Por Ligia Guimarães – Valor Econômico

Parcerias bem-sucedidas com o setor privado necessitam de um Estado competente e forte para liderar, definir prioridades e fiscalizar os serviços prestados à população, afirma estudo realizado em conjunto pelo Insper, pela Universidade de Toronto e pela consultoria Accenture Research.

A pesquisa, que estuda o que determinou o sucesso ou o fracasso de iniciativas municipais realizadas no Brasil, na Índia e na África do Sul, aponta que a liderança do setor público local foi predominante entre os casos que deram certo e melhoraram o serviço público. “A discussão sobre privatização no Brasil é muito pobre, muito simplista. Se limita ou a dizer que ‘o Estado é ineficiente, então o setor privado é o herói; ou que setor privado é ganancioso, então precisa do Estado”, afirma Sergio Lazzarini, pesquisador do Insper e um dos autores do estudo.

“Há múltiplos caminhos para se gerar inovações públicas bem-sucedidas”, afirmou o pesquisador, que dedicou mais de dez anos de sua carreira a pesquisar a atuação do Estado nas empresas do Brasil e do mundo, que descreveu no livro “Capitalismo de Laços”, lançado em 2010.

Para ele, tal debate simplista dá a errônea impressão de que a privatização serviria de contraponto a um governo incompetente ou fraco. “A privatização não é uma forma de resolver os problemas do governo”, afirma. O estudo analisou projetos municipais na área de educação, transporte, burocracia pública e planejamento urbano e baseou-se em 70 entrevistas, além de dados sobre a avaliação de impacto comprovado de melhoria no atendimento ao cidadão.

Foram considerados bem-sucedidos apenas os casos em que as iniciativas geraram melhorias e impacto positivo comprovado em evidências. “Isso exigiu comparação com um grupo de controle, estimando o que teria acontecido se o projeto não tivesse sido implementado”, detalha a pesquisa.

Além de Lazzarini, são autores do estudo os pesquisadores Nobuiuki Costa Ito, do Insper, Leandro Simões Pongeluppe, da University of Toronto, Felippe de Medeiros Oliveira, da City University of London, e Armen Ovanessoff, da Accenture Research. Um dos objetivos do trabalho, segundo os pesquisadores, é mapear as “armadilhas” comuns quando se tenta replicar uma boa prática de uma localidade para outra.

“Às vezes, as melhores práticas podem produzir os piores resultados. Constantemente vemos tentativas falhas de replicar projetos de serviço público”, destaca o texto. Entre os casos brasileiros de parceria com o setor privado que deram certo, a pesquisa cita o exemplo do programa de alfabetização em Sobral, no Ceará, o sistema de transporte coletivo e os corredores de ônibus de Curitiba, e a criação do Poupatempo, em São Paulo.

Os três casos, destaca Lazzarini, foram bem-sucedidos porque envolveram a participação integrada de múltiplos players, bem além da dicotomia público/privado, na visão do economista. No caso do sistema de transporte coletivo de Curitiba (PR), por exemplo, o projeto envolveu a liderança da prefeitura de Jaime Lerner e a continuidade na gestão de seus sucessores, mas também a parceria com a Volvo, que desenvolveu os ônibus biarticulados, e a integração entre os próprios representantes do poder público municipal, como o Instituto de Pesquisa Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), agência que é parte do braço municipal de planejamento urbano, e da URBS, empresa de economia mista que controla o sistema de transporte público da cidade de Curitiba.

“O setor de transporte precisava dialogar com o de urbanismo”, cita o pesquisador. “O papel do governo, nesses casos, não era apenas privatizar, mas atrair bons parceiros privados”, exemplifica.

Para Lazzarini, a capacidade do governo em liderar a fiscalização e determinar as prioridades é fundamental também quando se propõe a privatização de empresas ou bancos públicos. “O cerne da questão é que o privado não vive sem um setor público competente”. No caso da Eletrobras, mais do que privatizar ou não, Lazzarini diz que falta debater qual será o papel das agências reguladoras para garantir qualidade de serviços.

“Qualquer discussão sobre Eletrobras, deveria trazer junto esse debate sobre as agências reguladoras. Que parâmetro vamos colocar para esse pessoal de investimento, de entrega de qualidade?”, questiona o pesquisador, que destaca que um projeto que propõe fortalecer as agências está parado no Congresso há mais de um ano. Na hipótese de se privatizar um banco público como a Caixa, questiona ele, quem garantiria que o papel de fornecer crédito imobiliário à população de baixa renda seria cumprido pelo setor privado? “É preciso ter um governo competente para regular tudo o que for privatizado. E isso não estamos discutindo”, diz.