Por Marli Olmos, Valor Econômico

Toda a vez que uma conversa entra na questão do futuro do Brasil, o empresário Horácio Lafer Piva, um apaixonado pelo motociclismo, costuma lembrar a orientação que certa vez recebeu de um instrutor numa pista de testes com motos. “Quando entrar numa curva olhe sempre para o fim dela, para aonde você quer sair. Se olhar para dentro da curva, a moto vai para onde você olhou e aí você cai”, aconselhou o instrutor.

A um mês da eleição do próximo presidente da República, o presidente do conselho da Klabin utiliza o imaginário de um motociclista para explicar por que o Brasil precisa saber aonde quer ir. Para ele, o diagnóstico do país já está feito. “O Brasil é um país pronto que não acontece.” Seria essencial ao próximo governante, diz, eleger prioridades e colocar o fundamental à frente do urgente.

No que ele imagina como programa inicial ideal, à esteira da reforma previdenciária viria uma reavaliação da estrutura tributária e um novo pacto federativo, de abertura, legislação trabalhista, produtividade do setor público e mecanismos de crédito. O empresário está, no entanto, otimista em relação a 2019 porque, diz, “a chegada de um governo novo traz esperanças renovadas”.

Piva sugere que o próximo governo comece a pensar também em ter um órgão de comércio semelhante ao Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). Para ele, algo semelhante à agência governamental responsável pelo desenvolvimento e recomendação da política comercial dos EUA ajudaria a inserir o país na competição global.

Para isso, no entanto, a classe empresarial também precisa mudar. “Competitividade passa pela coragem de discutir subsídios, isenções e custos, matérias que governo e empresários evitam”, afirma.

Atento às rodas de conversas da classe empresarial, Piva diz notar ainda um início de reflexão que poderá levar a sociedade brasileira a uma mobilização inédita em torno de questões nacionais. “Esse poder de Brasília, que se resumia até agora no Executivo e Legislativo para ver quem mandava no outro, esquecendo o resto da sociedade… Tudo isso vai começar a ser colocado em xeque”, afirma. Ele aposta até que os sites de acompanhamento de políticos e de avaliação de “fake news” vão permanecer. “Não vieram só para a eleição”, diz. “Tem muita gente querendo ir embora do país. Mas, ao mesmo tempo, muita gente está dizendo: ‘agora chega’.

” Culto, respeitado e carismático, esse empresário de 61 anos, formado em economia e pós-graduado em administração de empresas, já esteve à frente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entre 1998 e 2004. Hoje, no entanto, prefere a prosa em círculos mais restritos. É capaz de passar horas dividindo reflexões sobre o país com entusiasmo e emoção.

Piva é acionista da Klabin Irmãos & Cia, holding controladora da Klabin, maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do país. A empresa foi fundada em São Paulo em 1899 por sócios que pertenciam às famílias Klabin e Lafer. O avô materno de Piva, Horácio Lafer, foi deputado federal e ministro da Fazenda e das Relações Exteriores. O pai, o ex-senador Pedro Piva (PSDB), morreu no ano passado.

O empresário concedeu entrevista ao Valor poucos dias antes de Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República pelo PSL, ter sido atingido por uma faca num atentado durante comício, em Juiz de Fora (MG). Arriscou uma análise do tipo de voto que cada um dos favoritos receberia levando em conta o quadro naquele momento. Fez, no entanto, uma ressalva: “Ainda falta cerca de um mês e quem disser que sabe o que vai dar ou está enganando ou está enganado”. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como o senhor avalia as campanhas dos candidatos à eleição presidencial?

