Por Daniel Rittner – Valor Econômico

27/05/2019 – 05:00

O Palácio do Planalto deflagrou na sexta-feira uma ofensiva junto a governadores do Centro-Sul com o objetivo de evitar a perda de vigência da medida provisória do saneamento básico, disseram ao Valor fontes do governo federal envolvidas na articulação.

A MP 868, que abre mais o setor para a iniciativa privada, expira no dia 3 de junho. Carta assinada por 24 dos 27 governadores critica a proposta do governo e o relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre a MP. Eles veem, no texto, uma tentativa de forçar a privatização das companhias estaduais de saneamento. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul não assinaram o documento. Os três têm planos de privatizar suas estatais.

No cálculo político do governo, os governadores do Nordeste dificilmente vão ceder aos apelos da União e dar apoio à MP 868. A estratégia para sua aprovação tem que ser executada até hoje ou amanhã, quando a reunião semanal de líderes partidários ocorre na Câmara dos Deputados e definem-se os projetos pautados em plenário.

O maior foco do governo está nas conversas com três governadores: Wilson Witzel (PSC-RJ), Ibaneis Rocha (MDB-DF) e Carlos Moisés (PSL-SC). O Planalto acredita que há chances de convencê-los e de que peçam às suas bancadas no Congresso pela aprovação da MP.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, e a equipe do Ministério do Desenvolvimento Regional mergulharam nas negociações. A área econômica também deve entrar nas tratativas, conversando com secretários estaduais de Fazenda.

Uma das reclamações em Brasília é que a posição dos governadores tem sido muito influenciada pelos presidentes das companhias estaduais de água e esgoto, levando em conta interesses corporativos, e não o cumprimento das metas de universalização dos serviços.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta semana mostram que 72,4 milhões de pessoas viviam em domicílios sem acesso à rede coletora de esgoto em 2018.

A essência da proposta do governo é acabar com os contratos de programa (pelos quais os municípios podem contratar diretamente as empresas estaduais de saneamento) e exigir contratos de concessão (nos quais há exigência de licitação aberta à iniciativa privada) para serviços de saneamento.

Para evitar que localidades menores e pouco rentáveis sejam prejudicados pela falta de interesse dos investidores, Tasso e o governo acertaram a criação da figura dos “blocos de municípios”, misturando áreas mais e menos lucrativas.

Na terça-feira passada, em uma tentativa de dobrar a resistência dos Estados, o Ministério do Desenvolvimento Regional apresentou uma nova proposta de emenda ao texto em plenário. Ela previa a possibilidade de prorrogação dos contratos de programa, uma única vez, mas mediante uma subconcessão ou parceria público-privada (PPP) para os futuros investimentos. Os Estados seriam obrigados a seguir uma meta fixada pela Agência Nacional de Águas (ANA) para universalizar água e esgoto.

Não houve acordo entre União e Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), mas o governo acredita que há como reverter isso. O problema estaria em detalhes do texto, como o prazo para a definição dos novos contratos, e não no conceito. A ideia é insistir na emenda, com algumas alterações que possam atender à Aesbe.

O especialista em infraestrutura Luís Felipe Valerim Pinheiro, do escritório XVV Advogados, defende que o governo não deveria desperdiçar a oportunidade de aprovar novas regras para o saneamento que são pouco conflituosas na MP.

É o caso do artigo que permite à ANA criar normas de referência para todas as agências reguladoras estaduais e municipais do setor – hoje são 49 no país, promovendo uma “salada regulatória”.

Outro ponto de avanço é o pagamento obrigatório de tarifa pelas residências ou unidades comerciais conectadas à rede pública de saneamento. Atualmente, como a conexão é opcional, muitas famílias de baixa renda preferem evitar mais um pagamento. Na visão de Valerim, se perceber o risco elevado de a MP cair, o governo deveria abrir mão dos pontos polêmicos e avançar no que está pacificado.