Por Leonardo Ribeiro – Valor Econômico

24/07/2018 – 05:00

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 6621, de 2016, que “dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras”, aprovou em 11 de julho texto final que será enviado para aprovação no Senado, caso não surja nenhum recurso em até cinco sessões de plenário. Inspirado na Lei das

Estatais (13.303/2016), o PL pretendia blindar os reguladores de pressões políticas, conferindo-lhes maior autonomia, inclusive orçamentária.

Em contradição, no entanto, ele ganhou no final dos debates um dispositivo que permite a volta de indicações políticas às diretorias e conselhos de administração de empresas públicas.

Na verdade, o projeto original já podia ser considerado muito tímido para essas entidades que, hoje, sofrem com contingenciamentos e outras ingerências do Executivo. O artigo 3º, por exemplo, na tentativa de reforçar a autonomia das agências, parece estabelecer, em seu §2º, apenas uma “autonomia de pedir”. A questão demandaria uma fórmula mais robusta, efetivamente insulando a agência quanto aos meios para exercer suas atividades, permitindo que persiga os fins que dela se espera serem alcançados.

Já o artigo 4º traz a seguinte previsão: “A agência reguladora deverá observar, em suas atividades, a devida adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público”. Mas, afinal, o que seria “medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público”? O caráter genérico torna o comando pouco efetivo e muito manipulável. Para auxiliar na concretização desse dispositivo, que visa conferir proporcionalidade à intervenção regulatória, não seria melhor se aproximar da fórmula do 128, da Lei da Anatel (Lei nº 9.472/97)? Este diz o seguinte:

“Ao impor condicionamentos administrativos ao direito de exploração das diversas modalidades de serviço no regime privado, sejam eles limites, encargos ou sujeições, a Agência observará a exigência de mínima intervenção na vida privada, assegurando que: 1 – a liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, restrições e interferências do Poder Público; 2 – nenhuma autorização será negada, salvo por motivo relevante; 3 – os condicionamentos deverão ter vínculos, tanto de necessidade como de adequação, com finalidades públicas específicas e relevantes; 4 – o proveito coletivo gerado pelo condicionamento deverá ser proporcional à privação que ele impuser; 5 – haverá relação de equilíbrio entre os deveres impostos às prestadoras e os direitos a elas reconhecidos”.

O artigo 6º prevê a “realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR)”, que é muito bem-vinda. Mas o ideal seria que ela não fosse aplicável apenas para frente (novas normas), como também para trás, ensejando a revisão do estoque regulatório. Aplicá-las apenas para frente seria o mesmo que presumir que o arcabouço regulatório que temos hoje é eficiente, o que não é verdade. Nos diversos setores regulados há um acúmulo de exigências anacrônicas, que custam desmedidamente em vista de suas finalidades. Daí a sugestão de se prever a revisão de estoque regulatório periodicamente, em prazo específico, com pautas sugeridas pela própria agência e pelos demais integrantes do subsistema regulado, por meio de audiências públicas que colham a indicação de medidas alternativas menos gravosas em lugar daquelas a serem revistas.

É preciso criar um sistema de incentivos que vire a chave quanto à forma de atuação das agências. Hoje, muitas vezes pautadas em comemorar outorgas e deságios altos em licitações, e em aplicar multas altas, as agências deveriam ceder lugar a uma atuação pautada na melhoria dos serviços; no incremento do dinamismo do setor regulado e na liberação de cargas regulatórias e simplificação de práticas, contribuindo para a redução do custo Brasil.

O capítulo dedicado à interação das agências com o Tribunal de Contas da União (artigos 14 a 16) não resolveu as complexas dificuldades que permeiam essa relação. O tema merecia maior detalhamento, de modo a recalibrar essa equação, evitando o crescente arvoramento do TCU na função, inexistente em nosso ordenamento, de regulador geral da República.

Um ponto que é crucial e tratado muito brevemente é o dos acordos substitutivos. O tema mereceu decisão recente do TCU que poderia subsidiar parâmetros importantes para a atuação das agências neste âmbito, de maneira a conferir maior efetividade à regulação, tendo em vista que a aplicação de punições raramente reverte em recursos para a melhor atuação da agência e a subsequente melhora na fiscalização e prestação dos serviços.

A articulação entre agências, prevista nos artigos 31 e 32, é importante. Mas é mais importante ainda prever mecanismo de provocação, por parte dos agentes regulados, para que essa articulação aconteça. A omissão nesse sentido causa grande prejuízo ao relegar insegurança para atividades inteiras. Um ponto que merece avaliação especial está na forma como as agências reguladoras devem lidar com inovações tecnológicas disruptivas. Seria importante aproveitar a oportunidade também para fixar diretrizes a respeito da regulação de novas tecnologias e os problemas que costumam decorrer dessa interação.

O fato de esta ser uma lei quadro cria uma dificuldade natural de sequenciamento, porque ela vem depois das leis setoriais.

Não se pode negar, entretanto, que há avanços. A institucionalização de uma agenda regulatória (artigos 21 a 23) é boa medida. Permite planejamento e pode conferir previsibilidade à ação regulatória. Contudo, muitos temas importantes que também mereciam ser tratados ficaram de fora, incluindo a definição de uma sistemática para o caso de vacância nas diretorias, por falta de indicação. Há um problema atual grave neste ponto. Razão pela qual não se pode dar por satisfeita a chance de melhorar a administração regulatória em nossa quadra atual. É possível, e preciso, fazer mais da oportunidade.

Leonardo Coelho Ribeiro é professor convidado de Direito Regulatório da FGV Direito Rio e sócio de LL Advogados.