Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

28/02/2019 – 05:00

Todas as regras previdenciárias, dos regimes próprios dos servidores públicos e do regime geral dos trabalhadores da iniciativa privada, passarão a ser definidas por lei complementar se a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo  governo do presidente Jair Bolsonaro for aprovada pelo Congresso. O projeto do governo promove o que os economistas chamam de “desconstitucionalização” das regras previdenciárias.

Apenas alguns princípios gerais permanecerão no texto da Constituição. A proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência estabelece ainda regras de transição, que valem enquanto as leis complementares não forem aprovadas. Esse aspecto do projeto do governo, até agora pouco divulgado, começou a ser discutido no Congresso e pelas principais corporações de servidores.

Assim, esta será a última reforma da Previdência que terá que alterar artigos da Constituição. Todas as futuras mudanças nessa área poderão ser feitas por meio de lei complementar, cuja aprovação exige votos favoráveis da maioria absoluta (metade mais um) dos membros da Câmara e do Senado. As alterações do texto constitucional exigem aprovação de três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos.

Reforma retira da Constituição as regras previdenciárias

Leis complementares de iniciativa do Executivo definirão regras de cálculo e o reajuste monetário dos valores dos benefícios, a forma de elevação das idades mínimas para requerer aposentadoria em função do aumento da sobrevida da população, a atualização dos salários de contribuição, os limites mínimo e máximo do salário de contribuição, os requisitos de elegibilidade para cada benefício, as regras para acumulação de benefícios, as condições para as aposentadorias especiais, entre outros temas.

A PEC apresentada por Bolsonaro retira da Constituição até mesmo a previsão de que os benefícios previdenciários manterão os seus valores reais. A forma de correção dos benefícios será definida pelas leis complementares, que versarão também sobre os planos de custeio do Regime Próprio de Previdência do Servidor (RPPS) e do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com as alíquotas progressivas que serão utilizadas para o cálculo das contribuições previdenciárias ordinária e extraordinária dos servidores, esta última destinada ao equacionamento do déficit atuarial dos regimes próprios. O texto constitucional definirá alíquotas progressivas para o RPPS e para o RGPS, que serão observadas até a aprovação das leis complementares.

A reforma preserva no texto constitucional, no entanto, o salário mínimo como o menor valor do benefício concedido ao aposentado rural, às pessoas com mais de 70 anos em condições de miserabilidade e aos deficientes físicos em condição de miserabilidade.

Os capítulos III, IV, V, VI e VII da PEC apresentada por Bolsonaro, que tratam das regras de transição que serão observadas após a aprovação da reforma, perderão validade depois que as leis complementares forem aprovadas. Em outras palavras, todas as regras anunciadas pelo governo, em seguidas entrevistas à imprensa, são transitórias e valem apenas enquanto as leis complementares não forem aprovadas.

Com a aprovação da reforma, o texto constitucional passa a prever um novo regime de Previdência Social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir. Todas as regras do novo regime, inclusive sobre a existência ou não de contribuição patronal, serão definidas por lei complementar. O regime de capitalização poderá ser instituído para os servidores públicos e para os trabalhadores da iniciativa privada.

Há um erro de redação no parágrafo 3º do artigo 24 da PEC do governo, que trata do “gatilho” da idade mínima para requerer aposentadoria. O parágrafo diz que as idades mínimas de 62 anos para mulheres e de 65 anos para homens filiados ao RGPS após a promulgação da reforma serão ajustadas em primeiro de janeiro de 2024 e, a partir dessa data, a cada quatro anos, “quando o aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira atingir os sessenta e cinco anos de idade, para ambos os sexos, em comparação com a média apurada no ano de promulgação desta emenda à Constituição, na proporção de setenta e cinco por cento dessa diferença, apurada em meses, desprezadas as frações de mês”.

Aparentemente, o governo quis se referir ao aumento da sobrevida do brasileiro ao atingir a idade de 65 anos, que é medida pelo IBGE. Se a diferença entre a sobrevida do brasileiro aos 65 anos em 2024 e a estimada para 2019, levando-se em consideração que a reforma será aprovada neste ano, for de dois anos, a idade mínima para requerer aposentadoria dos novos filiados ao RGPS será 66,5 anos para os homens (65 anos mais 75% de dois anos) e de 63,5 anos para mulheres (62 anos mais 75% de dois anos).

Em movimento inverso, a PEC da reforma constitucionaliza as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que são disciplinadas atualmente pela lei 8.742/1993, também conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). O projeto do governo garante uma renda mínima de um salário mínimo à pessoa com deficiência que comprovar estar em condição de miserabilidade e à pessoa com 70 anos de idade ou mais que comprove estar em condições de miserabilidade. O valor do benefício poderá ser menor para pessoas com idade inferior a 70 anos, inicialmente de R$ 400, mas que será posteriormente definido em lei complementar.

Correção

Este colunista cometeu um equívoco, na semana passada, quando disse que a mudança nas alíquotas de contribuição do RPPS da União, prevista na reforma da Previdência, daria uma economia de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos e de R$ 173,5 bilhões em dez anos. Na verdade, esses ganhos serão obtidos com toda a reforma do RPPS da União. A receita com as novas alíquotas do RPPS será de R$ 13,8 bilhões em quatro anos e de R$ 29,3 bilhões em dez anos. Agradeço ao economista Amir Khair pela observação.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras