Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

06/03/2018 – 05:00

Se o projeto de lei complementar do senador José Serra (PSDB-SP) alterando a forma de apuração da chamada “regra de ouro” for aprovado ainda neste ano, a meta de déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e BC) em 2019 será cortada pela metade.

O déficit do próximo ano está projetado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em R$ 139 bilhões, mas o projeto determina que não poderá ser maior do que o gasto total com investimentos e inversões financeiras com impacto no resultado primário, o que resulta em cerca de R$ 70 bilhões.

No projeto, que será apresentado nos próximos dias, Serra propõe mudar a definição de despesa de capital para efeito de apuração da “regra de ouro”. Se aprovado, somente investimentos e inversões financeiras com impacto no resultado primário (aumento de capital de estatais, por exemplo) estarão incluídos no novo conceito.

A Constituição determina que o endividamento público não pode aumentar para custear despesas correntes, como aposentadoria, salários de funcionários, água, luz, telefone etc. Assim, o total de operações de crédito feitas em determinado ano não pode superar a soma das despesas de capital. O dispositivo foi chamado de “regra de ouro” das finanças públicas. Mas, até agora, a legislação definia a despesa de capital como sendo os investimentos, todas as inversões financeiras e as amortizações da dívida.

Como registra déficits primários desde 2014, o governo só consegue cumprir a “regra de ouro” com a ajuda de artifícios, como o uso do lucro contábil do BC, que é repassado ao Tesouro, da rentabilidade dos recursos da conta única do Tesouro no BC e do pagamento antecipado pelo BNDES de empréstimos recebidos da União.

O problema é que em 2019, e nos próximos anos, o governo não terá mais essas receitas financeiras e contábeis para ajudar a cumprir a “regra de ouro”. Diante disso, Serra está propondo aperfeiçoamentos no conceito de despesa de capital, preservando o dispositivo. A proposta não necessita de alteração constitucional, o que não pode ser feito devido à intervenção federal na área de segurança do Rio.

Junto com a alteração no conceito de despesa de capital, o projeto vai excluir emissões de títulos para o refinanciamento da dívida pública do montante das operações de crédito usado na apurar a “regra de ouro”. Assim, se o projeto for aprovado, o governo poderia emitir títulos para pagar o principal e os juros da dívida. Hoje, o pagamento de juros reais é considerado uma despesa corrente.

Em 2017, as despesas de capital somaram R$ 899 bilhões, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional. Desse total, R$ 783 bilhões foram de amortizações da dívida. Os investimentos somaram R$ 45,1 bilhões e as inversões financeiras, R$ 70,9 bilhões.

Se o novo conceito previsto no projeto de Serra já estivesse em vigor, as despesas de capital no ano passado somariam R$ 68 bilhões. Do total, R$ 45,1 bilhões são investimentos e R$ 22,9 bilhões inversões financeiras com impacto no resultado primário.

As demais inversões financeiras (que cobrem despesas financeiras) não seriam consideradas no cálculo, pois não impactam o resultado primário. Também não entrariam na conta os R$ 783 bilhões das amortizações da dívida.

Pelo novo conceito, o saldo das operações de crédito em 2017 não poderia ter ultrapassado, portanto, R$ 68 bilhões. E, por definição, o déficit primário não poderia ter sido superior a este valor, pois o pressuposto do projeto é que o orçamento das despesas correntes (excluído o pagamento dos juros) será sempre equilibrado.

Como o déficit do governo central em 2017 foi de R$ 118,4 bilhões, segundo o BC, o governo teria deixado de cumprir a “regra de ouro” em R$ 50,4 bilhões (R$ 118,4 bilhões menos R$ 68 bilhões), se o novo conceito estivesse em vigor – este valor teria sido o excesso das operações de crédito.

O consultor do Senado Leonardo Ribeiro, assessor de Serra, disse ao Valor que o objetivo do projeto é justamente o de preservar o objetivo original da “regra de ouro”, que é o de impedir que despesas correntes sejam financiadas por meio do endividamento público. “Com o projeto, a regra de ouro passa a controlar o déficit primário, pois não poderá ser superior ao que o governo gastar com investimentos”, explicou.

Se o déficit primário ultrapassar o montante dos investimentos, o projeto de Serra prevê que serão acionadas de imediato as sanções previstas na Emenda Constitucional 95, que criou o teto para os gastos da União. O governo estará impedido de conceder aumento ou vantagens salariais aos seus servidores, criar cargos, fazer concurso, conceder isenções tributárias ou criar despesas obrigatórias.

O projeto proíbe que o governo utilize o lucro contábil do BC, a remuneração da conta única do Tesouro e os pagamentos antecipados de empréstimos do BNDES para cumprir a “regra de ouro”.