Antonio Temóteo, Paulo Silva Pinto e Vicente Nunes – Correio Braziliense

4/02/2018 08:00

Para Paulo Rabello de Castro, a aplicação de recursos sempre existiu, mas não na velocidade exigida pelo país. Ele defende mudanças no Orçamento para que não se tire recursos de financiamento para pagar despesas obrigatórias

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), Paulo Rabello de Castro, defende que 2018 será o ano de retomada gradual da economia. Para ele, a palavra-chave para a reação é investimento que “está vindo sempre”, só que em proporções aquém da necessidade do país.

Rabello de Castro, filiado ao PSC, é pré-candidato à Presidência da República. Apesar de garantir que sempre entra em disputa para tentar ganhar, admite, caso seja confirmado pelo partido — a definição só sai após o período de desencompatibilização —, trabalhará para ajudar que o PSC avance.

O comandante do banco de fomento defende que o Orçamento no Brasil seja feito a partir dos investimentos necessários ao país para só,então, se pagar o resto. Atualmente, para garantir o pagamento das despesas obrigatórias, se corta exatamente no que poderia garantir sustentabilidade ao país. Ele alerta que a devolução de R$ 130 bilhões do caixa do banco para o Tesouro Nacional deve ser o último. Ele explica que se, no ano que vem, o governo pedir mais alguma coisa, o banco será descapitalizado.

A entrevista ao Correio foi concedida na última quarta-feira, antes do executivo aparecer nas investigações do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal por suposto envolvimento com operações fraudulentas na Postalis — fundo de pensão dos empregados dos Correios. Procurado, ele não quis responder a perguntas adicionais sobre o caso.

O senhor é candidato a presidente da República?

Apesar de ter aparecido no programa do PSC, o partido a que sou filiado acha que temos que esperar a reta final de descompatibilização para ver como fica a situação. O PSC, embora de porte médio, é um partido muito bem organizado. Caberia menos a mim e mais ao pastor Everardo responder a essa pergunta, já que o capitão Bolsonaro ainda está no PSC. Acredito que chegará o momento em que as cartas estarão na mesa.

O senhor entraria para ganhar?

Mesmo quando entro no time perna de pau, a gente tenta ganhar. Brincadeiras à parte, significa dizer que a gente entra com uma serenidade que outros de carreira já não entrariam. Pelo que eu entendo do pastor Everaldo e da executiva do PSC, eles vão ficar satisfeitos se eu fizer todo o esforço, mesmo que eu morra na praia. Vai ser positivo para formar uma bancada. É um pouco a tese do PT sem Lula. Temos que andar. Independentemente de conseguir, eu tento o máximo que posso e eles avançam. Porque, no mínimo, a minha contribuição lateral não será negativa.

E como o senhor avalia os políticos brasileiros?

Não tenho uma visão estigmatizada do político brasileiro que você colocou em uma classe só.

Quais são essas classes?

Tem o cara que tenta, decididamente, ser correto. Na direita, na esquerda ou em qualquer lugar. Temos gente da qual nunca se falou nada. De alguns, por acaso, até poderia se falar, mas nunca se falou. Existem mesmo os de quem não há o que se falar. Quantos por cento, não sei. Mas não é um número insignificante. Depois tem uma ralé que também acho que é minoritária. E também tem a turma que tenta colocar uma emenda parlamentar, negociar, associado ao baixo clero.

O sistema é disfuncional?

Ele é disfuncional, claro. Por causa das dificuldades de se ter uma representação significante. Por não termos o político mais próximo a nós no distrito ou distrito misto.

Teria que ser voto distrital?

Mas com certeza teria que ser alguma forma distrital, para qual o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) já fez a conta. É um trabalho lindo que identifica as 560 cidades de influência.

Esses seriam os distritos?

Por que não? Coincidência muito boa ter o Brasil pelo menos mapeado em 560 setores por assim dizer que falam entre si e são municípios próximos. Mas muita gente perguntaria qual é o distritão. Temos um trabalho estatístico técnico pronto.

Também seria assim nas capitais?

Esses ajustes seriam necessários, mas já temos muito mais do que meio caminho andado para o distrito.

Não dá para cortar o setor público pela metade?

Metade não. Mas 20% é um bom chute.

Já ajuda?