Horácio Piva: Eu não tenho medo do dia seguinte. Seja qual for o eleito, terá que fazer reformas. O Brasil bateu no teto. Mas essa tem sido uma campanha de pouca tolerância, pouca convergência e muita polarização. Há boas intenções, mas platitudes nos discursos. Jair Bolsonaro [PSL] tem inconsistências. Virou voto de protesto. Marina Silva [Rede] tornou-se uma opção de voto dos desalentados, mas o partido não tem musculatura. É um voto ético. Ciro Gomes [PDT] continua com excesso de certezas, o que lhe cria imagem de mais problemas que soluções. É um voto regional. O Fernando Haddad [PT] é um fiel seguidor do Lula [Luiz Inácio Lula da Silva], que, além de incrivelmente inteligente, mantém mais de 30% de eleitores mesmo estando preso. Terá que lidar com o rancor do partido. É o voto de saudades. Geraldo Alckmin [PSDB] é o candidato de mais experiência e conteúdo, tentando vencer seu partido, suas alianças e acusações. Mas ele dificilmente encanta. É um voto de confiança em performance rápida.

Valor: O sr. acredita que essa campanha reflete um sentimento de desencanto do eleitor com a classe política, com os escândalos e as incertezas num país marcado pelas crises econômica e política?

Piva: A sociedade está chegando num nível de cansaço de tal ordem que alguma coisa vai acontecer. Estou sentindo um sinal de alerta que, acho, fará com que haja um pouco mais de mobilização. A situação não é boa para ninguém. Esse poder de Brasília, essa relação, que se resumia até agora no Executivo e Legislativo para ver quem mandava no outro, esquecendo o resto da sociedade… Tudo isso começará a ser colocado em xeque. Tem muita gente querendo ir embora do país. Mas, ao mesmo tempo, muitos estão dizendo: “agora chega”.

Valor: De que forma o sr. imagina essa mobilização?

Piva: Acho que o resultado da eleição vai dizer se a sociedade vai ter condições de se mobilizar com mais ou menos rapidez. Mas vai se arrumar de alguma forma, não sei se em torno de partidos ou de ONGs. Se o país tiver uma gestão mais radical, vamos continuar lidando com os problemas, como a falta de recursos. Se for por outro caminho, é capaz de começar a andar um pouquinho melhor. A sociedade está mais mobilizada para discutir questões nacionais do que nas últimas eleições. Vejo gente que antes não falava sobre política começar a falar.

Valor: E o empresário? Tem se interessado mais pela política?

Piva: Acho que sim. O susto com o que está acontecendo na política e economia faz com que ele bote a mão na cabeça. Ele olha para trás e vê que essa volatilidade existe desde a década de 1980. Das grandes fazendas nas décadas de 1920 e 1930, o país transformou-se numa potência industrial nos anos 70 e 80. Mas, de repente, começou a entrar na crise de balança de pagamentos, crise inflacionária… Vai, depois volta, Lula entra… Aí primeiro o país cresce e depois cai. Ninguém consegue mais trabalhar assim. Por isso o sonho de muita gente é vender sua empresa. O sujeito até gostaria de continuar empresário. Mas a situação é tão volátil que ele diz: “Ah, vou vender isso aqui para qualquer private equity”

Valor: Quais serão os desafios do próximo presidente?

Piva: Penso que enfrentar a reforma previdenciária é enfrentar a crise fiscal pela proa, mas isso tem que ser seguido por
reavaliação da estrutura tributária e um novo pacto federativo, de abertura, legislação trabalhista, produtividade do setor
público e mecanismos de crédito. O câmbio anda com vida própria pelo risco eleitoral e pela insustentabilidade fiscal. Não
temo crise de balança de pagamentos, pois temos reservas enormes. Temo crise de confiança e oportunidades perdidas no
início do novo governo, na lua de mel.

Valor: Como o sr. avalia as relações do Brasil com o mundo?

Piva: O Itamaraty tem uma das burocracias de melhor qualidade do mundo e tem importante papel nas negociações internacionais. Acontece que o Itamaraty não é um órgão comercial. O Brasil deveria ter um órgão como o USTR. Uma Apex [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento] turbinada. Precisamos de um órgão qualquer, ligado ao presidente, que de fato promova a abertura brasileira sem ficar preso a lobbies que querem subsídios. Que entenda a geopolítica chinesa, o vigor americano, que passa mal, mas, quando cresce, é loucamente. Crescimento econômico depende de produtividade. E competitividade passa pela coragem de discutir subsídios, isenções e custos, matérias que governo e empresários evitam.

