Por Bruno Villas Bôas, Catherine Vieira e Fernando Torres – Valor Econômico

15/03/2018 – 05:00

O peso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos investimentos do país é o menor em, pelo menos, 13 anos. Os desembolsos do banco responderam por 5,3% do financiamento da formação bruta de capital fixo (FBCF, conta que mede os investimento na economia) em 2017, após três anos em queda. Para especialistas, o financiamento de longo prazo passa por um processo de transição de fontes, e o BNDES deixa de ser um forte termômetro dos investimentos.

Levantamento realizado por Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec) da Fipe, mostra que os desembolsos do BNDES representavam 15,2% dos investimentos em 2014. Naquele ano, as liberações somaram R$ 187,8 bilhões, lideradas pela infraestrutura. No ano seguinte, o governo reduziu subsídios ao banco. Desde então, essa proporção recuou paulatinamente: 11% (2015), 6% (2016) e 5,3% (2017).

Desta forma, as consultas ao BNDES também deixaram de ser um indicador forte, espécie de termômetro, da intenção de investimentos, avalia Rocca. Outro sinal disso é que no momento em que os investimentos medidos no PIB cresceram 3,8% no quatro trimestre de 2017, frente ao mesmo período do ano anterior, as consultas ao banco seguem estagnadas, perto de R$ 100 bilhões.

O espaço deixado pelo BNDES vem sendo ocupado, claro, por outras fontes de financiamento. Os mercados de capitais e de ações ficaram entre os destaques de ganho de participação no período. Somados, eles representavam 10,2% dos financiamentos dos investimentos de empresas e famílias em 2014. Essa fatia chegou a 13% no ano passado. Também de 2014 para 2017, o peso somado do investimento estrangeiro e fontes de financiamento internacional passou de 30,5% para 32,4%.

Marcelo Girão, chefe da área de project finance do Itaú BBA, diz que os financiamentos de projetos passam por uma transição, com fontes alternativas ao BNDES tornando-se mais competitivas.

Para ele, isso foi “disparado” pelo encarecimento das linhas de crédito do banco público e a redução da Selic. Ele mencionou como financiamentos mais competitivos o Banco do Nordeste, instituições multilaterais, fundos institucionais estrangeiros, por exemplo.

“Há ofertas que fazem frente ao BNDES em taxa de juros e outros aspectos, como prazo de estruturação e nível de exigência de garantias. O BNDES ficou mais caro. A TLP (Taxa de Longo Prazo) vai, paulatinamente, igualar-se à NTN-B em cinco anos. Com isso, a referência será uma taxa de mercado. Isso é fruto das lições aprendidas nos últimos anos, com o que deu certo e o que não deu”, diz.

José Velloso, presidente-executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), concorda que o BNDES tornou-se “muito caro” para quem quer investir. Para ele, esse seria um dos principais motivos para a estagnação de consultas ao banco de desenvolvimento. Nas contas da Abimaq, as taxas de operações indiretas do BNDES, como o Finame, estão na faixa de 14% a 15% ao ano. Esse cálculo considera a TLP (6,76%), o spread básico do BNDES (1,5%) e o spread do agente repassador do crédito (na casa de 6%). Nas operações diretas do banco, acima de R$ 20 milhões, esse custo estaria próximo de 11%. Neste caso, Velloso considerou a TLP somada ao spread do BNDES.

“A taxa civilizada seria a soma da inflação pelo IPCA e do risco Brasil, algo total próximo de 8% ao ano. O custo não pode ser maior que o retorno das empresas”, disse Velloso, acrescentando que o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES financiava investimentos a 9% ao ano em 2015. “Não estou dizendo que sou a favor desse subsídio, apenas quero mostrar como ficou mais caro o crédito “.

O economista e presidente do Banco de Ribeirão Preto (BRP), Nelson Rocha Augusto, observa que a retomada do investimento foi parcialmente puxada por setores que têm demandando menos do BNDES e captado mais no mercado de capitais. Seria o caso da Petrobras, por exemplo. E também do setor de papel e celulose. Ele acrescenta que o próprio BNDES mudou sua política operacional ao focar a atuação em empresas de médio porte.

“O BNDES tem menos apetite para colocar dinheiro na grande empresa. Papel dele está mais claramente desenhado para atender empresas de médio porte. Ele, inclusive, desenvolveu uma plataforma eletrônica para isso”, disse Augusto. “Outro fator que tem afastado empresas do BNDES é a melhora de seus balanços, como geração de caixa. Essa recuperação de capacidade de lucro e solvência ocorreu na maioria das grandes empresas e elas agora conseguem tomar crédito a mercado”.

Pelas variáveis testadas pelo Cemec, a previsão de alta do PIB parece ser o fator de maior peso na decisão de investir. Rocca lembra que já observa um início de recuperação da FBCF, mas concentrado em máquinas e equipamentos, e não em aumento de capacidade e muito menos na construção.

Considerando o atual momento, em que as projeções para o PIB convergem para algo em torno de 3% neste ano e no próximo, poderia haver um viés positivo para a continuidade dos aportes. O que pesa contra são ainda as incertezas políticas.

Para Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV, o processo que está em curso hoje foi influenciado não apenas por um desejado redimensionamento da participação do banco, mas ainda por questões como baixa demanda por crédito, consequência da recessão, e ainda o encolhimento drástico das operações de grandes empresas do setor de construção pesada, por exemplo, que costumavam ter grande participação nas operações do BNDES.

Ele avalia, no entanto, que ainda há etapas por vir nesse processo de mudanças e ainda espaços que o banco público deve ocupar. “O papel do banco é analítico, tem inteligência em várias coisas, capacidade de monitorar riscos em operações sofisticadas. Nos créditos de longuíssimo prazo, por 30 anos, como a infraestrutura por exemplo, o banco deve continuar sendo importantíssimo”, disse Castelar, lembrando que as mudanças em curso não devem ser vistas com pesar.

“Historicamente, antes de chegar aos cerca de 4% do PIB [com a criação do PSI], os desembolsos ficavam em cerca de 1% do PIB, estão voltando gradualmente a isso”, conclui.