Faz conta. Acabaríamos com o deficit primário. O custo total no plano federal é de R$ 1,3 trilhão. 10% disso são R$ 130 bilhões. O deficit do ano passado foi R$ 124,4 bilhões. Mas, se fizermos algumas rubricas 15%, e, em outras 20% a 22%, conseguiríamos um ajuste.

Esse discurso cola como candidato?

Estava falando sobre a serenidade. Como a gente não tem, efetivamente, a obrigação de entregar um produto, podemos fazer um debate claro mostrando as necessidades do país. O discurso deve ser ponderado. Um gaiato como eu não tem obrigação nenhuma. Mas dificilmente sabemos quem vai sair vitorioso do processo. Dificilmente serão os extremos. Mesmo se o Lula concorrer, terá uma dificuldade grande pela rejeição que possui. Vai haver uma fratura, dependendo de quem seja o outro lado. De qualquer jeito, ele não tem jeito.

Os extremos não terão chance?

O senhor Bolsonaro, se não tiver o Lula, ele se desidrata um pouco.

“Você tem um terreno. Ele tem que ser divido por dois e um fica puxando a cerca para lá e para cá.  Não há aumento de terreno. Sempre que alguém ganha, o outro perde. Isso não é um jogo bom. O jogo bom é ter um terreno cada vez maior, com todo mundo ganhando cerca. E isso depende da palavra-chave: investimentos”

Como clarear o Brasil?

O Brasil já está sendo clareado porque dentro desse esquema geral da ponte para o futuro, que o Fernando Henrique Cardoso disse que era uma pinguela, eu acho que há uma boa ponte de 12 toneladas, que dá para passar até um caminhão. As reformas trabalhistas, o controle de despesas, a lei das estatais e a reforma do ensino médio.

O país já voltou para os trilhos e crescerá de maneira sustentável?

O Brasil que não cresce, ou que não cresce adequadamente, é aquele que restringe espaço e oportunidades para todos nós. Esse é um primeiro dado fundamental. Não adianta querer crescer às expensas do vizinho. Você tem um terreno, ele tem que ser divido por dois e um fica puxando a cerca para lá e para cá. Mas não há aumento de terreno. Sempre que alguém ganha, o outro perde. Isso não é um jogo bom. O jogo bom é ter um terreno cada vez maior, com todo mundo ganhando cerca. E isso depende da palavra-chave: investimentos. E investimentos têm a ver com o BNDES e outras partes. O estoque de crédito para a pessoa jurídica já chegou a 28% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje está em 21,9% do PIB. Mesmo 28% não eram lá essas coisas. O crédito total chegou a corresponder a 55% do PIB. Países mais bem estabelecidos têm um estoque de crédito que corresponde a 80%, 90%, 120% do PIB. As empresas não ganham dinheiro, nem têm dinheiro a crédito.

O BNDES, nos últimos quatro anos, registrou encolhimento nos desembolsos de crédito. O que ocorreu?

Temos um problema de demanda no país. Não vamos falar dos últimos quatro anos, porque até 2014 houve crescimento do estoque de crédito no país. É basicamente um refluxo entre os anos de 2015, 2016 e 2017. E, portanto, começa na gestão de Luciano Coutinho. E isso não tem nada a ver com o Luciano Coutinho. Tem tudo a ver com a demanda que começava a refluir e atingiu um ápice de desaceleração em 2016. E entramos em 2017 aterrissando. A novidade é que em dezembro tivemos uma forte inversão positiva tanto de consultas, enquadramentos e aprovações.

Estamos em um ano de retomada?

É, sim, um ano de retomada, mas gradual.

A retomada dos investimentos só ocorrerá no ano que vem, com a definição do próximo presidente da República?

Não dá para simplificar assim. Ele está vindo sempre. Só que em proporção aquém das nossas necessidades. O investimento está ocorrendo, tende a repetir, no mínimo, o resultado de 2017. Nunca esteve em um patamar tão baixo em proporção do PIB — quando o IBGE completar os dados, deve atingir 16% do PIB. Países que querem crescer investem 25% ou um quarto do PIB. Com esse quantitativo, mal estamos cobrindo a depreciação do capital das empresas públicas e privadas. O investimento que não só cubra a depreciação pode ser que não aconteça ainda este ano.

Por que isso não aconteceria esse ano?

