Por Ribamar Oliveira e Fabio Graner – Valor Econômico

05/04/2018 – 05:00

Anunciado no domingo pelo Palácio do Planalto, o novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo de Oliveira, disse em entrevista ao Valor que o banco pode ser mais efetivo e ágil do que é agora.

“Eu não estou indo para lá com uma meta de tamanho do banco. Se nós avançarmos rápido, e conseguirmos estruturar bem os projetos de infraestrutura, o banco vai ser de um tamanho. Se isso não avançar, ele vai ter outro tamanho. O que é importante não é o tamanho do banco”, disse.

Ele ressaltou que o BNDES não pode assumir a missão de ser o único banco que move o investimento no país e defendeu a nova Taxa de Longo Prazo (TLP) como a “salvação” do banco. “Acho que a história dos juros subsidiados no Brasil cumpriu seu papel. Nós agora temos história daqui para frente de juro baixo da economia como um todo. E o BNDES tem principalmente capacidade de captar com juros muito baixos e repassar isso nos financiamentos que faz. Esse é o caminho do BNDES, ser um estruturador, um dinamizador do mercado e que faz o investimento aumentar, mas não necessariamente o tamanho do BNDES.”

Dyogo, que ainda está formalmente no cargo de ministro do Planejamento, também comentou sobre a “regra de ouro” e defendeu o caminho previsto na Constituição, de se pedir um crédito orçamentário para cumprir a regra em 2019, embora tenha comentado que outras medidas estão em estudo. Ele afirmou que cumprirá o cronograma de devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional neste ano. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O presidente Michel Temer lhe deu alguma missão especial ao convidá-lo para o BNDES?

Dyogo de Oliveira: O presidente se ressente do fato de as gestões anteriores no BNDES não terem sido concluídas, por questões pessoais de cada um dos que ele escolheu. Ele achou que precisava colocar alguém que representasse uma valorização do banco. Como o BNDES está ligado ao Ministério do Planejamento, nós já acompanhamos, temos um conhecimento muito próximo do banco. Por isso, a velocidade da transição é mais rápida. Não vou dizer que ele me deu uma missão. Mas tratamos do que seriam as prioridades.

Valor: E quais seriam?

Dyogo: Primeiro, fortalecer, criar novos mecanismos de operação conjunta do BNDES com o sistema financeiro. O banco deve agir procurando desenvolver o mercado de capitais, criar instrumentos de coparticipação em financiamentos, de atuação conjunta com o mercado de capitais. Do ponto de vista de temas, nós ficamos, de início, com o desenvolvimento da inovação tecnológica, a quarta revolução industrial, que está sendo chamada de indústria 4.0. Uma visão realmente de modernização da economia brasileira para essas revoluções tecnológicas que estão acontecendo. Nesse sentido, um dos objetivos é desenvolver mecanismos para apoiar start-ups, empresas inovadoras.

Valor: Como?

Dyogo: A grande dificuldade que se tem nessas áreas é que as empresas de novas tecnologias não têm capital inicial. Ela não tem garantias para dar. Então, não tem como se fazer um financiamento tradicional. São investimentos pequenos. Podemos criar cestas, selecionando um grupo. No conjunto, o banco vai ter resultado. Duas ou três vão prosperar, virar o Mercado Pago, o PagSeguro, uma empresa que vai valer a pena. Nisso, é preciso incluir as tecnologias ambientais, tecnologias limpas, com foco nas tecnologias de comunicação.

Valor: O que mais é prioridade?

Dyogo: A outra coisa é o apoio para as pequenas e médias empresas, que já foi objeto de uma linha de crédito do BNDES, criada no início do ano. Essa linha já desembolsou bastante, mas é uma iniciativa que o presidente deseja reforçar. Outra área é infraestrutura. A ideia é organizar o banco para dar um suporte mais forte nesta área, desde o desenvolvimento do projeto. O banco vai atuar na estruturação dos projetos, depois na estruturação financeira e sempre em um formato que possa ser comercializado no mercado.

