Por Juliana Machado – Valor Econômico

Mesmo com os ganhos recentes – provocados pelo anúncio de que o governo pretende privatizar a Eletrobras -, as ações de companhias estatais seguem no foco dos gestores, que veem em muitos desses papéis boas oportunidades de ganho.

Desde 21 de agosto deste ano, quando os planos de privatização da elétrica se tornaram públicos, as ações das estatais federais acumulam variação superior ao do Ibovespa no período, que foi de 7,5%. Os papéis do Banco do Brasil já subiram 14%, enquanto os da BB Seguridade avançaram cerca de 3%. As ações ordinária (ON) e preferencial (PN) da Petrobras acumulam, ambas, valorização na casa de 15% no intervalo.

O melhor desempenho, contudo, é da própria Eletrobras. Apesar da queda de 2,88% registrada ontem pela ON, a ação ainda acumula alta de 40% desde 21 de agosto; a preferencial classe B (PNB) sobe 29%, mesmo depois do recuo de 4,52% registrado ontem. No acumulado do mês, as ações da Eletrobras figuram entre as dez maiores altas do Ibovespa, ao lado da Petrobras. Ainda assim, a empresa não retomou o nível de preços do fim do ano passado, o que sugere que investidores estão aguardando mais informações sobre o processo de privatização.

Ao surpreender o mercado e propor a privatização da gigante Eletrobras – considerada uma companhia extremamente complexa por seu tamanho, endividamento e grau de ingerência política -, o governo mandou uma mensagem muito positiva aos investidores: vai caminhar na direção da redução do papel do Estado na economia e da maior autonomia da gestão das companhias, o que torna não apenas a Eletrobras mas todas as estatais muito mais atrativas.

“Já tínhamos posição em Petrobras desde o ano passado, uma estatal que está mais adiantada em todo esse processo de saneamento das finanças e racionalização de gestão, e decidimos elevar a fatia da companhia na nossa carteira”, diz um

gestor que preferiu não ser identificado. “Com esse anúncio de Eletrobras, qualquer venda de ativo fica menos problemática dentro da administração pública.”

Como cada estatal tem uma particularidade, as teses de investimento não têm necessariamente relação. De toda forma, a perspectiva de privatização é um fator positivo para todas elas porque é sinal de mudança de paradigma na gestão pública. No caso de Eletrobras, especialistas acreditam que ganhos adicionais dependem de uma evolução mais concreta do processo de desestatização. Ontem, a companhia confirmou que recebeu os estudos do BNDES sobre o modelo de privatização de algumas de suas distribuidoras.

A elétrica mineira Cemig tem seu desempenho muito atrelado à relicitação de suas usinas hidrelétricas, evento que pesou sobre as ações da companhia nos últimos pregões. Em relação à Petrobras, a definição da cessão onerosa e o processo de desinvestimento em curso são considerados fundamentais na definição do preço das ações. Em todos esses casos, porém, o sinal dado pelo governo acaba ampliando a expectativa mais favorável para as ações.

Para as companhias elétricas, o mercado opera sob a expectativa de que a nova Medida Provisória (MP) para reformar o setor avance em outubro, enquanto os detalhes sobre a privatização da Eletrobras vão sendo divulgados Analistas apostam que, a partir desses eventos, as ações dessas empresas engatem um novo rali positivo, liderado pela Eletrobras.

As estatais também podem reagir com maior vigor conforme avança a agenda de reformas, em especial a da Previdência, já que são empresas muito afetadas pela percepção de risco em relação ao próprio governo.

Um bom indicador de que as ações de estatais ainda têm potencial de ganhos é que, mesmo com as altas recentes, algumas delas são negociadas no mercado abaixo do valor patrimonial. Na análise pelo múltiplo P/VPA (preço por valor patrimonial por ação), as ações ON da Eletrobras são atualmente negociadas a 0,6 vez – ou seja, o preço equivale hoje a cerca de 60% do valor patrimonial. A PNB é negociada a 0,7 vez o valor patrimonial. Também as ações da Petrobras são negociadas abaixo do valor contábil, a 0,8 vez.

Entre as estatais do Ibovespa, BB Seguridade se descola das demais – a ação da empresa é negociada a 6,6 vezes o valor patrimonial por ação. Também o BB é cotado na bolsa acima do valor contábil, a 1,1 vez.

É preciso ponderar que, no caso de Eletrobras, um balanço com sucessivos prejuízos resulta numa rentabilidade menor, o que afeta tanto o preço quanto o próprio VPA. Em outras palavras, ter um múltiplo baixo não significa que a ação esteja necessariamente barata, mas que seu fundamento está mais fraco.

Outro ponto em comum para todas essas companhias é o risco político, que pode gerar alguma volatilidade nos preços no próximo ano. Isso porque o pleito definirá a continuidade ou não da política econômica em vigor. Mas, sobre esse quesito, vale observar que analistas veem hoje uma crescente chance de o novo presidente ser comprometido com uma agenda reformista, o que tem amparado as apostas mais favoráveis.

No caso de Eletrobras, as incertezas sobre o futuro da gestão e as dificuldades financeiras que a empresa enfrenta justificam ainda uma certa cautela do investidor. “Todas as estatais estão expostas ao ciclo político. Então, se você tem um governo pró-negócios e que entende a iniciativa privada, isso é bom para estatais”, diz um analista de um grande banco, que pediu para não ser identificado. “Eletrobras por si só é um papel volátil. Se for de fato privatizada, isso diminui, mas ano que vem todas as estatais serão muito voláteis pelo efeito eleição, que será cada vez mais sentido daqui em diante.”

O analista explica que a decisão de não recomendar a empresa, mesmo tendo um relatório detalhado sobre a privatização, ocorre porque é muito difícil cobrir a companhia, dado o seu gigantismo e estrutura. “Desde que o Wilson [Ferreira] assumiu a presidência, houve grande melhora na gestão, mas o tempo exigido para conseguir elaborar uma análise ainda é imenso”, diz. “Ela tem que ser privatizada. Se for, vamos começar a cobrir com certeza. Mas em um cenário em que isso não caminhe e a empresa perca a gestão que pensa nela como uma companhia, [a ação] vai voltar a valer zero.”

A Eletrobras passou o primeiro semestre de 2016 sendo negociada a cerca de 30% ou 40% do seu valor patrimonial, ganhando força no segundo semestre, depois do afastamento seguido do impeachment de Dilma Rousseff. O múltiplo só avançou de fato no fim de 2016 e início deste ano depois que o próprio balanço também mostrou relativa melhora, com efeitos contábeis. A partir daí, o indicador voltou a recuar, tomando nova força após o anúncio da privatização.

“Essa alta da ação foi só a primeira etapa. Conforme o tema volte a esquentar e com a privatização caminhando, ainda tem expectativa de continuar subindo”, afirma Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. Na leitura de Solange, o risco para as ações da Eletrobras sempre existiu, mas, com a expectativa de que o cenário de privatização se concretize, o risco pode passar a compensar o investimento. “Se de fato novas sinalizações voltarem nesse sentido, as estatais são ativos que podem avançar mais”, afirma. “Ao mesmo tempo, [essas ações] podem devolver ganhos se isso não se confirmar.