Por Edna Simão – Valor Econômico

18/10/2018 – 05:00

A proposta de reforma da Previdência que vem sendo finalizada por um grupo de especialistas para ser entregue ao presidente eleito prevê a possibilidade de os trabalhadores, em um regime de capitalização parcial, destinarem parte do depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para contas individuais em fundos previdenciários. O projeto tem ainda outros dois pilares. Um de repartição, como o atual, pelo qual os trabalhadores na ativa custeiam os benefícios dos aposentados, e outro voltado para todos os idosos.

A implementação no país de um regime de capitalização parcial da Previdência está mais próxima do que o candidato Jair Bolsonaro (PSL) apontou em seu programa de governo, embora o candidato, em declarações recentes, tenha sinalizado visões distintas das manifestadas pelo coordenador econômico Paulo Guedes, um dos autores do programa.

Já o petista Fernando Haddad disse recentemente que vai propor um regime único de Previdência para os servidores públicos e privados, sem privilégios.

O sistema de três pilares com o da capitalização, no qual os trabalhadores têm contas individuais, ganhou corpo no debate eleitoral ao ser defendido pela equipe econômica do candidato Ciro Gomes (PDT-PE). A viabilidade da transição, no entanto, é apontada como um desafio pelos custos elevados.

O economista Paulo Tafner, um dos maiores especialistas em Previdência do país e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da USP e integrante do grupo coordenado pelo ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga, disse ao Valor que a destinação de recursos do FGTS para contas individuais de Previdência permitiria melhor remuneração do que a paga pelo fundo, que é de 3% mais Taxa Referencial (sem incluir o impacto da distribuição anual do lucro).

“O FGTS não rende praticamente nada e [a parcela destinada para um fundo] vai render juros de mercado”, afirmou Tafner, destacando que a medida não valeria para o estoque do FGTS, hoje utilizado pelo governo para financiamento de habitação, saneamento básico e mobilidade urbana. O percentual do valor do depósito mensal que poderia ser repassado para um fundo escolhido pelo trabalhador ainda não está fechado.

A destinação de recursos do FGTS para a Previdência também ajudaria, conforme Tafner, a ampliar a poupança que o trabalhador terá no momento em que opta pela aposentadoria. Mas, pela proposta, depois de feita a opção de destinar parte dos recursos do FGTS para um fundo de previdência, o saque, antes da aposentadoria, será vedado.

A medida faz parte da proposta de se introduzir gradualmente um regime capitalização parcial da Previdência Social. O projeto de reforma dos especialistas coordenados por Arminio seria adotado aos poucos para os novos trabalhadores, nascidos a partir de 2014, podendo ser ampliado para os que nasceram até 2000. Pela proposta, o teto de aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que atualmente é de R$ 5.645,80 e valeria para trabalhadores do setor público e privado, seria reduzido ao longo do tempo, até se aproximar ao que seria equivalente hoje a R$ 3,8 mil. O grupo é apartidário, e a proposta deverá ser apresentada em breve.

Tafner explicou que, como o regime será adotado gradualmente, ao longo de 20 anos, não haveria necessidade de aumentar impostos no curto prazo para bancar a transição de um regime de repartição para um regime de capitalização parcial. Ao mesmo tempo, não haveria perda de receitas.

Normalmente, os trabalhadores podem utilizar os recursos do FGTS para comprar imóvel. Além disso, podem sacar o dinheiro em situações como doença grave, demissão sem justa causa e no momento da aposentadoria. Os recursos rendem ao trabalhador TR mais 3% ao ano. Desde o ano passado, o desempenho da rentabilidade tem melhorado porque o governo passou a distribuir o lucro do FGTS. Em 2017, com a ajuda da distribuição da metade do lucro de R$ 12,46 bilhões aos trabalhadores, a remuneração foi de 5,59%.

O programa de governo de Bolsonaro fala da necessidade de distinguir o modelo de Previdência tradicional, por repartição, do modelo de capitalização, que se pretende introduzir paulatinamente no país. “Reformas serão necessárias tanto para aperfeiçoar o modelo atual como para introduzir um novo modelo. A grande novidade será a introdução de um sistema com contas individuais de capitalização. Novos participantes terão a possibilidade de optar entre os sistemas novo e velho.

E aqueles que optarem pela capitalização merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas”, ressalta o programa de governo.

A avaliação ainda é que a transição de um regime para o outro gera um problema de insuficiência de recursos na medida em que os aposentados deixam de contar com a contribuição dos optantes pela capitalização. Para isto será criado um fundo para reforçar o financiamento da Previdência e compensar a redução de contribuições previdenciárias no sistema antigo.

No programa de Haddad, é reforçado o compromisso para assegurar a sustentabilidade econômica do sistema previdenciário e manter sua integração, como definida na Constituição Federal, com a Seguridade Social. “Rejeitamos os postulados das reformas neoliberais da Previdência Social, em que a garantia dos direitos das futuras gerações é apresentada como um interesse oposto aos direitos da classe trabalhadora e do povo mais pobre no momento presente”, ressalta o documento.

“Já mostramos que é possível o equilíbrio das contas da Previdência a partir da retomada da criação de empregos, da formalização de todas as atividades econômicas e da ampliação da capacidade de arrecadação, assim como do combate à sonegação. Esse caminho será novamente buscado, ao mesmo tempo em que serão adotadas medidas para combater, na ponta dos gastos, privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira”, complementa o documento, acrescentando que o governo buscará a convergência entre os regimes próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios com o regime geral.