Valor: Securitizar?

Dyogo: Uma das formas é a possibilidade de securitização, mas, de partida, pode-se prever, por exemplo, a emissão de debêntures de infraestrutura ou outro instrumento de mercado de capitais. A outra área prioritária é a de comércio exterior, onde o banco tem uma atuação tradicional. Nós vamos continuar apoiando a exportação, principalmente de produtos manufaturados para ter uma pauta de exportação mais diversificada. Não é exatamente verdade que o Brasil é um país exportador de produtos primários. Mas é claro que nós podemos melhorar muito essa pauta e o BNDES pode ajudar muito nisso. Um quarto item que o presidente chamou a atenção é essa linha lançada recentemente para a segurança. Ele pediu para que isso tenha continuidade.

Valor: Até que ponto essas iniciativas se coadunam com o processo de redução do tamanho do BNDES neste governo?

Dyogo: O BNDES vai ser menor do que ele foi no auge dos empréstimos do Tesouro Nacional. Mas ele pode ser mais efetivo, mais ágil, mais flexível do que é agora. Então, ele pode ter uma atuação que produza muito mais resultado para o país, sem a necessidade de ser tão grande.

Valor: Em relação ao nível atual, ainda haverá mais redução, ou o tamanho está adequado?

Dyogo: Não estou indo para lá com uma meta de tamanho do banco. Se avançarmos rápido, e conseguirmos estruturar bem os projetos de infraestrutura, o banco vai ser de um tamanho. Se isso não avançar, vai ter outro. O que é importante não é o tamanho, mas como o BNDES atua, qual

Dyogo: O BNDES não pode assumir a missão de ser o único banco que move o investimento no país. Ao contrário, nós temos que mobilizar todos os recursos financeiros do país pelos canais próprios. Está cheio de gente querendo investir, cheio de fontes de recursos nacionais e estrangeiros. Nos grandes fundos de investimento do exterior, todos têm Brasil na sua estratégia. É mais uma questão de organizar os projetos, dar segurança jurídica, estabelecer compartilhamento adequado dos riscos (quem assume risco de engenharia, de construção, comercial, de demanda), Estruturando essas coisas direito, os recursos vão carregar esse investimento que realmente precisa ser maior.

Valor: Houve uma reação muito forte do quadro técnico do BNDES à TLP. Como o senhor vê isso?

Dyogo: A TLP é a salvação do BNDES. Sem ela, ou usando a TJLP como era antes, o BNDES estaria confinado a seus próprios recursos. Se não tiver a TLP, você não consegue securitizar a carteira, não consegue repassar, vender, não consegue nem atrair cofinanciamento, porque o banco entra com uma taxa e o sócio entra com outra, o que dificulta a operação. A TLP vai permitir ao BNDES estruturar projeto, dinamizar e, à medida que ele performar, vender a carteira. Nada muito diferente do que muitos outros bancos fazem no mundo inteiro. Acho que a história dos juros subsidiados no Brasil cumpriu seu papel. Nós agora temos história, daqui para frente, de juro baixo da economia como um todo. E o BNDES tem principalmente capacidade de captar com juros muito baixos e repassar isso nos financiamentos que faz.

Valor: Mas isso tem a ver com a TLP, ou com o fato de a taxa Selic estar em um nível mais normal?

Dyogo: Tem a ver com a TLP. A TJLP não é securitizável, ninguém vai comprar uma taxa que ninguém sabe como é definida. Na hora que existe uma taxa que as pessoas têm uma regra que elas podem seguir, um investidor consegue fazer hedge, tomar posição, calcular o retorno, fazer todas as simulações financeiras e, com isso, ele decide comprar um recebível atrelado à TLP, consegue comprar debênture atrelada à TLP, aí você tem acesso ao mercado.

Valor: Por que então houve tanta resistência?

