a reforma permite que o empregador adapte melhor a sua produção à conjuntura econômica”, diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Alguns fatores afetam a taxa estrutural de desemprego, diz Bráulio, entre os quais estão a rigidez da legislação trabalhista, a razão entre o salário mínimo e o salário mediano e o nível educacional da população. A reforma ataca o primeiro desses fatores, mas o Brasil ainda falha nos outros, afirma. Para Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, “a reforma trabalhista permite uma combinação melhor entre empregadores e empregados”.

As dificuldades de calcular a Nairu no Brasil são as mesmas para todos os países, mas EUA (na casa dos 4%), Alemanha e Japão têm taxas estruturais menores. Por isso, é disseminada entre os especialistas a ideia de que a Nairu é demasiadamente alta no Brasil. “O desafio dos governos é encontrar um ponto de equilíbrio na regulação trabalhista que seja ao mesmo tempo eficiente e justo”, diz a MCM Consultores em relatório.

Não há certeza, contudo, sobre quais serão a magnitude e a velocidade do recuo da taxa no Brasil As resistências que o Judiciário vêm impondo à reforma podem atrasar esse processo no curto prazo. “A implantação da reforma será um processo juridicamente um pouco incerto”, afirma Gonçalves.

Nas estimativas do Itaú, a Nairu deve ir de 10% para 8,6% em quatro anos. A LCA Consultores calcula que haverá queda de 9,7% para 9%. “Passadas as incertezas jurídicas da implantação, o recuo será relativamente rápido”, diz Bráulio.

Nos cálculos do Bradesco, dois fatores levarão ao recuo da taxa. A recuperação econômica deve derrubar a taxa dos atuais

10% para 8%, revertendo o processo iniciado com a recessão, quando a Nairu subiu os mesmos dois pontos. “Crises prolongadas levam a um aumento dessa taxa, porque as pessoas demoram a se recolocar. Elas perdem habilidades”, diz Velecico.

Nos cálculos da MCM, a Nairu também está em 10%, mas a consultoria traça dois cenários para a queda da taxa: um conservador, em que ela iria para 9,4%, e o “melhor caso”, com recuo até 8,8%. Contudo, avalia a consultoria, em qualquer um dos cenários “não é possível dizer em quanto tempo o novo equilíbrio será atingido”.

O impacto da reforma na taxa efetiva de desemprego deve ser menor e mais lento do que na Nairu. As alterações na legislação trabalhista aumentarão o número de empregados formais, mas pouco contribuirão, pelo menos em um primeiro momento, para a queda da taxa efetiva. “Como há muita informalidade, a reforma deve mexer mais na composição do mercado de trabalho do que no nível de emprego”, diz Bráulio.

Na média móvel trimestral encerrada em setembro, o desemprego medido pela Pnad Contínua ficou em 12,4% – um hiato de 2,4 pontos percentual, caso a Nairu esteja em 10%. Caso a taxa estrutural caia mais do que a efetiva, o hiato crescerá.

“Isso tende a jogar a inflação para baixo”, afirma Velecico. Quando a taxa efetiva de desemprego fica abaixo da Nairu, o trabalhador tem poder de barganha maior e mais chances de conseguir reajustes acima dos ganhos de produtividade. Esse movimento faz as empresas, principalmente as com maior número de empregados, como as de serviços, a repassar esse custo ao consumidor.

Isso explica em parte a persistência e a força da inflação de serviços entre o começo de 2012, início do desemprego medido pela Pnad Contínua, até o fim de 2014. Em junho de 2014, a inflação de serviços estava em 9,18% no acumulado de 12 meses, nos cálculos de Marcio Milan, da Tendências Consultoria. Na ocasião, a Nairu e a taxa de desemprego estavam respectivamente em 8% e 6,7%, respectivamente, nos cálculos do Bradesco.

“Foi um período marcado por estímulos excessivos à economia, seja pela expansão do crédito, pelos subsídios do BNDES ou pela baixa taxa de juros”, diz Gonçalves. O oposto acontece quando a taxa efetiva fica acima da Nairu, cenário que vem se consolidando desde 2015. Ou seja: quanto mais baixa a taxa estrutural, maior a chance de a taxa efetiva ser maior do que ela, o que diminui a chance de pressões inflacionárias.

A reforma permite também que empregados e patrões negociem cortes nominais nos salários em eventual nova crise, preservando os postos de trabalho. Em vez de demitir 400 mil dos cerca de 40 milhões de trabalhadores com carteira assinada, ambas as partes poderiam acertar uma redução de 1% do salário nominal, mantendo essas vagas abertas, afirma Velecico.

“Na última crise, as empresas ajustaram de maneira intensa o fator trabalho, demitindo muito mais gente do que demitiriam agora, e mesmo assim os salários cresceram”, dificultando o combate à inflação, segundo ele.

Dadas as dificuldades de implantação, os impactos positivos da reforma sobre a estrutura inflacionária e a política monetária devem ficar para um próximo ciclo econômico, mas aparecerão, apostam os economistas. “A reforma permitirá que mais para a frente o BC use uma política monetária expansionista por um tempo maior”, afirma Velecico.

Bráulio, da LCA, mais otimista com a velocidade da implantação da reforma, acredita que ela permitirá que a Selic seja mantida em 7% “por um tempo maior”. “O hiato permanece aberto até 2021, 2022. Não ocuparemos esse excesso de ociosidade tão rápido”, diz.

Mesmo que haja queda do hiato, a estrutura inflacionária deve continuar mais favorável, com equilíbrio entre taxa estrutural e efetiva em patamar considerado mais saudável. “Você cresce por mais tempo, gera mais empregos e isso não se transforma em inflação”, diz Velecico.