Por Jorge Arbache – Valor Econômico

10/01/2019 – 05:00

O gigantesco hiato nos indicadores econômicos e sociais entre países da América Latina e países industrializados se deve, em parte, às debilidades da infraestrutura. O FMI estima que o estoque de capitais públicos per capita na região é de cerca de um quinto daquele na América do Norte, por exemplo.

Dificuldades de financiamento e de implementação e operação de projetos, problemas de governança e escolha de projetos pouco promissores ajudam a explicar os baixos investimentos em infraestrutura.

Se já não bastassem os desafios de infraestrutura acumulados, a região também tem que mirar em desafios novos associados às mudanças climáticas e demográficas, crescente urbanização e infraestruturas do futuro, como o 5G e cidades inteligentes. Trata-se de uma agenda difícil de ser atendida a curto e médio prazos e cuja magnitude e urgência requerem muitos recursos e coordenação.

Os governos são os tradicionais investidores e operadores de infraestrutura na região. Porém, vários deles enfrentam elevados endividamentos e ajustes fiscais que constrangem a sua capacidade operacional e financeira para seguirem investindo e os bancos públicos têm limitações para financiar as infraestruturas nos montantes requeridos. Para avançarmos, será preciso ampliar o leque de alternativas.

A principal alternativa é a maior participação do setor privado no financiamento, implementação e operação de infraestruturas. Mas a participação do setor privado tem sido de apenas uma fração do seu potencial e, a se manter tudo como está, é improvável que aumente de forma significativa no futuro próximo. Isto porque existem barreiras para se financiar infraestruturas, em especial para o setor privado, em razão da elevada percepção de riscos, da regulação bancária, do limitado nível de desenvolvimento do setor financeiro, da modesta escala do mercado de capitais e das dificuldades para se identificar e mitigar riscos e internalizar externalidades.

Como resultado, projetos importantes têm dificuldades de financiamento, de atração de investidores e de mobilização de recursos a prazos e custos suportáveis pelos projetos. Esse quadro afeta desproporcionalmente projetos mais estruturantes, que são os que mais fazem falta à região. A despeito das dificuldades, muito pode ser feito.

Uma medida que pode contribuir é a criação de uma carteira de projetos, que seriam reembolsáveis por quem ganha a concessão. De fato, projetos bem estudados são mais atrativos por reduzirem riscos e incertezas e aumentarem a previsibilidade e os impactos.

Outra medida são aquelas que otimizam os investimentos e potencializam os retornos. Ou seja, é preciso mais planejamento. Como não é possível atacar em todas as frentes ao mesmo tempo, é preciso priorizar investimentos que tenham maiores retornos privados e sociais, que mais agreguem valor, que diversifiquem investimentos, que promovam sinergias e complementariedades produtivas e que tenham maior viabilidade de implantação e operação. Países com elevada escassez de investimentos não podem se dar ao luxo de investir em projetos de retorno duvidoso, fragmentados e pouco sustentáveis. A experiência internacional sugere que o ideal é que o planejamento seja integrado e que esteja a cargo de agências públicas que se orientem pelos interesses de longo prazo do país.

Estímulo à formação de poupanças privadas domésticas de longo prazo e atração de recursos internacionais para projetos de infraestrutura são outras poderosas medidas. Por certo, sequenciamento de reformas, organização das finanças públicas e desenvolvimento institucional são elementos importantes por criarem ambiente macro e micro adequados e por aumentarem a resiliência financeira, fatores críticos à mobilização de investimentos de longo prazo. Mas também contribuem medidas de modernização regulatória e de segurança jurídica, mudanças que estimulem os investidores institucionais a alocarem mais recursos em infraestrutura e medidas de ampliação e sofisticação do mercado de capitais e de integração dos mercados de capitais da região.

Divisão de trabalho entre governo e setor privado também é uma dimensão importante, em especial para projetos complexos, com elevados riscos regulatórios, que tenham riscos de difícil identificação e mensuração e que dependem de muita coordenação. Projetos com essas características requerem engenharias financeiras tão complexas que, na prática, não se viabilizam. Nesses casos, os governos deveriam cuidar da montagem e desenvolvimento dos projetos e concedê-los à iniciativa privada.

Os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) também podem contribuir. Para além de proverem recursos de médio e longo prazos a custos atrativos e de oferecerem benefícios reputacionais, os BMDs podem apoiar na originação e formação de carteiras de projetos e usar a sua expertise técnica e regulatória e experiência internacional para apoiar os governos no planejamento das infraestruturas. Os BMDs também estão preparados para apoiar na implantação de melhores práticas, desenvolvimento de capacidades e melhorias do ambiente de negócios. Podem, ainda, oferecer binstrumentos financeiros e classes de ativos que tragam maior segurança e diversificação do risco para o investidor, exercer papel catalítico com financiamentos sindicalizados e subordinados, garantias parciais de primeiras perdas e participações patrimoniais e apoiar na criação de veículos especiais e fundos que alavanquem recursos privados para a infraestrutura.

Por fim, podem ser instrumentais para a convergência de padrões técnicos e regulatórios e para investimentos em infraestruturas de interesse bi ou plurinacional.

Esses esforços contribuirão para melhorar as condições de mobilização de recursos privados para a infraestrutura, o que será fundamental para o crescimento econômico sustentado e para os indicadores sociais. Só com infraestrutura não se vai longe. Mas sem ela não se vai a lugar algum.

Jorge Arbache é vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF)