Por Estevão Taiar, Valor Econômico

A piora das condições financeiras já atrapalha a retomada da economia e pode ter um impacto ainda maior sobre o Produto Interno Bruto (PIB) de 2019. Os juros futuros e o câmbio, em especial, se deterioraram nas últimas semanas.

Como a maior parte dessa piora está ligada às incertezas sobre as soluções do próximo presidente para a crise fiscal, o quadro ainda é descrito como “binário” por economistas. Ou seja: a vitória de um candidato reformista traria uma melhora quase imediata às condições financeiras; já a eleição de um presidente com propostas pouco claras sobre as contas públicas levaria a uma deterioração ainda maior. Ambos os casos teriam impacto sobre a atividade.

“Parte das revisões do PIB deste ano incorporava condições financeiras adversas”, diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra.

No modelo do Safra, os juros futuros respondem por 60% das condições financeiras, que incluem também o comportamento de câmbio, risco-país e ações negociadas na Bolsa. Atualmente o banco calcula expansão de 1,5% para o PIB deste ano. Mas, desde a última revisão, as condições se deterioraram ainda mais, sugerindo crescimento abaixo de 1%” caso as variáveis se mantenham no nível atual.

Ontem foi a vez de o Santander revisar a sua estimativa de crescimento, de 2% para 1,5%. “O fraco desempenho nos últimos meses” do índice de condições financeiras do banco “reforça a avaliação de perda de ímpeto do PIB no curto prazo”, escrevem economistas da instituição em relatório.

Os juros futuros e o dólar começaram a subir com mais intensidade no primeiro semestre, puxados principalmente pela perspectiva de normalização monetária nos Estados Unidos. A greve dos caminhoneiros tornou o cenário econômico mais turvo, mas foi o crescimento das incertezas eleitorais que levou à alta recente, mais intensa. Nos cálculos do Safra, dois terços da deterioração podem ser explicados pelo setor doméstico.

A elevação da curva de juros acontece justamente no período em que a taxa básica, a Selic, atingiu 6,5%, o menor patamar da história. Ou seja: os efeitos positivos sobre a atividade causados pela queda histórica podem acabar minimizados pela alta dos juros futuros. “Mesmo com a taxa Selic parada no menor patamar de sua história, as condições financeiras não estão, na margem e na prática, sendo estimulativas”, diz o Santander.

“Tudo isso reduz consideravelmente o impacto da redução de juros colocada em prática pelo Banco Central”, diz José Ronaldo de Souza Jr., diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O instituto deve rever a sua projeção de crescimento de 1,7% neste ano, em parte pela piora das condições financeiras.

Em meio às dúvidas sobre a eleição, é consenso entre os economistas que a vitória de um candidato reformista reverteria boa parte da piora recente. “Você acaba antecipando o cenário futuro e começa a crescer hoje, não lá na frente”, diz Fábio Ramos, economista do UBS.

Para Souza Jr., a redução dos juros nesse cenário otimista se daria por dois canais: o menor risco fiscal, em um primeiro momento, e a menor pressão que esse risco mais baixo exerceria sobre o câmbio, na sequência.

Já a eleição de um candidato com propostas pouco claras a respeito de como equilibrar as contas públicas teria efeito oposto. “É evidente que uma política econômica que não enfrente os desafios fiscais de maneira tempestiva acabará por produzir juros maiores”, escreve a equipe econômica do Bradesco em relatório divulgado ontem. “Esses acabariam subindo porque haveria piora da credibilidade de política econômica, contaminando as expectativas para 2019, ou porque o câmbio continuaria descolado dos fundamentos externos, refletindo os riscos fiscais.”

Para Kawall, no cenário pessimista, “seria real a possibilidade de recessão no ano que vem”. A combinação entre os juros futuros de três anos em 10% e a expectativa de inflação em aproximadamente 4% levaria os juros reais para cerca de 6%. Como a taxa de juro neutra estimada por ele é de 4%, os juros reais de 6% estariam “em um patamar claramente contracionista”, sinalizando retração da atividade.

“Todas as vezes em que a economia brasileira se recuperou, os juros futuros ficaram abaixo da meta Selic”, afirma Margarida Gutierrez, professora do Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A transmissão das taxas futuras mais altas para a atividade se daria, em parte, pelo encarecimento do crédito. “Nas operações mais longas, a referência do empréstimo é a curva de juros, não a Selic”, diz Kawall, citando o exemplo do financiamento pré-fixado de veículos.

Margarida, da UFRJ, lembra que em setembro de 2015, quando a crise econômica e política do governo Dilma Rousseff entrava no seu auge, os juros de três anos estavam na casa dos 17% ao ano. Em 2016, o PIB caiu 3,5%.

“Juros de 15% ou 17% ao ano são absolutamente incompatíveis com qualquer nível de recuperação”, diz Margarida. “A empresa pensa: com os juros pagando isso, por que vou investir na produção?

” Mas, além de “balizadora do custo do crédito”, a curva de juros funciona como “indicador antecedente” da economia. “Isso afeta diretamente as decisões de produção e consumo”, afirma.

Além dos juros, outra fonte de preocupação para a atividade é a desvalorização do câmbio, principalmente em um cenário de aumento do endividamento de empresas brasileiras no exterior, lembra Souza Jr., do Ipea.

“Até o exportador, que a princípio seria beneficiado por esse câmbio mais desvalorizado, não está ganhando”, diz Margarida Para ela, a incerteza eleva a volatilidade e afasta o real de seus fundamentos. “É melhor esperar para fechar um contrato e ter a noção de qual pode ser um câmbio mais estável.”

Ainda assim, mesmo no caso de vitória de um candidato reformista, a reversão da deterioração das condições financeiras dificilmente seria completa. Além do aperto monetário nos EUA, há questões como o aumento das tensões comerciais e a piora da conjuntura da Argentina e da Turquia, que devem manter o cenário externo desafiador. “O próximo presidente, independentemente de quem for, terá que lidar com consequências do aumento dos juros que já aconteceu, por exemplo”, diz Ramos.