Por dois motivos principais. Um grande investidor singular e indutor é o governo federal e esse nunca investiu tão pouco. E sei que o meu ministro Dyogo (do Planejamento) fica muito triste. O que mais o desgasta é ter que cortar na linha de investimentos para ajustar o quantitativo da despesa. Mas é inapelável, porque temos aquela discussão sobre as despesas discricionárias. É um nome bonito e impossível de o público entender, mas é a única que está sacralizada para ser paga independentemente de qualquer coisa. Uma exata inversão de tudo de que o Brasil precisaria, que é começar a fazer um orçamento de investimentos e depois pagar o resto, na medida da necessidade. O governo nunca conseguiu repetir os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou no período do milagre econômico, quando aplicava de 4% a 5% do PIB em investimentos.

Mas o PAC é fraude?

O PAC é um roll de obras e virou o PPI, que é a maneira de retomar o que é possível. Eu acho que este governo, sendo de transição, se organizou bem para entregar o possível. Como não quis fazer demais e estão acompanhando o que realmente é possível fazer, as coisas estão acontecendo. O restante da transposição do Rio São Francisco é um exemplo disso. Mas as grandes obras de envergadura, como a construção de ferrovias, não tenho notícias de nenhuma.

Investimentos no Brasil se tornaram operação da Polícia Federal e do Ministério Público?

Exatamente. É uma piada dark. O primeiro motivo para a não retomada do investimento é este: o governo federal não ser indutor. A crise fiscal também tem uma responsabilidade pela perda de investimentos e de crescimento. Não associamos essas coisas. Outro motivo é circunstancial. Em um ano eleitoral, como 2018, uma série de aprovações a partir de abril ficam prejudicadas. As regras, que nem eu conheço direito, impedem parte dos investimentos. Alguns não poderão ser tocados ou financiados pelo setor público. Vale a pena acrescentar uma terceira razão relacionada ao setor privado. Resulta de um excesso de capacidade instalada não utilizada.  O industrial que tem 40% da fábrica não utilizada até almeja a voltar a investir. Fará o investimento de recuperação de depreciação, mas sem expansão. E os investimentos estrangeiros são para aquisição. É apenas uma troca de comando.

Há salvação para a indústria nacional?

O que não tem salvação é o Brasil do setor público. Temos empreendedores de primeira grandeza, um escalonamento de futuros grandes empresários.

Mas o setor encolheu a metade em percentual do PIB…

É metade do que era porque, na recessão, as empresas começaram a engolir água, a engolir impostos. Por dificuldade de manter o mercado do mesmo tamanho, os empresários diminuíram a margem de lucro para, no fundo, pagar o impostos. O fenômeno da recessão fez os industriais descobrirem que estão pagando para trabalhar.

“Países que querem crescer investem 25% ou um quarto do PIB. Com esse quantitativo, mal estamos cobrindo a depreciação do capital das empresas públicas e privadas”

E qual é o BNDES de Paulo Rabello Castro? É o BNDES dos industriais, que sempre estiveram com o pires na mão, ou o banco da inovação?

Só não acho que essa coisa existe, porque o BNDES da hospitalização de empresas ocorreu de forma muito marcada no tempo nos anos 1990 quando, de fato, se percebeu uma grande crise da indústria brasileira com a crise inflacionária no país. Depois, o Plano Real estabilizou isso e, portanto, acho profundamente injusto, embora não tenha polemizado, a pecha de que o industrial tenha no BNDES um jardim de subsídios. Ao longo e 10 anos, em termos corrigidos, de dividendos e pagamentos de Imposto de Renda, que nenhum banco de desenvolvimento paga para o próprio acionista, nós produzimos R$ 130 bilhões de resultado. E somos responsáveis por cerca de 40% do superavit primário que o governo conseguiu fazer quando fazia. E de onde eu tirei isso, do empresário ao qual eu emprestei.

Em compensação, o BNDES levou R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional.

Originariamente R$ 440 bilhões. Mas teria sido melhor o Tesouro Nacional não ser tão generoso emitindo títulos para 2050? Essa é uma discussão sobre capitalizar o banco com aumento do endividamento e retirar com a outra com o pedido de devolução.

E agora o governo quer tirar mais um pedaço?

Quer não. R$ 30 bilhões, o próprio Luciano Coutinho entregou ao Joaquim Levy (ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff). Ninguém se lembra disso. Outros R$ 100 bilhões a Maria Silvia (ex-presidente do BNDES) pagou. São R$ 130 bilhões. Eu paguei R$ 50 bilhões no ano passado. Já está mais ou menos no fluxo de caixa a possibilidade de devolução de mais R$ 130 bilhões. Eu digo tentativa, porque não sabemos quantas outras coisas o banco ou o governo precisará repassar.

