Por Paulo Vandor e Eric Emiliano – Valor Econômico

29/03/2018 – 05:00

Nas últimas décadas, o Brasil reduziu seu nível de investimentos em infraestrutura no país abaixo do índice anual de 2% do PIB, considerado o mínimo para a sustentação de um desenvolvimento econômico saudável. Esta situação piorou com a recessão de 2015-2016, quando esse valor se tornou inferior ao de outras economias em desenvolvimento.

O setor de saneamento corresponde a menos de 10% desses investimentos. Apesar da ambição do governo de fornecer o saneamento universal em 2033, apenas 83,3% da população tem acesso a água tratada; enquanto a coleta de esgoto alcança somente 50,3% da população.

Ao contrário da crença popular de que o problema existe em função da dimensão geográfica e da baixa densidade populacional do país, o fornecimento em cidades de tamanho médio não está distante da média nacional, demonstrando que a lacuna é sistêmica. Para fornecer a distribuição de água a 99% da população e a coleta de esgoto a 90%, o Plano Nacional de Saneamento Básico, aprovado em 2014, calcula que são necessários cerca de R$ 300 bilhões em investimentos.

No setor de água e esgoto, o governo foi responsável por mais de 80% dos investimentos em infraestrutura, com atrasos em construções e ineficácia financeira consistentes ao longo dos anos. Nos últimos 10 anos, o setor gerou resultados financeiros negativos de forma constante (da ordem de R$ 2 a R$ 5 bilhões de prejuízo por ano), demonstrando sua incapacidade de investir. Além disso, o déficit fiscal nacional atual, as novas regulamentações que restringem os gastos públicos e a lenta recuperação da recessão estão prejudicando a capacidade do governo em ampliar os investimentos em um futuro próximo.

Entretanto, os investimentos em fornecimento de água e esgoto são de caráter urgente e podem trazer benefícios importantes para toda a população. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), para cada dólar investido em saneamento, US$ 4,3 são economizados em custos com a saúde. Já os trabalhadores em áreas com acesso ao saneamento básico são até 4% mais produtivos que aqueles que não contam com instalações adequadas. O valor imobiliário é até 13% maior em áreas com acesso a sistemas de água e esgoto, enquanto o turismo perde cerca de US$ 3 bilhões por ano em função da falta de infraestrutura de saneamento básico e do seu impacto no meio ambiente. Portanto, o que precisa ser feito para acabar com a lacuna do saneamento básico no Brasil?

Governo e agentes privados precisam descobrir formas de superação das barreiras para trabalhar em conjunto. O investimento privado no setor de saneamento brasileiro ainda está limitado a 6% do mercado em termos de alcance de domicílios. Desde a primeira concessão privada, em 1999, essa participação tem crescido lentamente. A principal razão é o quadro regulatório atual, que atribui grande parte da tomada de decisões e determinação de regras às mãos de cada cidade.

É possível introduzir um modelo de negócio disruptivo, que reúna os setores público e privado em colaboração O marco regulatório do saneamento básico, a Lei nº 11.445/2007, determinou as principais diretrizes para o setor e foi instrumental para proporcionar o nível mínimo de confiança exigido pelos investidores privados. No entanto, os aspectos técnicos e econômicos (como tarifas aplicáveis) das operações de saneamento não foram detalhados. Cada cidade deve projetar seu próprio plano de saneamento básico e definir as diretrizes para a operação, o que resulta na ausência de uma norma nacional que possa ser usada como referência pelos investidores.

A decisão de atribuir a um player privado o fornecimento de serviços de saneamento (por meio de concessões ou parcerias público-privadas) permanece sendo responsabilidade de cada cidade, impondo dificuldades para a formação de grandes empresas privadas. Além disso, 70% das cidades brasileiras são atendidas por Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), gerando uma considerável pressão política contra a privatização dos serviços.

Ademais, a maioria dos grandes agentes privados está envolvida no escândalo da Lava-Jato. Esses acontecimentos conduziram movimentações importantes no mercado, como a aquisição da Odebrecht Ambiental pela firma de investimentos canadense Brookfield (originando a BRK Ambiental) e a reestruturação da CAB Ambiental como Iguá Saneamento. Esses “novos” players, junto com outros que constituíam o segundo escalão (como a Aegea Saneamento), agora liderarão o desenvolvimento do mercado.

Mas a privatização não é a única solução. É possível introduzir um modelo de negócio disruptivo, que reúna os setores público e privado em colaboração. Nele, os agentes públicos concedem parte dos seus serviços, como somente a coleta de esgoto. Todas as partes interessadas podem obter vantagens: os agentes privados acessam uma grande parcela do mercado; as empresas públicas continuam com seus ativos políticos e solucionam seus problemas de investimento; a população ganha acesso a serviços melhores; e os investidores contam com uma oportunidade mais sólida de ganhar dinheiro.

É importante projetar um mecanismo legalmente viável e capaz de atrair investidores para o desenvolvimento de estudos financeiros e técnicos pelos municípios responsáveis pelo processo de licitação. Um dos fatores de sucesso fundamental para a criação de contratos é um estudo de viabilidade (técnica e financeira) bem elaborado. Ao longo dos últimos anos, o mercado tem usado o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), no qual um agente privado conduz o estudo para um município ou outra entidade pública. Entretanto, este mecanismo está sob pressão, sendo questionado por conta dos escândalos de corrupção recentes.

O mercado deve buscar alternativas que protejam todos os interessados contra a interferência política. Uma opção pode ser a criação de um “trust fund” gerido por uma parte neutra e confiável, com mecanismos de conformidade claros para permitir a realização de estudos de viabilidade imparciais.

Por último, porém não menos importante, é fundamental que o povo se torne parte do processo e pressione os representantes da gestão pública para garantir a implementação de iniciativas reais e eficazes. Neste aspecto, as autoridades públicas podem exercer um papel importante na pressão do governo. Este tipo de procedimento ainda é raro no Brasil: somente 32 municípios estabeleceram Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Ministério Público.

Isso, em um país onde cerca de 17% da população não têm acesso a água e cerca de 50% não contam com acesso a sistemas de esgoto.

Paulo Vandor e Eric Emiliano são sócio da consultoria inglesa L.E.K, e diretor no escritório de São Paulo respectivamente