Por Sergio Lamucci – Valor Econômico

Num momento em que o governo brasileiro prepara um ambicioso programa de privatizações, o economista sueco Stefan Fölster destaca a importância de se buscar o aumento da competição quando se vendem empresas estatais. Diretorexecutivo do centro de estudos Reform Institute, de Estocolmo, Fölster sugere ao Brasil a criação de um fundo de riqueza nacional (FRN), para gerir de forma profissional o que chama de ativos públicos comerciais – além de estatais, o conceito engloba bens sob o controle do Estado que podem gerar retorno, como imóveis.

Para ele, o fundo poderia conduzir o processo de privatização por aqui, como ocorre em alguns dos países que adotam esse modelo para gerir ativos públicos, como já fez a Áustria. No caso do Brasil, Fölster vê espaço tanto para algumas vendas de estatais no curto prazo, que não passariam antes pelo FRN, como para privatizações realizadas pelo fundo. “Quando se privatiza, é preciso pensar com cuidado para que haja mais competição”, diz Fölster, que deixa claro não ser um inimigo da desestatização. “Ao contrário”, afirma ele, que, no entanto, acrescenta: “Privatizar sem aumentar a competição frequentemente não funciona muito bem”.

Fölster é um dos autores do livro “A Riqueza Pública das Nações”, escrito com Dag Detter, publicado no Brasil em 2016. Na obra, eles dizem que os governos têm um grande volume de riqueza negligenciada, os chamados ativos comerciais públicos, que podem gerar retorno – museus e parques nacionais ficam fora da classificação.

“Nossa avaliação é que, em todos os países onde há uma luta para reduzir a corrupção e o clientelismo, um fundo de riqueza nacional é a melhor instituição para ajudar”, diz Fölster. Segundo ele, o conselho deve ser formado em sua maioria por profissionais, podendo incluir “figuras internacionalmente conhecidas”, que possam funcionar como alerta. A ideia é isolar o FRN da política do dia a dia, para tentar evitar escândalos como os ocorridos na Petrobras e outras estatais brasileiras e também medidas clientelistas. Nesse segundo caso, ele inclui iniciativas como o controle dos preços do combustível ordenado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que proibiu por um longo período a Petrobras de reajustar a gasolina.

Fölster veio ao Brasil para participar de um seminário promovido pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV), do PSDB, e pela Fundação Astrogildo Pereira (FAP), do PPS, na semana passada. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como os governos em geral tratam os ativos públicos?

Stefan Fölster: Nenhum governo do mundo tem um quadro muito claro do que de fato possui. Isso torna a situação bem menos transparente. Para o cidadão, é muito mais difícil avaliar se o governo está fazendo um bom trabalho administrando esses ativos. Mas também é um problema porque muitas oportunidades de criar valor são perdidas. E talvez a questão mais importante é que a falta de transparência significa que há muitas oportunidades para corrupção que são impossíveis para um cidadão para ver. E há o que eu chamo de clientelismo.

Valor: Quando políticos indicam pessoas para empresas estatais?

Fölster: Sim, mas às vezes é algo menos pessoal. O governo de Dilma Rousseff instruiu a Petrobras a manter baixos os preços da gasolina. Eu vejo isso como uma espécie de clientelismo.

Valor: Como esses ativos públicos “escondidos” podem ajudar países emergentes e desenvolvidos a lidar com os problemas fiscais e estimular o crescimento?

Fölster: Nós estimamos que a riqueza pública tenha aproximadamente o mesmo tamanho do PIB global, algo entre US$ 70 bilhões a US$ 80 trilhões. Nós focamos apenas em ativos públicos comerciais, aqueles que podem gerar retornos, não falando em parques nacionais ou museus. Se o retorno sobre ativos públicos fosse mais próximo do que os melhores obtêm, os países poderiam provavelmente dobrar os seus investimentos em infraestrutura. Há também efeitos financeiros indiretos. Se um país tem uma melhor contabilidade de seus ativos públicos, é mais fácil os emprestadores avaliarem a qualidade do crédito. Com isso, ele provavelmente será capaz de tomar dinheiro emprestado a juros mais baixos. Há cerca de 20 países que introduziram o que nós chamamos de fundos de riqueza nacional, em que profissionais podem administrar estatais um pouco distantes da política do dia a dia.

Valor: Quais países têm esses fundos?

Fölster: Cingapura e Malásia, por exemplo. A Áustria tem um fundo há décadas, que tem funcionado bem. A Finlândia introduziu o seu mais recentemente, em 2008. E há também exemplos menores, como de cidades que têm algo como fundos de riqueza urbana, como a minha cidade, Estocolmo, que caminhou nessa direção.

Valor: Por que o fundo de riqueza nacional é a melhor forma de administrar ativos públicos?

Fölster: Primeiro, deixe-me dizer que esses fundos não são perfeitos. Nos países que os adotaram, há um cabo de guerra constante a respeito de qual o grau de independência política. Mas em sua maior parte eles parecem funcionar melhor que a alternativa de administração de empresas estatais por ministros, por exemplo. A nossa avaliação é que, em todos os países onde há uma luta para reduzir a corrupção e o clientelismo, um fundo de riqueza nacional é uma instituição melhor para ajudar. O modo de fazer isso é formar uma controladora [holding], assegurar que o conselho tenha profissionais suficientes, com alguns políticos talvez, mas também algumas figuras internacionalmente conhecidas, que possam funcionar como alerta. Já no caso das pessoas que forem empregadas pelo fundo, elas não devem ser especialistas em finanças como em fundos soberanos, mas ter um perfil mais como os de especialistas em indústria, como de fundos de “venture capital”, que sejam bons em ver oportunidades de criação de valor.

