Por Bruno Ramos Pereira – Valor Econômico

01/03/2019 – 05:00

Poucos poderiam imaginar há 10 anos que as parcerias público-privadas (PPPs) e as concessões alcançariam uma condição de quase unanimidade ou de aceitação amplamente majoritária no debate público do país.

Tal cenário pode ser observado atualmente, ao menos se partirmos das expectativas sinalizadas sobre o assunto por vários Governadores e por algumas autoridades da área econômica do governo federal.

Desde as eleições de 2016 foi possível perceber em diversas cidades que os candidatos e as candidatas que abordavam abertamente a necessidade de desestatizações foram competitivos. As eleições de 2018 consolidaram a tendência na União e em alguns dos mais populosos Estados. As duas últimas eleições, em resumo, referendaram o desejo por um setor público mais eficiente e, no atual cenário, as principais ferramentas ao dispor envolvem as desestatizações (privatizações, PPPs e concessões).

No curto prazo, portanto, permanece um contexto favorável para o desenvolvimento de políticas que se apoiem nos modelos de contratação pública ainda em larga medida inovadores no Brasil, como são as PPPs e concessões.

Entretanto, nada muito diferente do que já vem sendo feito ocorrerá se as partes envolvidas (Poder Executivo, tribunais de contas, iniciativa privada, consultorias e academia) perderem a oportunidade de se conscientizar a respeito da urgência de que a experiência com as PPPs e concessões supere definitivamente o descompromisso com a qualidade, o bom senso, a sistematização e a implantação efetivas de boas práticas.

Não é viável que a cada projeto busque-se em vão criar novamente a roda e não há mais tempo para irresponsabilidade com as concessões e PPPs. Não é à toa que o Banco Mundial, em conjunto com outros multilaterais, lançou uma certificação internacional de especialista em PPPs e concessões (CPP): o conhecimento está disponível.

Já foram celebradas 109 PPPs e são centenas os contratos de concessão celebrados desde 1995, ano de promulgação da lei federal de concessões. A concessão comum vem sendo utilizada em vários setores, como rodovias, energia, aeroportos, saneamento, ferrovias, terminais portuários, entre outros, sendo que se trata da modalidade preponderante no âmbito do governo federal.

Nos Estados e municípios há um número também não calculado de concessões celebradas nos últimos 20 anos. Em relação às PPPs, cuja lei federal foi promulgada em 2004, o banco de dados da Radar PPP revela que há 53 já celebradas por Estados e Distrito Federal e 55 por municípios.

A jornada até aqui não foi uniforme e é fundamental deixarmos de lado as pequenas vitórias coletivas e individuais do passado se for de fato desejável aproveitar a conjuntura política para radicalizar a qualidade da experiência sobre o tema.

Experiência com as PPPs e concessões deve superar definitivamente o descompromisso com a qualidade e o bom senso

Usa-se com alguma frequência a expressão “voo de galinha” com a finalidade de ilustrar a trajetória errática e incompleta da economia nacional. A expressão também serve para ilustrar o ambiente das PPPs e concessões. Será uma perda de oportunidade se não houver compromisso real com a qualidade das novas iniciativas.

Seria muito difícil que empresas sérias não participassem de Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI) de baixa qualidade? Seria inviável “censurar” moralmente as empresas que apresentassem estudos de baixa qualidade ao setor público por intermédio da ampla divulgação da motivação governamental pela rejeição dos estudos de viabilidade?

Em âmbito federal, pela própria escala e configuração setorial das áreas do serviço público afeitas ao tema, assim como em função dos acertos decorrentes do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), a busca pela qualidade transversal dos projetos é institucionalmente incentivada. O desafio maior está em mudar a qualidade das concessões e PPPs subnacionais.

Estados e municípios (incluindo consórcios públicos intermunicipais) iniciaram a análise da viabilidade de, respectivamente, 12 e 180 concessões e PPPs em 2018 (no formato de Procedimento de Manifestação de Interesse, PMI). A tendência é que raras serão as iniciativas de 2018 que alcançarão a fase de licitação nos próximos 12 meses, repetindo-se o padrão de 2017, em que, dos 148 PMIs municipais publicados naquele ano, apenas 28 alcançaram a fase de licitação até o momento (sendo que 3 tornaram-se contratos celebrados).

O cenário nos Estados, incluindo Distrito Federal, não denota necessariamente maior qualidade. Foram 48 PMIs em 2017 e 6 alcançaram a fase de licitação (nenhum tornou-se contrato até o momento). Houve uma dispersão e descentralização do assunto em dezenas de municípios e Estados nos últimos anos, algo desejável e positivo, mas o fenômeno foi desacompanhado dos conhecimentos e habilidades mínimas. Consequentemente, o resultado é a frustração e a ausência de consolidação de competências na burocracia governamental, principalmente nos Estados e municípios.

É urgente que a experiência subnacional seja qualificada, evitando-se a quebra de expectativa que já toma conta dos atores mais atentos. O ceticismo ganha corpo, substituindo um otimismo existente anos atrás, que se mostrou vazio e ineficaz.

Governos devem se preparar melhor para navegar no mundo das PPPs e concessões, conscientizando-se sobre a incompatibilidade das referidas ferramentas com urgências programadas e visão de curto prazo sobre políticas públicas. Os governos devem também adquirir capacidades mínimas para separar a ficção da realidade no que diz respeito às ideias vindas da iniciativa privada, assim como detectar sem medo quais são os estudos de viabilidade que não merecem a mínima atenção do setor público, pela sua insuficiência e incapacidade de compreensão sobre como as concessões e PPPs funcionam.

Cada experiência subnacional desqualificada prejudica o uso das PPPs e concessões. Todos devem se conscientizar e se responsabilizar sobre isso. A expansão de baixa qualidade, característica dos últimos anos, coloca em risco o futuro das PPPs e concessões.

Atualmente, há uma oferta razoável de cursos, literatura, dados e documentos públicos (licitações e contratos) sobre o assunto. Não é mais tolerável participar de uma experiência de baixa qualidade em concessões e PPPs. Do contrário será ainda mais escasso do que já é encontrar governos e empresas sérias que queiram se dedicar ao tema.

Se não houver mudanças reais, a consequência será o aprofundamento do desprestígio e ceticismo sobre as concessões e PPPs como ferramentas que podem contribuir decisivamente para a implantação das políticas públicas.

Bruno Ramos Pereira é consultor e sócio da Radar PPP