Entre 53 estados e municípios que firmaram Parcerias Público-Privadas, 42 não têm projeção desse gasto sobre o orçamento futuro

Taís Hirata – Folha de São Paulo

11.mai.2018 às 2h00

No Brasil, 53 estados e prefeituras têm PPPs (Parcerias Público-Privadas) em vigor, mas 80% deles não acompanham de forma adequada o impacto fiscal de longo prazo de seus contratos –que implicarão pagamentos mensais por períodos que vão de 8 a 35 anos.

O levantamento, que considera PPPs assinadas até o fim de 2017, foi feito pela Folha com base em dados da consultoria Radar PPP e relatórios de execução orçamentária dos entes públicos, enviados pelo Tesouro Nacional via Lei de Acesso à Informação.

Dos 53 governos que têm contratos vigentes, 42 não fazem registro dos pagamentos em seus balanços ou estão descumprindo regras fiscais. Apenas cinco deles preenchem os requisitos definidos pelo Tesouro. Os demais cumprem parcialmente.

A falta de registro do impacto fiscal desses contratos de longo prazo é preocupante, segundo especialistas, porque facilita que governantes firmem PPPs sem uma avaliação adequada, jogando a conta para os prefeitos e governadores futuros.

“A PPP é um mecanismo de financiamento. O governo obtém a infraestrutura imediatamente e paga ao longo do tempo. Se o governo optar por fazer a PPP sem considerar se é a opção mais eficiente, ele pode varrer para debaixo do tapete o custo da obra. Mas o custo virá”, afirma o especialista em PPPs do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Marcos Siqueira.

Em março do ano passado, a instituição já havia constatado, em um estudo, essa falta de acompanhamento –situação que já levou países como Portugal e Grécia a terem graves problemas de comprometimento fiscal devido à assinatura irresponsável de PPPs.

“O problema se aprofunda a cada minuto, na medida em que novos contratos são firmados no país sem que haja esse acompanhamento”, diz.

Em 2017, a procura de prefeituras por parcerias foi recorde. Segundo a Radar PPP, foram lançados 140 PMIs, processo em que governos chamam empresas a fazerem estudos de viabilidade de projetos que podem virar PPPs.

Questionado sobre o tema, o próprio Tesouro Nacional reconhece que o controle é falho, porque o recebimento das informações depende do envio pelos governos. O órgão diz também que há casos claros de “baixa qualidade das informações” enviadas.

As primeiras regras de acompanhamento fiscal das PPPs foram criadas em 2006, em um momento em que governos começaram a estruturar projetos nos quais o ente público assumia muitos riscos no contrato, diz Enrico Bentivegna, sócio do Pinheiro Neto.

“A grande diferença das PPPs para as concessões regulares é que o governo assume parte dos riscos, mas é preciso ter um equilíbrio. As regras serviram como um freio.”

A regulamentação foi aprimorada pelo Tesouro ao longo dos anos. Hoje, há alguns limites, como o teto de 5% para o quanto da receita das cidades e estados pode ser comprometida com pagamentos a parceiros privados.

Além disso, é preciso registrar nos balanços os chamados passivos contingentes, que são os gastos que a prefeitura possivelmente poderá ter caso os riscos da PPP se materializem.

Outra diretriz –e uma das menos seguidas pelos governos até agora– é a de que todos ativos e passivos do contrato (ou seja, o valor de tudo que já foi construído no âmbito da PPP e tudo o que ainda falta pagar) sejam computados no balanço.

FALTA FISCALIZAÇÃO DE TRIBUNAIS DE CONTAS E UNIÃO, DIZEM ANALISTAS

Para especialistas em contas públicas, caberia aos tribunais de contas e ao governo federal ampliar a fiscalização aos estados e municípios.

“Os tribunais não cobram porque falta expertise. É um arcabouço normativo recente, e os órgãos ainda não se qualificaram para esse acompanhamento. Hoje eles fazem um controle dos projetos, mas não a auditoria financeira”, afirma Robson Zuccolotto, professor da Universidade Federal do Espírito Santo.

Para o economista fiscal sênior do BID Gerardo Reyes-Tagle, as regras para acompanhamento do impacto são boas. O problema está no registro dos dados. Ele avalia que a União também precisaria criar mecanismos de acompanhamento porque caberá a ela prestar socorro às cidades e estados caso algum problema ocorra.

“O governo federal é também responsável, em última instância, pelos recursos dos entes subnacionais”, diz.

Há, no entanto, um problema de autonomia federativa, afirma Zuccolotto. “O conselho federal não pode fiscalizar ou punir.”

O Tesouro afirma que está desenvolvendo mecanismos para aprimorar o acompanhamento do impacto fiscal das PPPs no país.

Um deles é a criação de uma estrutura que reunirá os relatórios das cidades e estados de forma padronizada, o que facilitará a comparação dos dados. Além disso, estão sendo criados instrumentos para “avaliar, criticar e comparar a qualidade de informações prestadas atualmente pelos entes”, afirmou, em nota.