Por Fernando Torres e Francisco Góes – Valor Econômico

07/03/2018 – 05:00

O presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, entende que o banco de fomento não deve devolver mais recursos ao Tesouro Nacional a partir de 2019, após o pagamento antecipado de R$ 130 bilhões previstos para este ano. “Depois disso o banco está zerado. Vamos ficar absolutamente justinhos, para ter um caixa que não afete nosso rating, Basileia”, disse ele ontem ao Valor, quando questionado sobre esta possibilidade.

O diretor do banco Carlos Thadeu de Freitas disse que até é possível pagar, mas aí o banco teria que reduzir muito o nível de desembolsos. “Para devolver no ano que vem teria que ficar no máximo em R$ 80 bilhões [os empréstimos no ano]”, disse Thadeu, que participou da entrevista exclusiva ao lado de Rabello de Castro.

As devoluções de recursos do BNDES para o Tesouro têm sido fundamentais, nos últimos anos, para garantir o cumprimento da regra de ouro, que impede que a União se endivide para pagar gastos correntes. O pagamento feito pelo banco de fomento é tratado contabilmente como receita de capital e em seguida usado para amortizar dívida (como despesa de capital), o que permite o fechamento das contas.

A devolução de R$ 130 bilhões pelo BNDES deve ser suficiente para resolver o problema deste ano, mas a equipe econômica já deixou claro que em 2019 a dificuldade para cumprir a “regra de ouro” será ainda maior.

Uma parcela de R$ 30 bilhões da devolução acertada para 2018 seria paga ontem. Segundo Rabello de Castro, entre os fatores que vão viabilizar o pagamento este ano sem comprometer as finanças do banco estão a baixa demanda por saques das contas antigas do PIS/Pasep, a queda nos desembolsos por causa da troca do indexador dos empréstimos para TLP e a improvável necessidade de ter que devolver recursos ao FAT, como em 2017.

Pelos dados do último balanço, de setembro, o BNDES ainda devia R$ 390 bilhões ao Tesouro, poucos dias depois de ter pago R$ 33 bilhões a União. No fim de 2017, o banco pagou mais R$ 17 bilhões e deve desembolsar R$ 130 bilhões em 2018. Contabilmente, portanto, ainda restará saldo de mais de R$ 240 bilhões a pagar.

Porém, diz Rabello de Castro, é preciso levar em conta o fato de a União ter descapitalizado o banco nesse período, quando a instituição distribuiu por vários anos quase todo o lucro como dividendo. “Nenhum acionista limpa 100%.”

Segundo dados do banco, entre 2009 e 2015 o Tesouro recebeu R$ 60 bilhões em dividendos, o equivalente a 106% do resultado contábil do período. Outros R$ 32 bilhões foram pagos em impostos sobre o lucro desse período, cifra que seria menor sem os aportes feitos pelo Tesouro.

Na linha de argumentação de Rabello de Castro, não basta olhar só os custos que o Tesouro teve com os repasses ao BNDES, mas também os ganhos. “O subsídio existe. Mas é muito mais modesto do que se diz.”

O “Livro Verde” – compilado de dados históricos que o presidente do BNDES leva a tiracolo por onde passa – traz uma estimativa de que os repasses feitos pela União ampliaram em cerca de R$ 570 bilhões os desembolsos do banco entre 2009 e 2016. Sem isso, o volume de recursos repassado ao Tesouro na forma de dividendos e impostos seria menor, diz Rabello de Castro.

Embora reconheça a necessidade fiscal do governo de usar o dinheiro do BNDES para cumprir a “regra de ouro”, ele defende que a União precisa também considerar sua “responsabilidade como acionista” e a “missão constitucional” do banco de promover o desenvolvimento do país. Isso significa, diz ele, manter a capacidade do banco de emprestar.

O valor principal aportado pelo Tesouro Nacional no BNDES na forma de empréstimo entre 2009 e 2014 somou R$ 442 bilhões – sem contar aportes com instrumentos híbridos de capital e dívida. Deste total, R$ 28 bilhões foram pagos em 2015, R$ 100 bilhões em 2016 e R$ 50 bilhões em 2017.

Com os R$ 130 bilhões deste ano, se chega a uma devolução antecipada de R$ 308 bilhões. A dívida atualizada é maior que a diferença de R$ 134 bilhões por causa dos juros sobre o saldo.

Uma solução aventada por Rabello de Castro para a dívida contábil remanescente, que no papel vence entre 2050 e 2060, seria a conversão em capital. O presidente do BNDES afirma, no entanto, que não fez proposta desse tipo para a equipe econômica.