Por Claudia Safatle – Valor Econômico

Eliseu Padilha: país foi buscar as melhores práticas internacionais nessa área

O governo identificou e cancelou a concessão de Bolsa Família para 490 mil CNPJs. O pente-fino no programa foi suficiente para acabar com a fila de espera de famílias que se enquadravam no benefício, mas não encontravam vaga. Um trabalho de checagem da perícia médica em auxílios-doença e em outros programas da seguridade social cortou quase R$ 10 bilhões em despesas do INSS este ano. A conta anual do auxílio-doença é de R$ 30 bilhões.

Essas são apenas duas fotografias do desperdício de dinheiro público que permeia os milhares de programas e projetos financiados pelo Orçamento federal.

Com a implementação da política do teto para o aumento do gasto público, de um lado, e o pedido de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de outro, o governo acelera os passos para implementar princípios de boa governança na administração pública, segundo os quais todos passariam a trabalhar com metas. A proposta é que eles abarquem os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e os três níveis de governo (União, Estados e municípios).

Segundo Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, o país foi buscar as melhores práticas internacionais nessa área, que vai além das questões do curto prazo e pretende resgatar o planejamento de médio e longo prazo da administração federal.

Para fazer da prática da governança uma obrigação de governo, serão editados dois atos: um projeto de lei institucionalizará os princípios da boa governança no arcabouço jurídico da administração pública; e um decreto que vai criar o Comitê Central – constituído pela Casa Civil, Fazenda, Planejamento e Transparência -, cuja missão será difundir esses princípios para que orientem todas as políticas públicas. E não só a posteriori. A ideia é que cada programa que vier a ser criado já tenha essa preocupação na sua concepção. O projeto de lei também trará os instrumentos para o planejamento de longo prazo (para os próximos 12 anos).

O Orçamento da União trata das prioridades do ano, o plano plurianual (PPA) aborda quatro anos, mas está pouco funcional. Não há nada que defina as escolhas do país para um tempo mais longo e pode-se dizer que a última tentativa de ter um plano de longo prazo para o Brasil foi o mal-sucedido 2º PND, do governo militar.

Foi preciso, antes, fazer com que os 200 bancos de dados existentes na esfera federal, sendo 140 só na área da saúde, conversassem entre si. Isso só começou a ocorrer após um ato presidencial assinado no ano passado. Ao permitir o cruzamento de dados da Receita Federal com os do Bolsa Família descobriu-se que quase 500 mil pessoas jurídicas (CNPJ) faziam parte do cadastro do programa e recebiam o benefício. Outro caso emblemático foi o do Fies (financiamento estudantil), que teve que se adequar a regras básicas de governança e caber nas contas do Orçamento.

Essa é uma política que não visará só os casos de desvios de função ou de ilegalidades no uso dos recursos. Pretende-se reavaliar programas mal focados, que nunca foram objeto de uma análise de resultados. Há programas com dotação orçamentária que só existem hoje porque já existiam no passado e não se sabe a quem servem. Esse é o caso, por exemplo, de vários incentivos fiscais.

Os governos passam por uma crise de confiança e isso não é exclusivo do Brasil. Estudo da agência Edelman, intitulado “Trust Barometer 2017”, com 28 países, mostra que o Brasil se destaca com um nível de confiança de 24%, bem abaixo dos demais, cuja média é de 41%. Para superar a desconfiança da população nos governos, a recomendação das principais organizações internacionais é até singela: “colocar os cidadãos no centro das decisões governamentais”.

O Tribunal de Contas da União (TCU) fez as provocações que levaram um grupo de técnicos da Casa Civil a avançar no assunto. A forte escassez de recursos públicos foi o incentivo final para o governo fazer o que nunca foi feito: cuidar da eficiência do gasto.