Por João Luiz Rosa – Valor Econômico

14/08/2018 – 05:00

Com tantos problemas para resolver, é possível que o próximo presidente da República deixe para segundo plano a necessidade de formular uma política de inovação para o país. O risco é que o assunto pareça supérfluo diante de hospitais que não funcionam, falta de segurança e desemprego, só para citar alguns desafios urgentes. Se for assim, será uma pena.

O país está atrasado nessa questão e, à medida que a tecnologia avança, o preço desse desinteresse ficará mais alto – uma conta que todos os brasileiros terão de pagar.

O país reúne todos os ingredientes para inovar, disse ao Valor, recentemente, o francês François Dossa, da empresa de participações Alliance Ventures. Há universidades, fundos de capital de risco, investidores-anjo e candidatos a abrir seus próprios negócios. Falta, porém, uma visão de longo prazo capaz de estabelecer um ecossistema coerente entre as partes.

“Torço para que o Brasil crie políticas públicas para organizar isso”, disse o executivo. Quem sabe como é difícil inovar diga amém.

Avanço tecnológico torna preço do atraso mais alto

Organizar o ambiente de inovação depende de diretrizes e políticas. Ou seja, é tarefa de governo. Não faz muito tempo, a China era sinônimo de imitações baratas de produtos de outros países, os chamados “xingue-lingue”. Mas essa percepção mudou rapidamente desde que o país passou a investir para valer na área.

“Foi uma decisão política do governo central chinês”, disse Dossa, que já dirigiu a Nissan no Brasil e, agora, à frente da Alliance, tem US$ 1 bilhão para investir em startups no mundo, com recursos da Renault -Nissan- Mitsubishi.

O primeiro motivo pelo qual a inovação deveria estar na pauta prioritária dos candidatos é que o assunto reflete a importância que está reservada à educação.

Nos últimos anos, autoridades de países como China e Índia criaram condições para que muitos estudantes fossem enviados para universidades internacionais. Não só para obter formação adequada em engenharia e matemática, entre outras carreiras indispensáveis ao avanço tecnológico, mas para acompanhar de perto como funcionam ecossistemas de inovação mais maduros. De volta a seus países de origem, esses profissionais ajudaram a adaptar a experiência no exterior à realidade local.

No Brasil, o trabalho precisa começar na educação básica, que sofre com problemas de infraestrutura. “Não adianta achar que alguém vai aprender programação se a escola estiver desconectada [da internet]”, disse ao Valor, recentemente, o advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio.

De acordo com o Censo Escolar 2017, divulgado no início do ano, 35% das escolas públicas brasileiras continuavam sem acesso à internet até o ano passado. O percentual variava conforme a esfera – municipal, estadual ou federal – e o grau de ensino. As escolas municipais de ensino fundamental apresentavam a mais baixa taxa de conexão: 52,6%. As estaduais e federais de ensino médio, a mais alta – 90%.

Disseminar a conectividade pode oferecer a alunos de diferentes classes sociais oportunidades mais justas de acesso à informação e, portanto, de aprendizado. “Isso diminui o determinismo geográfico, que estabelece uma grande distância entre os alunos que têm CEP de Pinheiros e os que têm CEP de Heliópolis”, disse Lemos. Pinheiros é um bairro de classe média alta de São Paulo; Heliópolis, uma das maiores favelas da cidade.

A questão é tão urgente que um grupo de grandes companhias nacionais e estrangeiras decidiu se unir para apresentar aos candidatos à Presidência da República e aos governos dos Estados propostas para estimular a inovação. Lançado há duas semanas, o Movimento Brasil Digital conta, por enquanto, com 26 empresas, incluindo nomes como Microsoft, IBM, Oracle, Cisco, ArcelorMittal, Petrobras, Grupo Pão de Açúcar, Globo.com, Embratel e Gol.

As sugestões se baseiam em um levantamento feito pela Fundação Dom Cabral, que comparou as políticas públicas brasileiras de inovação com as de outros sete países, em estágios diferentes de digitalização: Alemanha, Austrália, Canadá, Espanha, Índia, México e Reino Unido. O diagnóstico é que a falta de recursos faz diferença, mas a questão central é outra.

“É a descontinuidade das políticas públicas”, disse ao Valor Carlos Arruda, professor da Fundação Dom Cabral e responsável pela área de pesquisas do movimento. “Um governo reinventa o que o outro já tinha inventado.”

Em documento, o Movimento Brasil Digital lista quatro fatores críticos. Educação, infraestrutura e empreendedorismo são os três primeiros. O último, concentrado no governo, aborda o próprio diálogo das forças produtivas e da comunidade científica com as autoridades.

Os líderes do movimento já começaram a procurar os candidatos para sensibilizá-los sobre o assunto. O plano não se restringe ao período pré-eleitoral. Estão previstas duas fases – a primeira até 2020, e a segunda até 2025, informou Silvio Genesini, presidente do comitê-executivo do Brasil Digital.

A percepção é que embora a inovação exija uma política de longo prazo, as primeiras medidas têm de ser tomadas rapidamente. “Não dá para esperar 5, 10, 12 anos porque então já teremos morrido na praia”, disse Genesini.

Atualmente, a falta de programadores no Brasil é responsável por 150 mil vagas não preenchidas, a maioria em empresas de tecnologia. Enquanto isso, o desemprego tem se intensificado entre as camadas mais jovens da população. Ou seja, há empregos, mas falta qualificação.

Não se espera que a transformação digital se torne um tema nos debates eleitorais da TV, geralmente marcados por ataques e réplicas mais frontais. “Seria como falar japonês”, afirmou Arruda. O que se quer é “descascar” os aspectos técnicos do assunto para mostrar que, no fim das contas, preparar o país para essa mudança resultaria em vagas mais bem remuneradas, renda maior e melhores condições de vida.

Com 13 milhões de desempregados e um em cada quatro brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, isso deveria ser o suficiente para fazer da inovação um tema caro a qualquer candidato.