Valor: É correto dizer que o FRN é uma terceira via entre manter uma empresa estatal ou privatizá-la?

Fölster: Acho que algumas pessoas classificariam desse modo. Eu diria que, para qualquer coisa que o país decida que deve continuar como propriedade do Estado, um fundo de riqueza nacional é a melhor maneira de fazer a gestão. Além disso, se um país também decide que quer privatizar mais, também é bom deixar o fundo de riqueza nacional fazer isso. No processo de privatização, há muitas oportunidades de corrupção. Frequentemente um fundo de riqueza nacional pode fazer isso de modo mais profissional. E é politicamente muito mais fácil. Nos últimos 30 anos, o fundo austríaco vendeu algumas empresas estatais quando o momento era apropriado, ganhando dinheiro que foi repassado ao governo.

Valor: O sr. tem uma estimativa do tamanho dos ativos públicos no Brasil?

Fölster: A riqueza pública ainda é muito grande no Brasil. Mas eu não tenho um número exato. Muita coisa pertence aos governos locais.

Valor: Uma melhor administração dos ativos públicos pode ajudar o Brasil a enfrentar no curto prazo o problema fiscal e as necessidades de infraestrutura ou é algo que teria um impacto mais forte no médio e longo prazo?

Fölster: Há um efeito de curto prazo. Se o Brasil se mover para um fundo de riqueza nacional, isso melhoraria a confiança no governo e poderia melhorar a qualidade do crédito e a confiança dos investidores. Ao mesmo tempo, o canal de melhorar a governança, de ter empresas mais eficientes, levaria anos. Para a maior parte dos países, nós defendemos que haja um fundo de riqueza nacional, mas o Brasil é tão grande e tão variado que acho que há argumentos para dividir algumas coisas. É possível pensar em fundos de riqueza regional.

Valor: Porque muitas estatais e ativos pertencem a Estados e municípios?

Fölster: Sim. E também porque uma empresa como a Petrobras é tão grande que pode ser um problema em si mesma. Deve-se começar com um fundo de riqueza nacional, dando instruções a ele para examinar o tamanho das empresas. Algumas dessas companhias talvez devam ser separadas, por serem muito grandes.

Valor: O sr. obviamente sabe dos grandes escândalos de corrupção envolvendo empresas estatais como a Petrobras. Esse tipo de problema seria evitado com um FRN?

Fölster: O fundo é a melhor receita disponível, mas não é uma bala de prata. Mesmo o FRN se tornar corrupto. É apenas um instrumento na caixa de ferramentas. Igualmente importante é a transparência, por exemplo.

Valor: O governo brasileiro anunciou um programa ambicioso de privatizações, em parte porque o país está numa situação fiscal delicada. Como o sr. analisa a privatização em si e também nesse quadro?

Fölster: Acho que um fundo de riqueza nacional deve ser criado, uma empresa com Eletrobras, por exemplo, deve passar ao fundo e o fundo deve comandar a privatização. E há tanta riqueza pública comercial no Brasil que dá para fazer os dois. É possível vender empresas no curto prazo e ainda ter o suficiente para o fundo no longo prazo. E há uma regra importante a ser definida. A receita obtida não pode ser usada para o consumo público. O dinheiro só deve ser usado para reduzir a dívida líquida ou para bancar novos investimentos públicos.

Valor: O sr. lembrou que Dilma impediu a Petrobras de aumentar os preços da gasolina. Como avalia esse tipo de iniciativa?

Fölster: Muita gente acha que empresas estatais são estatais não apenas para gerar lucros, mas também para perseguir objetivos sociais e públicos. Com isso, avaliam que é bom que sejam estatais. Mas, o que nós vemos é que governos frequentemente mandam as companhias tomar medidas que são boas para os seus eleitores ou para quem os apoie. Com isso, as coisas não ficam muito transparentes e ninguém sabe qual é o custo dessas medidas. O que nós defendemos é que os fundos de riqueza nacional tenham uma diretiva muito simples – maximizar os retornos. Se o governo quer perseguir um objetivo social ou público, deve pagar a estatal por esse serviço.

Valor: O sr. não é então um inimigo de privatizações.

Fölster: Ao contrário. Mas, tendo dito isso, há vários exemplos de que privatizações foram mal feitas, sem aumentar a competição. Quando se privatiza, é preciso pensar com cuidado para que haja mais competição. Privatizar sem aumentar a competição frequentemente não funciona muito bem.

Valor: Qual deve ser a ênfase do Brasil em relação a suas estatais?

Fölster: Eu gostaria de ver um foco adicional na qualidade da governança. Assim que possível, introduzir um fundo de riqueza nacional, colocar os ativos lá e deixar o fundo ajudar na privatização. No caso daquelas em que o mercado não estiver pronto e os preços estiverem baixos, pode se colocar no fund, para que ele as venda quando chegar o momento adequado.