Dyogo: Algumas pessoas estão ainda na tese de que o juro do BNDES tem que ser subsidiado. Se não me engano, em uma rodada de [leilões de] infraestrutura a oferta do BNDES era de 6% de juro, que hoje é a taxa básica do país. E naquela época 6% tinha um subsídio enorme. É um cenário diferente, que acho que dá para a gente trabalhar bastante, aumentar muito a atuação do banco. É por isso que não tenho preocupação com o tamanho do banco, acho que o banco precisa ampliar produtos, agilidade, parceiros.

Valor: Quais são as alternativas de recursos para o banco sem os empréstimos do Tesouro?

Dyogo: O BNDES tem que buscar fontes externas de captação e fontes internas. O banco tem uma capacidade técnica e uma capacidade de estruturação financeira muito grande e ele sempre vai ser um elemento de ganho para as empresas. Não há necessidade de recursos do Tesouro Nacional. O problema do banco não é de recursos. O que ele precisa é realmente acelerar os seus processos internos, desenvolver novos produtos que as empresas possam utilizar rapidamente.

Valor: O senhor vai querer rediscutir a questão de devolução antecipada ao Tesouro?

Dyogo: Essa questão já foi decidida, foi aprovada a devolução. Nós vamos, simplesmente, implementar e cumprir o cronograma. Quando nós tratamos deste assunto, fizemos uma avaliação sobre a capacidade que o banco tinha de devolver os empréstimos. A conclusão foi de que sim. E o banco já aprovou isso. Então, isso não atrapalha. O problema do banco é, realmente, o de melhorar os processos e os produtos. O BNDES lançou uma linha nova para as pequenas empresas. O mais importante foi a forma de operação. O que foi mudado? Passou a ser uma consulta eletrônica, pois, basicamente, o que o BNDES tinha que ver eram critérios parametrizados. Se os itens do pedido eram enquadrados, se o valor estava em conformidade com o disponibilizado etc. Eram critérios parametrizados, mas tinha uma burocracia que demorava. Tudo ficou eletrônico. São coisas dessa natureza que nós precisamos fazer mais lá.

Valor: Já foram devolvidos R$ 30 bilhões. Não dá para guardar os R$ 100 bilhões para 2019?

Dyogo: Não. Serão necessários os R$ 130 bilhões para fechar este ano. Além disso, tem a devolução dos recursos do FAT, mais uns R$ 18 bilhões. Essa do FAT, o banco não tem nem controle.

Valor: Os R$ 100 bilhões encerram o processo de devolução antecipada dos empréstimos?

Dyogo: Isso vai depender de duas avaliações. A primeira é da necessidade [do Tesouro] e outra é da capacidade [do BNDES]. Não tenho nada contra o banco devolver o dinheiro do Tesouro. Mas tem que coadunar com a disponibilidade de caixa do banco e com a necessidade do Tesouro desses recursos. A nossa avaliação é que, para o ano que vem, isso não resolve o problema, não é suficiente. “Não há necessidade de recursos do Tesouro Nacional. O problema do banco não é de recursos”

Valor: Um dos últimos atos do ex-presidente do BNDES foi mudar a estrutura do banco. O senhor pensa em algum tipo de reestruturação administrativa?

Dyogo: De início, pretendo voltar as pessoas para suas posições originais. O ex-presidente não tirou ninguém. Ele mudou todo mundo de posição na diretoria. Elas vão voltar para suas posições originais, porque o banco já vai ter um presidente novo, eu vou estar demandando para cada um deles uma série de informações e, se os próprios diretores também estiverem em transição em suas áreas, o banco estará todo em transição. Acho que isso não é conveniente. Eventualmente, mais adiante, nós podemos fazer alguma coisa nessa direção. Essas mudanças foram feitas na semana passada. Vamos voltar ao que era antes para reduzir esse atrito de transição e poder tomar decisões mais rapidamente.

Valor: Como está a situação interna do banco?

