Por Rodrigo Carro – Valor Econômico

A partir da Constituição de 1988, o Brasil montou um Estado de bem-estar social comparável – ao menos em termos de gastos – aos estruturados por países desenvolvidos. Enquanto o governo norueguês gastou o equivalente a 25,1% do Produto Interno Bruto no ano passado, no Brasil esse percentual chegou a 25,7%, incluindo as esferas federal, estadual e municipal. Alemanha e Reino Unido desembolsaram um pouco menos: 25,3% e 21,5% do PIB, respectivamente.

Por detrás desses percentuais similares de gastos públicos no campo social – compilados pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida – estão grandes diferenças em termos quantitativos e qualitativos que levantam dúvidas sobre a sustentabilidade do “welfare state” brasileiro, alerta ele. “Apesar de o Brasil gastar mais, metade é com Previdência”, diz Mansueto. As despesas relacionadas à Previdência Social consumiram no ano passado 13% do PIB brasileiro, mais de duas vezes o percentual investido em educação pública (6%) e quase três vezes a porcentagem destinada à saúde (4,5%), informa o secretário.

“O Brasil tem um Estado de bem-estar social. O gasto [social] cresceu e vai aumentar mais ainda, mas a percepção da população sobre a qualidade dos serviços públicos piorou”, ressalta Marcelo Neri, diretor do FGV Social. De maneira geral, o gasto público – medido pela despesa primária do governo central – cresceu em mais de um terço nos últimos 20 anos, como proporção do PIB. Saltou de 14% do Produto Interno Bruto, em 1997, para 19,9%, em 2016. A expansão pode ser explicada, em parte, pela regulamentação posterior de uma série de direitos incorporados à Constituição de 1988, mas cujos efeitos só foram sentidos no médio e longo prazos.

“O Brasil que saiu da Constituição de 1988 não era compatível com o tamanho do PIB”, diz Mansueto. Como exemplo, o secretário do Ministério da Fazenda cita o Sistema Único de Saúde (SUS). Ao menos no papel, o sistema de saúde pública adotado a partir da Carta Magna de 1988 é superior ao do Inglaterra. “O SUS é universal, integral e gratuito. Na Inglaterra, o sistema não é integral: não cobre todos os procedimentos”, contrapõe Mansueto. Mas, enquanto no Brasil 50% dos gastos com saúde são públicos, na Inglaterra este percentual chega a 85%.

“Temos aspirações de ter uma saúde inglesa? É válido”, argumenta Manuel Thedim, diretor executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). “Só não podemos esquecer que somos um país de renda média”. Embora desembolse mais que o Reino Unido em termos percentuais, o Brasil tem gasto social per capita muito inferior ao britânico.

Além de ter uma população três vezes maior que a do Reino Unido, o Brasil tem um PIB inferior.

“Se fôssemos gastar por pessoa o que o Reino Unido gasta com saúde precisaríamos investir 30% do PIB”, esclarece Mansueto, acrescentando que a Previdência “desloca” gastos que poderiam ser feitos em educação e saúde. “A principal transferência de renda, que acontece via Previdência Social, vai para a camada de média renda da população”, argumenta ele, que é favorável à continuidade do Bolsa Família. Em 2016, o Brasil gastou, como percentual do PIB, o mesmo que o Japão com Previdência, apesar de o país asiático ter uma proporção de idosos na população quatro vezes superior à brasileira.

Embora considere a reforma da Previdência importante (“por razões de justiça, não só pela questão fiscal”), Marcelo Neri enxerga uma forte polarização no debate atual sobre gastos públicos, com um viés mais econômico se contrapondo a outro de cunho social. “Reduzimos a pobreza, mas acabou o combustível porque batemos nas contas fiscais”, afirma Neri. “O risco que corremos é de voltarmos ao período pré-anos 1980, com ênfase total na economia”, acrescenta Neri, numa referência à época do chamado “milagre econômico”. Na avaliação do economista da FGV, falta uma análise mais aprofundada das políticas sociais em vigor: “Não sabemos o custo-benefício desse Estado de bem-estar social”, diz.

“Quanto cada real gasto impacta a pobreza e a produtividade do ensino, por exemplo?”.

Benefícios como o Bolsa Família e o seguro-desemprego (acrescido de abono salarial) têm um custo relativamente modesto dentro do “Estado de bem-estar social” brasileiro. No ano passado, consumiram, respectivamente, 0,5% e 0,9% do PIB. Já o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) consumiu 8,1% de todas as riquezas geradas no país.