Por Rogério Miranda – Valor Econômico

22/06/2018 – 05:00

O Brasil é um país com imensas necessidades sociais e com recursos limitados para atendê-las. Nesse contexto, é imprescindível que os programas de governo destinados ao suprimento dessas demandas sejam eficazes e eficientes, pois, somente dessa forma será possível fazer mais com menos, ou seja, conciliar nossas sérias restrições fiscais com as profundas necessidades sociais ainda não atendidas.

Assim, é de suma importância que esses programas sejam desenhados e avaliados adequadamente de modo a cumprirem suas finalidades sem desperdício de dinheiro público. Avaliação não é um instrumento com o objetivo primário de simplesmente cortar programas. O objetivo é otimizá-los, de forma a obter mais serviços com menos dispêndio.

Informações obtidas a partir da avaliação rigorosa de um programa governamental podem balizar aperfeiçoamentos, extensões ou cortes, melhorando a gestão dos recursos públicos. Por si só, a avaliação induz ao aumento da eficiência na execução do programa, uma vez que, sabendo que serão escrutinados, os atores envolvidos tendem a ser mais cuidadosos e ciosos com a coisa pública. Além disso, quando a avaliação se torna uma norma, a população se sente mais segura em relação à destinação dos impostos pagos.

Existem diversas técnicas modernas para avaliação de políticas públicas e todas apontam que a precisão da avaliação aumenta quando seu desenho já contempla, em detalhes, a possibilidade de mensuração de seus efeitos.

A questão zero é qual o problema que se pretende resolver. Por exemplo, melhorar o desempenho dos alunos do ensino público fundamental. Da questão zero se evolui para a “teoria da mudança” do processo. Trata-se de um encadeamento lógico das ações a serem implantadas e seus efeitos que levarão aos resultados esperados.

A partir da teoria da mudança, chega-se ao modelo lógico do programa que elenca, de maneira objetiva, quais os recursos necessários, quais os produtos a serem gerados e quais serão seus resultados. Uma vez que o programa está implantado e funcionando, será necessário avaliar se está gerando os impactos esperados.

Para continuar com o exemplo da educação, poderíamos sugerir que o recurso seria uma premiação às escolas cujos alunos atingissem determinado padrão de aprendizado; os produtos seriam melhorias na qualidade das aulas, maior assiduidade de alunos e professores, dentre outros. E o resultado seria a melhoria das notas dos alunos em testes padronizados, menor taxa de abandono na transição para o ensino médio etc.

Essa metodologia é amplamente adotada e reconhecida como benéfica mundo afora. Não faltam exemplos de países que a utilizam, tais como Chile, México, entre tantos outros. Por que então é tão pouco utilizada no Brasil?

Interesses velados de diversos atores envolvidos com políticas públicas impedem aprimoramento .

Primeiramente, não se trata de falta de expertise. Temos no Brasil pessoas com as habilidades necessárias ou, pelo menos, com a capacidade de aprendizado para a sua implantação. Não se trata também, na maioria dos casos, de falta de dados, uma vez que o governo vem produzindo já há algum tempo, tanto na esfera federal, quanto nas demais, uma profusão de informações sobre os seus programas e sobre as condições sociais e econômicas da população.

A alegação que falta coordenação entre os diversos agentes, necessária à boa consecução das avaliações, pode ser realidade em alguns cenários, mas mesmo essa justificativa parece ter origem em uma razão mais profunda e de mais difícil remediação: os interesses velados de diversos atores relacionados às políticas públicas.

Que interesses seriam esses e o que está em questão aqui? Em primeiro lugar, temos os interesses estabelecidos na própria burocracia pública. Embora deva-se reconhecer que a maioria absoluta dos servidores públicos está comprometida com a boa prestação de serviços à população, também não há como negar que um escrutínio sistemático dos programas governamentais tiraria muitos deles de sua zona de conforto. Além disso, há, em diversas circunstâncias, apego a determinados projetos por parte daqueles que ajudaram a concebê-lo e uma avaliação negativa, em geral, não é bem-vinda.

As empresas fornecedoras dos serviços ou da infraestrutura que esses programas utilizam também teriam menor margem para elevação de preços, já que essa prática poderia comprometer a eficiência do programa, o que seria apontado na avaliação.

Por fim, talvez o mais importante de todos os interesses, seria o desvelo com a agenda oculta dos propositores dos programas. O fato é que, muitas vezes, o objetivo de um determinado programa não é exatamente o que está proposto em sua exposição de motivos. Em outras, o desvirtuamento ocorre no decorrer de sua execução, servindo a propósitos não revelados na origem.

O seguro defeso, por exemplo, foi proposto originalmente com o intuito de proteção de animais aquáticos nas fases mais críticas de seus ciclos de vida, como a época da reprodução. No entanto, transformou-se em um programa de distribuição de renda mal direcionado, cujo objetivo tem pouco a ver com os peixes e muito mais a ver com os beneficiários.

Uma vez estabelecidos, é difícil a racionalização dos programas. Isso porque os agentes que se beneficiam são concentrados e geralmente organizados, enquanto que os prejudicados são dispersos e sem qualquer organização, o que nos leva ao clássico problema da “escolha pública”.

Muito embora deva-se reconhecer que a economia política para o estabelecimento de uma cultura de avaliação robusta e rigorosa dos programas públicos seja complicada, também é válido destacar que a eleição deste ano é uma oportunidade para o debate desse tema. E, sobretudo, para a consolidação de compromisso dos candidatos com um desenho e gestão adequados das políticas públicas e dos programas governamentais.

Rogério Boueri Miranda é diretor de Desenvolvimento Institucional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).