Por Andrea Vialli – Valor Econômico

23/03/2018 – 05:00

Para que os países consigam cumprir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que trata de garantir acesso ao saneamento básico até 2030, o ODS-6, seria necessário investir US$ 45 bilhões em áreas urbanas ao ano nos próximos 12 anos, cifra que é cinco vezes superior ao valor que hoje é investido globalmente. A conclusão é de um estudo do Conselho Mundial da Água (WWC, na sigla em inglês), organização com sede em Marselha, na França e co-organizadora do Fórum Mundial da Água. Até 2030, os serviços de saneamento precisarão atender 3,2 bilhões de pessoas em áreas urbanas e 2,1 bilhões em áreas rurais – e mais do que investimento, será preciso inovação para buscar novas fontes de financiamento.

De acordo com Jon Lane, consultor do WWC sobre saneamento em países em desenvolvimento, o mundo é pouco célere quando se trata de perseguir metas de aumentar o acesso à água segura e ao saneamento básico. Prova disso é que, dentre as Metas do Milênio (oito objetivos estabelecidos em 2000 pelos 191 Estados membros das Nações Unidas), o compromisso de prover saneamento para metade da população global esteve longe de ser alcançado. Os ODS, fixados a partir de 2015, são ainda mais ambiciosos, pois almejam a universalização dos serviços. “Foi a meta com o pior desempenho, e para avançarmos rumo ao ODS-6, será preciso olhar para formas mais inovadoras de financiar projetos de água e saneamento, especialmente nas cidades”, diz Lane.

O relatório do WWC sugere alguns caminhos. Um deles é mudar a concepção de que só é possível fornecer saneamento com grandes investimentos em infraestrutura, e passar a considerá-lo como um serviço, que pode ser prestado localmente, em estruturas locais e regionais. Exemplos disso são as soluções de saneamento in loco, como banheiros compostáveis, já utilizados em áreas rurais, e os sistemas CBS (container-based sanitation), que são banheiros cujo conteúdo pode ser retirado por empresas especializadas e tratado sem a necessidade de estarem conectados a uma rede de saneamento. Além disso, a universalização dos serviços passa ainda por novos mecanismos de financiamento, como os investimentos de impacto, os subsídios cruzados (já utilizados no Brasil) e arranjos público-privados. Em terceiro, o WWC recomenda uma abordagem de economia circular para tornar os resíduos humanos em matérias-primas rentáveis, já que é possível gerar energia e adubo após tratamento correto.

“O investimento público em saneamento básico é e continuará sendo importante, mas precisamos explorar as oportunidades que estão emergindo, como as finanças com propósito e as alternativas de financiamento por meio de títulos verdes (green bonds)”, diz José Carrera, vice-presidente de desenvolvimento social e ambiental da CAF, instituição multilateral do Banco de Desenvolvimento da América Latina.

Hoje o setor público tem o maior peso no financiamento do saneamento básico, mostrou o estudo do WWC: segundo dados levantados em 25 países, 72% dos financiamentos para água e saneamento vêm das tarifas pagas pelos consumidores às companhias prestadoras dos serviços; 26% vem de impostos e apenas 2% de transferências de recursos. Mas a tendência é a inversão: segundo Carrera, a maior parte dos recursos hoje disponíveis para financiar água e saneamento estão nas mãos da iniciativa privada, não dos governos, mas ainda há receio em investir no setor, pela falta de garantias em relação aos custos e rentabilidade. “Na América Latina, estamos mais preocupados em construir a infraestrutura do que em prover o serviço, e é essa abordagem que precisa ser revista”, afirma.

O prefeito de Teresina, Firmino Filho (PSDB-PI), que participou de um painel de alto nível sobre o estudo do WWC, afirma que o principal desafio é encontrar um arranjo institucional que permita que o saneamento no Brasil avance de forma mais rápida, além de vencer as questões ideológicas em relação à participação do setor privado nessa área. “Não há falta de recursos, nem de tecnologia. O que falta é organização institucional. Dizemos que não importa a cor do gato, desde que ele pegue o rato. A finalidade é resolver o problema da população”, diz Firmino.

Teresina é uma das capitais com piores índices de saneamento no Nordeste: apenas 20% da população tem acesso à rede de esgotos e 70% ainda utiliza fossas sépticas. Isso se traduz em custos altos para a administração pública em termos de capina e varrição de ruas, segundo o prefeito. “As consequências são enormes, tanto para a saúde quanto o meio ambiente.

A água que corre pelas ruas tem muito sedimento, que faz crescer o mato”, explica. O município vem buscando avançar na questão com empréstimos tomados junto ao Banco Mundial para seu programa Lagoas do Norte, de requalificação urbana, drenagem e saneamento básico. A primeira fase teve US$ 33 milhões em empréstimos, com contrapartida de US$ 26 milhões da prefeitura, o que possibilitou estender o saneamento básico para 25 mil habitantes. Agora, o programa entrou na segunda fase, com mais US$ 39 milhões e a expectativa de prover saneamento para mais 64 mil pessoas e reassentar 2.000 famílias que vivem em áreas de risco.