Por Sandro Cabral – Valor Econômico

Concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) são importantes instrumentos para disponibilizar novos equipamentos e melhorar a qualidade de serviços públicos oferecidos à população. Nessa linha, governos dos mais diferentes matizes ideológicos vêm recorrendo a atores privados para fazer frente às demandas da população em cenários marcados por restrições orçamentárias.

Porém, se fatores ideológicos e partidários, aparentemente, não são mais impeditivos, o que pode explicar o tímido crescimento do modelo de concessões e PPPs no Brasil? Por que mesmo após todas as promessas feitas com pompa e circunstância nos governos Dilma (em 2012 e 2015) e no governo Temer (maio de 2016 e agosto de 2017), essa agenda ainda não deslanchou?

Programas de concessões e PPPs requerem conhecimento técnico para formatar projetos que sejam de interesse público e ao mesmo tempo atrativos para o setor privado. Porém, o maior gargalo não reside na falta de capacidade técnica nos governos, mas, sim, na falta de amadurecimento político-institucional que faz com que o poder público, em suas diferentes esferas, seja o principal gerador de riscos que minam maior participação privada.

Exemplos de comportamentos inadequados dos governos são abundantes. O caso mais recente envolve a decisão do governo federal em liberar voos nacionais no aeroporto da Pampulha em Belo Horizonte a partir de pressões do grupo de aliados políticos que comanda a Infraero. Para impedir mais uma denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o presidente da república na Câmara dos Deputados, com a medida o atual governo compromete a viabilidade econômica do Aeroporto de Confins, no qual desde 2014 é sócio com dois grupos privados.

Além disso, ao retirar da pauta de concessões o aeroporto de Congonhas para satisfazer o apetite de seus aliados, o governo reduz ainda mais o potencial de atração de capitais privados para investimentos em infraestrutura. Em meio a todos esses sinais, atores privados que não se sujeitam a arranjos espúrios com políticos de plantão, exigirão taxas de retorno mais elevadas para compensar os riscos, implicando em tarifas mais altas para usuários ou em maior nível de contrapartida governamental. Assim, operadores privados internacionais com competência comprovada na operação de serviços públicos podem preferir outros destinos mais seguros para seus recursos na América Latina, tais como Colômbia e Peru.

A geração de riscos regulatórios e institucionais não é exclusividade da classe política eleita pela população. Poder judiciário, ministério público e órgãos de controle também contribuem para um ambiente microeconômico desfavorável ao promoverem interpretações desconectadas da lei acerca de processos licitatórios e contratos de concessões e PPPs em curso. Um exemplo emblemático foi a proibição de shows na Arena Fonte Nova em Salvador em 2015, a partir de manifestação do ministério público local, em que pese as aprovações dos órgãos municipais competentes. O resultado após idas e vindas nos corredores dos tribunais foi a exclusão da capital baiana do roteiro de grandes shows internacionais em 2015 e 2016, por conta das incertezas geradas. A intervenção em tela teve como consequência um arranjo perde-perde sem precedentes. Perdeu a população que ficou sem acesso a atrações, perderam o operador privado e o contribuinte baiano, uma vez que os prejuízos decorrentes da frustração de receita foram compartilhados com o governo estadual e perderam todos indivíduos e organizações que dependem do setor de entretenimento.

Falta de amadurecimento político-institucional faz com que o poder público seja o principal gerador de riscos A falta de protocolos que balizem a atuação dos órgãos de controle também compromete investimentos adicionais capazes de estimular um maior número de concessões e PPPs. De fato, não se sabe ainda se os acordos de leniência firmados entre organizações implicadas em escândalos de corrupção e o órgão “A” serão respeitados pelos órgãos “B” e “C”. Não é fácil convencer atores privados externos, e com várias oportunidades de investimento ao redor do mundo, a alocar seus recursos em negócios com expectativas de retorno sujeitas a fatores para os quais não se têm nenhum controle.

Mas, afinal, o que o poder público, em suas diferentes esferas, pode fazer para diminuir os riscos gerados por si próprio e destravar uma agenda de concessões e PPPs comprometida com o interesse público? A primeira coisa a ser feita é estimular a criação/consolidação de competências públicas para estruturação, acompanhamento e monitoramento de projetos de concessões e PPPs. Para tanto, as estruturas técnicas existentes não podem ser desmontadas quando da mudança dos governantes de plantão. O reforço do caráter técnico das estruturas de controle, o estabelecimento de protocolos que delimitem a atuação de cada órgão, bem como a blindagem das estruturas de fiscalização das pressões políticas são igualmente fundamentais para atenuar riscos em PPPs. A luz do sol sempre é o melhor desinfetante.

Por fim, riscos podem ser mitigados por meio de maior colaboração entre as diferentes agências do setor público envolvidas no processo de concessões e PPPs. Canais de comunicação abertos e a disposição das partes envolvidas em buscar o bem comum, sem priorizar a busca por protagonismo, devem dar a tônica das atividades. Um bom exemplo de governança colaborativa é a PPP de Habitação realizada entre a prefeitura da capital paulista e o governo do Estado de São Paulo. Apesar das rivalidades políticas, o então prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin foram capazes de dialogar sobre um projeto concreto e de encontrar uma solução para atenuar o problema habitacional. Precisamos de mais exemplos como esse para diminuir a percepção de risco gerada pelo poder público. Arranjos público-privados bem sucedidos dependem fundamentalmente de arranjos público-público que funcionem.

Sandro Cabral é professor de Estratégia do Insper.