Dyogo: O BNDES é banco muito bem organizado do ponto de vista institucional. Tem todos sistemas de controle. O que está acontecendo é que o banco está sofrido, com todos esses processos de auditoria, de investigação. A gente precisa dar confiança para os técnicos, dar apoio para voltarem a trabalhar normalmente. Hoje o banco está sobressaltado. O fato é que à medida que a gente conseguir fazer um trabalho dentro do banco, deixar o banco mais tranquilo para operar, naturalmente volta a ser mais rápido, mais dinâmico.

Valor: Já existe alguma coisa estruturada em termos de produtos novos para o banco. No governo já há discussões há algumas semanas…

Dyogo: Não tem nada preparado ainda, porque a origem dessas coisas tem que ser o próprio banco, que, conhecidas suas condições, suas forças, deve propor novidades que melhorem sua atuação.

Valor: O governo terá que fazer um pedido de crédito especial ou suplementar ao Congresso Nacional para financiar despesas e cumprir a regra de ouro fiscal?

Dyogo: Acho que esse é o caminho mais regulamentar. Está previsto na Constituição. É mais fácil a gente seguir esse caminho.

Valor: O problema é que, quando enviar a proposta orçamentária, o governo terá que demonstrar que a “regra de ouro” estará sendo cumprida em 2019.

Dyogo: É, tem uma certa dificuldade técnica e jurídica aí, mas está sendo discutida ainda. Eu acho que é sempre melhor a gente seguir o caminho da legislação que já está aí. Se a Constituição fala do crédito, é só seguir.

Valor: Por que o governo não pede um crédito suplementar neste ano, deixando o dinheiro do BNDES para 2019?

Dyogo: Você tem que aprovar o crédito. E isso tem um custo. O problema não é do próximo ano. O problema é que nós teremos essa dificuldade [de cumprir a “regra de ouro”] todo ano. O próximo presidente resolve o problema de 2019 e resolve tudo logo, se ele quiser. Não tem razão de termos um desgaste político enorme para mexer em um negócio que, na verdade, este governo não precisa.

Valor: Mas este governo tem que enviar a proposta orçamentária demonstrando que está cumprindo a regra em 2019.

Dyogo: Sim. A proposta será enviada cumprindo plenamente todas as regras. O que estou dizendo que este governo não precisa fazer é mexer na “regra de ouro”. Ele tem como cumprir neste ano. O próximo vai ter a opção de mexer na “regra de ouro” ou aprovar o crédito previsto na Constituição. Algumas questões jurídicas ainda estão sendo analisadas. Mas a proposta orçamentária vai trazer o dispositivo prevendo a maneira de enquadrar na “regra de ouro” em 2019. Ou o crédito, ou qualquer outra alternativa.

Valor: Já estará na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)?

Dyogo: Isso estará na LDO e na proposta orçamentária. Em suma, não vamos deixar o próximo governo chegar aqui e dizer: e agora? Já vai estar tudo organizado, com um script bem definido de como proceder.

Valor: O senhor falou de alternativa ao crédito. O que seria?

Dyogo: Outras coisas que poderão ser adotadas. O pessoal está discutindo bastante isso.

Valor: Como foi a escolha do Esteves Colnago para o seu lugar, quando a gente sabe que o ministro Henrique Meirelles trabalhou pelo Mansueto Almeida?

Dyogo: A decisão foi do presidente. Eu sugeri o nome do Esteves, o presidente já conhecia, porque ele era secretárioexecutivo, ele aceitou, acho que foi uma boa decisão, porque dá esse senso de continuidade das coisas. O Esteves é um cara muito técnico, low profile, mas que esteve nas coisas mais importantes que aconteceram na economia brasileira nos últimos 20 anos. Esteve na alienação financeira, trabalhou na equipe do Marcos Lisboa na agenda microeconômica, fez crédito consignado, medidas de mercado de capitais, letra financeira, é um cara tecnicamente muito bem formado e, do ponto de vista ético, irreparável.