Flavia Lima – Folha de São Paulo

05/11/2017  02h00

Mais otimista do que a média do mercado, cuja previsão é de uma alta de 2,5% para a economia em 2018, Marcelle Chauvet espera que a atividade cresça 3,5% no ano que vem.

Mas, mesmo que esse percentual mais alto se repita no ano seguinte, o PIB (Produto Interno Bruto) só voltará ao pico registrado em 2014 nos primeiros meses de 2020, afirma Chauvet, que estuda os ciclos da economia desde o doutorado e ajudou a implementar um comitê sobre o assunto na Turquia.

A economista também destoa de seus pares ao não prever grandes abalos na economia em ano de eleições.

“O pior que poderia acontecer já aconteceu”, afirma Chauvet, sobre o impeachment de Dilma Rousseff e as suspeitas de corrupção que recaíram sobre o atual presidente, Michel Temer.

“Mesmo assim, o Brasil continua crescendo. Acho muito difícil ter choques negativos que possam tirar a economia do lugar.”

Professora titular da Universidade da Califórnia Riverside, Chauvet integra também o Codace, o grupo de sete economistas formado pela FGV e que data inícios e fins de recessão.

Há uma semana, o comitê informou que a recessão brasileira durou 11 trimestres e acabou no fim de 2016.

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Folha – A economia tem mesmo ganhado tração ao longo deste ano?

Marcelle Chauvet – A recuperação não ocorre instantaneamente em todas as regiões, indústrias, setores. Mas, à medida que a economia vai se recuperando, o crescimento se torna mais robusto e fica mais visível nos dados agregados.

A recuperação começou modesta, mas tem ganhado tração. A produção industrial e as vendas no comércio mostram uma aceleração, assim com o setor de serviços, apesar de apresentar alta mais modesta.

O consumo das famílias puxa a retomada. Esse movimento parece sólido?

Sim, ele decorre de um cenário favorável que inclui inflação em queda, juros mais baixos, crédito à pessoa física e a renda da liberação do FGTS.

Juntam-se isso a redução do desemprego e o desempenho positivo do mercado financeiro, o que leva a um ambiente de maior otimismo comparado com os últimos anos.

Por que demoramos mais a perceber que a economia saiu da recessão?

Em geral, a percepção tende a ser mais negativa no fim de uma recessão, assim como otimista demais no fim de um período de expansão.

Mas o meu modelo indica que a probabilidade de termos saído da recessão é grande, e isso independe de percepção.

Mas alguns dados ainda estão bem fracos, não?

Normalmente, os períodos em que a economia está se recuperando são de muita incerteza, e incerteza leva a oscilação. É comum que alguns setores cresçam e outros não.

E, se você olha dados agregados, esse crescimento pode ser pequeno. Num momento de recuperação, olhar o agregado pode ser desanimador.

Que indicadores se destacam?

A produção de bens de capital já vinha indicando recuperação da indústria de transformação desde o fim do ano passado.

Quando um investidor vê que um setor está indo bem, ele já se sente mais confiante em começar a investir no próprio setor, e uma coisa leva a outra. E, se forem setores ligados àquele investidor, melhor ainda.

Ao mesmo tempo, vemos os investimentos ainda muito ruins. Por que o descolamento?

Tivemos uma recessão longa e muito forte, e há muito espaço para que o capital possa ser usado sem comprar máquinas novas. As indústrias estão usando o que já têm.

E a construção civil?

Para fazer um empreendimento, é preciso muito empréstimo bancário, além de certa redução de incertezas. Logo, há algumas indústrias que seguram o investimento até que as coisas se recuperem com mais força.

Fora que o setor também estava esperando a queda dos juros, cujo efeito demora alguns meses para ser sentido.

Qual seria o ritmo da recuperação atual?

A recuperação é lenta. O ambiente de incerteza política desacelera um pouco as coisas, mas acho que as expectativas estão sendo reajustadas para cima a cada semana.

Quanto tempo a gente levaria para voltar ao nível anterior à crise?

Tenho a avaliação de que no ano que vem já estaremos em uma recuperação mais sustentável e robusta. Minha projeção para 2018 é de alta de 3,5%.

Mas, mesmo com um crescimento de 3,7% em 2019, não voltaríamos ao pico registrado pelo PIB no primeiro trimestre de 2014. Isso só ocorreria no início de 2020.

O PIB só atingiria em 2019 o pico do início de 2014 se crescesse 3,5% em 2018 e 4% em 2019.

Parece que você está mais otimista que alguns analistas em relação ao ano que vem.

Ano que vem é ano de eleição. É notório que sempre há crescimento econômico em ano de eleição porque os políticos buscam aplicar medidas mais pró-crescimento.

Mas uma expansão a todo vapor vai depender do que ocorrer em termos de choques.

Quais por exemplo?

O pior que poderia acontecer já aconteceu. Tivemos um impeachment no ano passado e um presidente que entra e, logo depois, quase é julgado também, o que cria uma incerteza muito grande.

Mesmo assim, o Brasil continua crescendo. Então, acho muito difícil ter choques negativos que possam tirar a economia do lugar.

O consumo está muito deprimido, o investimento está represado por tanto tempo que daqui a pouco não vai ter por onde. Tem que ser algo fenomenal para a economia sair do curso neste momento.

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RAIO-X

CARGO

Professora titular na Universidade da Califórnia Riverside

FORMAÇÃO

Economia pela UnB (Universidade de Brasília); mestrado pela UnB e pela Universidade da Pensilvânia, onde também fez doutorado