Na sua avaliação, esse dinheiro não deveria ser devolvido?

Não é uma questão de não devolver. No mundo ideal, eu queria ter um monte de demanda por novos investimentos e, não estando pressionado, preferiria utilizar recursos, que de qualquer jeito já viraram dívida, para ajudar no processo de recuperação de economia. Dado que, em nossa projeção, as nossas amortizações cobrirão a demanda por novos investimentos a grosso modo, isso faz sobrar no caixa esses R$ 130 bilhões. Eles estão chupando de volta o produto amargo da recessão. Fazendo as contas, são R$ 310 bilhões. Sem colocar correção monetária, a gente já teria devolvido tudo o que seria justo e razoável para o banco não ficar descapitalizado. Ou seja, se a gente conseguir devolver R$ 130 bilhões, e pedirem mais alguma coisa no ano que vem, o banco ficará descapitalizado. Como o ano só termina em 31 de dezembro de 2018, pretendemos devolver alguma coisa agora, em fevereiro. O pedido foi de R$ 30 bilhões e a parte complementar, qualquer que ela seja, lá para o segundo semestre porque teremos uma noção do que terá acontecido com os investimentos. Aí é uma conciliação entre a motivação de desenvolver e a motivação de salvar o governo de um descumprimento da regra de ouro.

O BNDES corre o risco de ficar sem dinheiro para emprestar se a economia e a demanda voltarem a crescer?

Não porque, se crescer muito, vai nos demandar mais cerca de R$ 25 bilhões.

A meta para este ano é de emprestar R$ 90 bilhões?

São estimativas. A gente sabe que, no ano passado, as concessões fecharam em R$ 70,7 bilhões. Se acrescentar R$ 20 bilhões, chegaremos aos R$ 90 bilhões, especialmente para micro, pequenas e médias empresas, onde está o foco da nossa gestão.

Mas o banco continua emprestando para as grandes empresas…

É, mas o que você quer? Se você for um grande matemático, grande por definição é sempre grande. Quantas micro e pequenas eu preciso juntar devidamente para dar o tamanho de uma hidrelétrica em termos de financiamento. Não significa que não tenha um caminho de micro e pequenas empresas que precisam ser atendidas em um futuro a médio prazo. E, para isso, estamos reestruturando o banco completamente. O plano estratégico começará a ser implementado este mês.

Mas não com a criação de campeões nacionais como vimos no passado…

Os campeões nacionais eram os desconhecidos de anteontem. Era o açougue dos Batista (ele se refere a JBS). É um estigma. Como está associado na porta ao lado a uma relação espúria e carnal de dinheiros, que não saíram de um empréstimo. Duas CPIs estão sendo concluídas e zero de alegações. Portanto foi uma relação carnal que poluiu uma política pública que está longe de ser condenável. No máximo, poderiam polemizar academicamente quanto que um governo poderia gastar. Os japoneses fizeram isso, os coreanos fizeram isso.

Essa política teve sucesso?

Teve sucesso. Há notícias de que o BNDES é acionista da Totvs? Não. Ninguém conhece. A Weg é outro caso. Quantos bilhões foram emprestados para a empresa? Usou perfeitamente. É uma estupidez estigmatizar o esforço de internacionalização das nossas empresas.

Mas a base de propina não é possível aceitar.

Mas é claro que não. Estamos fartos de saber que o Brasil é o país da propina. O México também é. Na Coreia, de vez em quando, tem alguém preso. Na China, colocaram em cana candidatos a tomar o lugar do primeiro-ministro. Ou seja, onde há recursos abundantes e concentrados, é necessária grande atenção. Tem que se olhar com cuidado e carinho. Há propensão a isso acontecer. No BNDES, por sorte, o sistema de aprovação de crédito me torna a rainha da Inglaterra. Os pedidos surgem da gerência. Há uma consulta prévia. Não dizer que amanhã darei uma grana para qualquer pessoa e mando um aviso. Nos outros bancos públicos, pode ser até que essa aprovação paraquedista ocorra. No BNDES, não é possível, na prática, que isso ocorra. Acho que esse é o principal fator que não incentiva os casos de corrupção.