Valor: A China mostra interesse por nossas ferrovias. O senhor acredita no aumento do investimento chinês no Brasil nessa área?

Piva: Acho que sim e terão um ganho de escala excepcional. Os chineses estão olhando o Brasil. Estão de olho no mundo inteiro. Ou a gente faz parcerias com esses caras ou vamos ser engolidos por eles. Eles têm dinheiro, têm o governo ao lado e o planejamento. O Brasil precisa entender e enfrentar o jogo estratégico do xadrez internacional, com China dando o bote, Estados Unidos voltando-se para si próprios e a União Europeia se desintegrando.

Valor: Quais mudanças estruturais o Brasil precisa para ser mais competitivo?

Piva: Além do desafio da inserção global, é preciso investir em tecnologia. Eu vejo o BNDES numa função cada vez maior de ajudar não só na implementação de infraestrutura como em tecnologia e inovação. Os empresários em geral reclamam das nossas dificuldades sistêmicas e dizem que, por isso, não dá para competir. Só que reclamam muito, mas fazem pouco. Não é porque temos um mercado enorme que vamos só trazer investimentos e deixar a empresa aqui dentro.

Valor: Quais seriam as prioridades para colocar o país no caminho do desenvolvimento?

Piva: O Brasil é um país totalmente diagnosticado. Você pode ter nuances de direcionamento aqui e ali. Mas, no fundo, os diagnósticos são claros. Se [o governo] quiser atacar o fundamental, basta colocar 50 coisas como prioridade. Para não se perder. O problema é que em geral, no Brasil não se trabalha com o fundamental; só com o urgente. Estamos sempre olhando os próximos dois ou três meses, sempre presos nas eleições ou olhando o Congresso em Brasília. Precisamos saber para aonde queremos ir. É a educação? É a tecnologia? É por isso que o Brasil é um país pronto que não acontece. Perdemos muito tempo nas discussões que, no fundo, nada têm a ver com o objetivo final.

Valor: E como o empreendedor pode lidar com questões estruturais ainda não resolvidas?

Piva: É verdade, por exemplo, que o Brasil tem uma carência de mão de obra. Mas, por outro lado, o trabalhador absorve conhecimento rapidamente. Um engenheiro pode entrar numa empresa entendendo bem da manufatura, mas não saber falar inglês ou ter problema de liderança. É impressionante a capacidade e a velocidade com que ele absorve o conhecimento quando você o ajuda a sanar as falhas. Não podemos ficar repetindo que o país não tem jeito. Se a escola não consegue cumprir, vamos trabalhar com o que temos. Vamos buscar fundações como a Ayrton Senna, buscar consultorias de coaching. O problema é que o sujeito vê uma pedra no caminho e não sabe desviar dela. Discute a pedra. Pergunta às pessoas o que elas acham da pedra. Oras, toca para a frente. Vamos encontrar outro caminho. “Não basta acumular dinheiro. Você precisa ter reputação, ter um entorno mais integrado à companhia”

Valor: Muitos dizem que, seja qual for o eleito, o próximo presidente não terá problemas para montar uma boa equipe. O sr. concorda?

Piva: Sim. É claro que ele terá que fazer um esforço para reduzir o tamanho do Estado. Mas há muita gente boa à disposição. Tudo vai depender da capacidade convocatória do presidente que vai entrar.

Valor: A seu ver os últimos presidentes não tiveram essa capacidade convocatória?

Piva: Acho que não. Cada um tinha uma agenda. Apesar da importância do Lula na questão social e de Fernando Henrique na econômica – são pessoas que merecem bustos -, eles estavam sempre um pouco presos na tal agenda urgente. E Dilma não tinha coisa nenhuma. 

Valor: O sr. acha que o Brasil precisa de uma reforma política mais profunda?

