09/04/2019 – 05:00
Por Talita Moreira

As agências multilaterais vão aumentar sua exposição ao Brasil nos próximos anos. Em meio à perspectiva de demanda de centenas de bilhões de dólares para projetos no país, o dinheiro dessas instituições deve ocupar parte do espaço deixado por BNDES e bancos privados nos financiamentos de longo prazo. O carro-chefe é o setor de infraestrutura, em que se espera uma onda de investimentos tanto em concessões quanto em empreendimentos privados. No entanto, saúde, educação e serviços financeiros também estão no radar dos órgãos de fomento.

“O Brasil está saindo de um modelo com o BNDES no centro e atuação forte do Estado na economia para outro com o financiamento sendo feito pelo setor privado”, afirma Hector Gomez Ang, chefe da International Finance Corporation (IFC) no Brasil. “Agora, as estrelas estão alinhadas.”

Braço do Banco Mundial para o setor privado, a IFC tem uma carteira de US$ 4 bilhões em investimentos no Brasil, sendo a maior parte em dívida. Segundo Gomez, o órgão deve financiar entre US$ 1,3 bilhão e US$ 1,5 bilhão neste ano. O ritmo é parecido com o que já tem feito, mas há uma diferença importante: a agência vai elevar a parcela desses recursos que virá do próprio bolso, e não de investidores atraídos por ela.

O BID Invest, área de investimentos no setor privado do Banco Interamericano de Desenvolvimento, prevê dobrar o volume de desembolsos no Brasil a partir de 2020 – quando espera que parte dos projetos que estão sendo estruturados comece a sair do papel. Isso significa chegar a um volume de pelo menos US$ 800 milhões em investimentos. O plano é investir em 10 a 12 operações por ano, o dobro do patamar atual.

Aumentar os recursos destinados ao Brasil também está nos planos do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). O portfólio no país deve aumentar de US$ 1,7 bilhão para US$ 2 bilhões neste ano. A instituição atua em duas frentes: empréstimos a Estados e municípios com garantia da União para programas em áreas como saneamento, mobilidade e energia; e linhas sem garantia para bancos de desenvolvimento regionais e para empresas públicas.

O crescimento deve ocorrer principalmente nas operações não soberanas, já que concessões, privatizações e outros investimentos vão demandar mais recursos, afirma Jaime Holguín, diretor da CAF no Brasil. “É um círculo virtuoso, toda a economia vai ganhar”, diz.

Além do foco em infraestrutura a CAF mantém linhas pré-aprovadas de cerca de US$ 200 milhões com os maiores bancos do país para que eles financiem grupos específicos, como mulheres e pequenos empreendedores. Sob o patrocínio de grupos de países, as agências multilaterais financiam projetos pautados mais pelo impacto econômico e social que podem gerar e menos pelo retorno do capital investido. Por isso, costumam ser fontes de recursos atrativas para o tomador.

Como têm foco no longo prazo, as agências têm se mostrado alternativas ao BNDES, que diminuiu de tamanho e mudou de orientação. Também vêm preenchendo parte da lacuna deixada pelos grandes bancos, que agora preferem operações mais curtas, menos onerosas para o balanço. Parte das operações tem sido absorvida pelo mercado de capitais local, mas ele é restrito a grandes companhias e a nomes de bom rating.

Por isso, os planos para o Brasil não se restringem a aumentar o funding disponível. No radar dessas instituições, também estão medidas para fomentar o mercado de capitais local – que consideram um passo vital para deslanchar investimentos em infraestrutura.

“As agências multilaterais vão ganhar mais espaço no Brasil. Mas nossa maior agenda é aumentar a profundidade do mercado de capitais. Queremos ajudar o número de operações a crescer”, afirma Javier de Colmenares, chefe da divisão de investimentos em infraestrutura e energia do BID Invest.

Numa dessas frentes, a agência está desenvolvendo um fundo de crédito para infraestrutura junto com o BNDES. Batizado de B2 Infra, terá US$ 1,5 bilhão para investir em debêntures. O BID Invest vai atuar no processo de escolha do gestor e ajudar a levantar capital. A expectativa é que a captação seja concluída até o fim deste ano.

A agência também entrou como cotista de um fundo de R$ 1,2 bilhão voltado a recebíveis de empresas, o Pátria Crédito Estruturado FIDC. Nesse caso, o BID Invest vai aportar até R$ 160 milhões; o Banco Mundial, outros R$ 188 milhões; e o BNDES vai entrar com um máximo de R$ 250 milhões.

A CAF, por sua vez, fez parceria com o BNDES e o francês BNP Paribas para estruturar um fundo de infraestrutura de até R$ 600 milhões, com o objetivo de investir em debêntures emitidas por empresas do setor. A captação deve ser concluída no fim deste mês, e conta com um aporte de US$ 5 milhões da agência na cota sênior.

As agências querem também auxiliar as empresas a preparar emissões no mercado. O BID Invest vai assessorar as companhias, subscrever parte dos papéis e distribuir o restante. “É uma estrutura que permite prazos mais longos e custo menor”, diz Colmenares.

A IFC discute com o BNDES um modelo que permita a emissão de debêntures de longo prazo desde o início de um projeto, dispensando o tradicional empréstimo-ponte. Nesse caso, a ideia é que a o órgão multilateral entre fornecendo a garantia para o período de construção, quando ainda não há geração de receitas. O formato já foi testado na Colômbia, diz Gómez.

Além dos órgãos multilaterais, o mercado brasileiro também tem atraído o interesse de agências de crédito à exportação. O país foi o terceiro do mundo a abrigar um escritório da UK Export Finance (Ukef), do Reino Unido, no início do ano passado.

A agência prevê uma exposição de risco de 2 bilhões de libras em companhias e projetos que tenham fornecedores britânicos, diz o embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan, em entrevista por e-mail. Os alvos prioritários são infraestrutura, óleo e gás, energias renováveis e mineração.

Outra frente de atuação britânica se dá por meio do UK Prosperity Fund, criado em 2015 para estabelecer parcerias com outros países e apoiar desenvolvimento econômico e reformas. Segundo Rangarajan, um dos programas do fundo pretende mobilizar investimentos privados ou de governo em projetos de infraestrutura sustentável.

No ano passado, o UK Prosperity Fund firmou acordo com a Compesa, empresa de saneamento de Pernambuco, para estudar medidas de redução de perda de água. O programa será implementado pelo Banco Mundial. O fundo também trabalha com o Bird e a Prefeitura de São Paulo em projeto para melhorar o tráfego na capital paulista.