Piva: Eu acho que não podemos continuar trabalhando com 35 partidos. Temos um MDB que não é um partido, é uma frente cartorial, que se adequa ao poder do momento. O PSDB perdeu totalmente a capacidade de ser um partido de oposição. O PT no poder não conseguiu modificar o problema de governabilidade. O Novo chega agora com ideias muito interessantes, mas precisa incorporar a “realpolitik” na sua equação. Não gosto dessa coisa de direita ou esquerda. Mas o Brasil precisa de mais liberais, de mais desenvolvimentistas.

Valor: E quanto aos líderes empresariais? Haverá novas lideranças para acompanhar esse processo político?

Piva: Estávamos acostumados com líderes, uma coisa que acabou. Talvez a última liderança tenha sido o Gerdau [Jorge Gerdau Johannpeter]. As entidades também se perderam. Daqui para a frente ou teremos o surgimento de novas lideranças ou, então, a construção de um sistema de esforços cooperativos, no qual mais pessoas, CEOs, ajudem a repassar o país e desenhar o que exatamente queremos e como chegar lá. As novas lideranças podem discutir, de forma mais consequente, temas como desigualdade ou preconceito.

Valor: Mas a classe empresarial está mobilizada para ajudar a desenhar o futuro do país? Como a questão da desigualdade, por exemplo, como o sr. citou, é abordada?

Piva: Tenho percebido que a conversa está mais cidadã, mais republicana, mais consciente de que essa coisa de acumulação não está indo para um bom caminho. Há uma percepção de que alguma coisa não está funcionando muito bem. E com a tecnologia o processo de concentração de dinheiro vai se acirrar ainda mais. Qual tipo de sociedade vamos criar?

Valor: Temais mais sociais, portanto, começam a entrar nas conversas?

Piva: As pessoas estão mais reflexivas. Antigamente se falava muito de dinheiro. Agora começam a pensar que tipo de país estão criando, que tipo de sociedade. No passado, assuntos de caráter mais social e sustentável iam para a área de marketing. A ideia era: Mostra para os outros que a gente é bacana e esquece o assunto. Mas agora começo a ver gente levando a sustentabilidade para as agendas do CEO e do conselho.

Valor: O empresário está menos capitalista, então?

Piva: Não sei se é menos capitalista. Mas talvez com conceito diferente. Não basta acumular dinheiro. Você precisa acumular reputação, ter um entorno mais amigável e integrado à companhia. Tudo isso traz qualidade de vida, produtividade maior e uma empresa melhor. É a tal história: se cada um cuidar do seu jardim, você pode arrumar o país.

Valor: O sr. falou em pensar no Brasil daqui a 30 anos. E quanto a 2019? O que vai acontecer no primeiro ano de novo governo?

Piva: Os primeiros seis meses serão um período morno, de discussão e de construção. Depois as coisas começam a acontecer. 2019 não será pior do que 2018. O Brasil vem de uma fase muito ruim. Precisa acertar alguns elementos. Falamos que as pessoas estão sem dinheiro. E estão. Mas o que impacta o empresário e o consumidor é a crise de confiança. Um deixa de comprar porque tem medo de perder o emprego e o outro deixa de investir porque não sabe o que vai acontecer. A chegada de um governo novo traz esperanças renovadas. Acho que há muitos investimentos represados, que as empresas podem colocar com mais ou menos rigor. Mas vão colocar. Assim como acho que o consumidor que queria trocar a geladeira ou comprar um berço vai ter mais horizonte.]

Valor: Na sua opinião, a corrupção está sendo banida?

Piva: Não acho. Eu acho que a corrupção é um problema cultural do Brasil. Mas tende a ser mais enfrentada. As pessoas de alguma forma vão ganhar confiança na denúncia, vão ficar mais de olho no governo. Esses sites de acompanhamento, de ranking de políticos, de avaliação de “fake news” não vieram só para a eleição; eu acho que vão ficar. Só espero que esse contingente de desalentados vá votar. São quase 40%. Isso pode mexer no peso da balança. Se essas pessoas se conscientizarem da importância do seu voto, esses votos podem fazer toda a diferença para o Brasil.